A opção que se tomou de analisar as descendências nos povoamentos marcados trouxe uma dimensão adicional à análise dos dados: a de estudar-se a biologia da reprodução das duas espécies e dos híbridos (cf. parte III e secção A3 da parte II, respectivamente), cujo interesse tanto no estudo dos factores do hibridismo como em questões mais gerais foi já sublinhada nesta discussão. A interdependência entre modelo de amostragem e horizontes de investigação é, sem dúvida, um factor sempre a considerar da maior importância, assim como é a sua adaptação a métodos de análise de dados entretanto desenvolvidos [Smouse et al. 2001, Austerlitz & Smouse 2001, Smouse & Sork 2004, Vekemans & Hardy 2004, Walter & Epperson 2004].
Para evitar contaminações de semente e para recolher o máximo de informação para um estudo, é absolutamente fundamental fazer a colheita de semente na árvore, assegurando que todo o subsequente processo de etiquetagem mantenha a identificação com a árvore-mãe, e ainda ter o cuidado de registar as taxas de germinação por família, assim como as variações no vigor de crescimento (relevantes por causa dos pressupostos de selectividade sobre certos genótipos).
No contexto de controlo do hibridismo em materiais de propagação (cf. parte II secção D1), e face às realidades da amostragem in situ onde é inviável controlar e muito menos uniformizar o protocolo de colheita de sementes de todas as proveniências, tem de haver especial cautela em deduzir que um povoamento é “livre de riscos” de hibridação. Há nomeadamente dois factores a ter em conta: a possibilidade de variação, de ano para ano, nas oportunidades de polinização heterospecífica, que implica repetir as análises ao longo de vários anos de frutificação, de preferência em coordenação com estudos de floração que vão registando as flutuações de datas de emissão de pólen; e a maturação assíncrona dos frutos das diferentes árvores, pois para garantir a representatividade da amostragem em cada povoamento têm de fazer-se colheitas de todas as árvores, e por isso é necessária a programação das colheitas de semente em várias datas.
Para assegurar a colaboração dos proprietários, na recolha de sementes segundo um padrão adequado ao rastreio com marcadores genéticos de hibridismo, seria útil abrir a possibilidade de aprovar os povoamentos mistos como produtores de materiais de propagação, na condição de sujeitarem-se a esse rastreio durante alguns anos e no estrito cumprimento do padrão de recolha.
Para uma compreensão mais aprofundada dos sucessivos estádios, pós-polinização, na manutenção do isolamento reprodutor entre as duas espécies e na biologia de reprodução dos próprios híbridos, a análise cada vez mais intensiva dos diferentes pontos do ciclo de vida seria fundamental, integrando designadamente o pólen, as sementes (eventualmente os frutos abortados) e as plantas que destas se desenvolvem; tanto se pode pensar em análises de larga escala em povoamentos mistos marcados, como num simples complemento de estudos de polinização controlada, onde os marcadores discriminantes podem contribuir de forma extremamente relevante viabilizando a experimentação com misturas de pólen [Kanazashi et al. 1997b].
É fundamental que os mesmos marcadores enzimáticos sejam utilizáveis em todos esses pontos do ciclo de vida. Uma parte dos que foram utilizados em larga escala nas plantas, no presente estudo, continuaram a sê-lo nas sementes, mas algumas anomalias (ausência de zimogramas DIA “X”) e o facto de ainda não saber-se o poder diagnosticante das actividades que apresentarem zimogramas muito diferentes em sementes (PGM e GsR), exigem algum esforço adicional. Definir a correspondência genética entre sementes e folhas deverá fazer-se pela comparação dos zimogramas do mesmo indivíduo nessas duas fases do seu desenvolvimento, implicando algumas complicações adicionais: identificar cada planta com a respectiva semente, o que pode conseguir-se com um mapa de sementeiras de cada tabuleiro; e avaliar se a ablação de parte dos cotilédones para extracção afecta a taxa de germinação ou a de sobrevivência em viveiro, o que pelo menos durante alguns ensaios impõe a manutenção de controlos em paralelo.
Pelo menos para fins de investigação, uma alternativa à germinação em viveiro das sementes colhidas poderia ser a cultura in vitro de explantes retirados assepticamente para embriogénese somática ou micropropagação a partir de calos. Existe um potencial de economização em tempo e mesmo em custos em optar-se por esta via, e embora se tenham obtido resultados encorajadores no Laboratório de Melhoramento Vegetal e Biotecnologia do Instituto de Ciências Agrárias Mediterrânicas (Profª Amely Zavattieri), será necessário desenvolver muito mais essa investigação.
Dependendo dos recursos humanos disponíveis, e tendo o cuidado de assegurar a possibilidade de manutenção do material a analisar em viveiro, podem atingir-se níveis de amostragem muito elevados com custos operacionais razoáveis. A preços de 1999, cada amostra custava pouco mais de 0,25 € para a extracção, e se se lhe juntasse a análise básica com marcadores do sistema C, o custo acumulado ficava por 0,60 €.
Mais do que o custo em reagentes para as extracções e análises, é o tempo de processamento de cada amostra, estimado em 6 amostras por hora para cada pessoa só para o passo de extracção, que constitui o factor mais limitante no planeamento de análises em larga escala. A extracção eficaz dos constituintes celulares a partir do material foliar dos sobreiros e azinheiras só se conseguiu pela combinação de maceração sob Azoto líquido, homogenização a alta velocidade e centrifugação. Sem os dois primeiros processos as actividades enzimáticas não são detectáveis no gel, mas é de admitir a possibilidade de encontrar-se um protocolo tanto ou mais eficiente e menos demorado.
Um aspecto do passo de extracção que poderia ser revisto é a composição do meio de extracção. É possível que a sua complexidade seja um factor de inactivação dalgumas actividades enzimáticas [Soltis et al. 1983, Kephart 1990, Bult & Kiang 1993], que pode torná-las mais difíceis de detectar, algumas ao ponto de serem inconsistentes. Infelizmente, todas as tentativas de utilizar um tampão mais simples, com polivinilpirrolidona insolúvel (PVPP) para a adsorção de taninos das folhas [Yacime & Lumaret 1989], produziram extractos cujas actividades enzimáticas, se presentes, não eram reveláveis. No entanto, este método permitiu caracterizar os polimorfismos de LAP, IDH e ACP descritos em azinheira [Michaud et al. 1995] e sobreiro [Toumi & Lumaret 1998], em estudos também baseados em material foliar. Outro tampão mais simples que parece dar bons resultados com folhas de carvalhos americanos é o de Mitton et al. [1977], suplementado com 10% PVP [Sork et al. 1993b].
A manutenção dos extractos a –20 ºC pode ter-se traduzido, pelo menos em parte, na exigência de maior complexidade do meio de extracção, mas por causa das contingências de cumprimento dos calendário do projecto PAMAF 8153 não puderam efectuar-se as experimentações necessárias a chegar a um novo meio (e método) de extracção mais eficaz. Para o meio de extracção usado no presente trabalho, pouco mais se pôde aperfeiçoar além de definir-se uma selecção de componentes com resultados fiáveis, e em concentrações directamente retiradas da literatura disponível.
Apesar da relutância que em geral se tem em fazer a experimentação com o meio de extracção [Kephart 1990], ela deverá em princípio ser compensadora; mais do que a substituição de ingredientes por outros, deveriam testar-se sistematicamente os efeitos de remover ou de apenas reduzir a concentração de vários entre eles.
4) Actividades enzimáticas utilizadas
Cada uma das actividades enzimáticas utilizadas nas análises de rotina teve as suas particularidades tanto na contribuição para a discriminar entre sobreiros e azinheiras (e híbridos), como nos obstáculos que se colocaram (tabela 5.2).
DIA é sem dúvida um marcador de eleição, apesar da relativa complexidade dos zimogramas, que talvez se possa tornear utilizando outro sistema de separação (no sistema R, pelo menos, isso verificou-se, mas os zimogramas eram menos visíveis); ainda não é possível dizer se as variantes observadas em sobreiro e azinheira são verdadeiramente intra-específicas (embora não polimórficas, pela sua raridade) ou resultam de introgressão, e há o problema das sementes descendentes de híbridos não terem apresentado zimogramas “X”.
MDH, embora em geral de grande utilidade, apresenta alguns problemas de visualização das bandas do lado catódico, especialmente nas azinheiras e nos híbridos, e é particularmente exigente em relação à separação electroforética para permitir uma boa resolução das bandas do lado anódico; estes problemas talvez sejam resolvidos com outro sistema de separação, e um zimograma mais simples poderá também ajudar à dedução da genética dos marcadores do lado anódico.
A banda 1 de PER parece ser resolúvel em bandas polimórficas no sistema 4. Quanto à detecção de introgressões, a reduzida especificidade deste marcador relega-o para um papel meramente acessório, que mesmo assim não deixa de ser relevante como foi exemplificado na análise de sobreiros preguentos. A ausência dessa banda em sementes reduz muito o interesse de PER, mas com recurso a alternativas ao método de revelação [Gabriel 1971, Heeb & Gabriel 1984, Gabriel & Gersten 1992] podem simplificar-se outras regiões dos zimogramas e até trazer novos motivos de interesse, por exemplo a análise de polimorfismos intra-específicos.
PGI tem dois problemas, o da reduzida sensibilidade (perto de 20% de falsos negativos em termos de azinheiras, e quase 40% nos híbridos e suas descendências) e o da falta de resolução das bandas para uma caracterização precisa dos polimorfismos. A utilização de camada de agarose para a revelação desta actividade permite resolver o segundo problema muito satisfatoriamente.
EST é de visualização delicada, sobretudo se o zimograma produzido não for intenso, requerendo treino para evitar erros de avaliação. A falta de conhecimento sobre a genética deste carácter coloca alguns problemas na interpretação dos polimorfismos. A inclusão de α-butirato na solução de revelação melhorou um pouco a qualidade dos zimogramas, e poderiam tentar-se outros substratos para aumentá-la ainda mais.
A complexidade do zimograma de GsR, à semelhança de DIA, sugere o recurso a outro sistema
de separação, neste caso até com a expectativa acrescida de melhorar-se a visibilidade (e a consistência)
caso as múltiplas bandas coalesçam entre si, como se espera do alelismo num só locus
.
PGM já foi objecto de várias tentativas de optimização que desembocaram na redução da cor de fundo (metade do tetrazólio) e pela limitação do tempo de electroforese (para impedir a inactivação dos enzimas). Sobretudo pelo interessante polimorfismo em azinheira, uma investigação de alternativas ao sistema de separação H pode revelar-se compensadora.
Embora a sensibilidade associada à banda 2b de PGD seja reduzida, ela não deixa de ser útil como marcador acessório (cf. tabela 4.17, amostra 38.8), mas ainda não foi possível confirmar a genética que está subjacente a esta variante em azinheira. A tentativa de demonstrar esta actividade noutros sistemas de separação prende-se mais com a exploração doutros polimorfismos, que no sistema H se apresentam com diferenças de migração demasiado subtis, e também melhorar a visualização em extractos de folhas (nas sementes é bastante mais intenso).
5) Sistemas de separação utilizados
Tal como foi levado à prática no presente estudo, cada amostra foi submetida a análises em 3 sistemas de separação (C, R e H) para 9 actividades enzimáticas (das quais 8 praticamente constantes, cf. tabela 5.2). A opção de analisar 5 actividades no mesmo gel comportava um maior risco de problemas técnicos em análises de rotina, e a exploração sistemática doutros sistemas de separação acabou por ser preterida em favor de completarem-se os rastreios necessários com as referidas 8 actividades. Mas, como se pode ver pelas tabelas 4.1, 4.2 e 4.3 e se recapitula na tabela 5.3, é de esperar que muitas outras se revelem de interesse.
Tabela 5.2 — Caracterização qualitativa das 8 actividades utilizadas nas análises de rotina no presente trabalho, ordenadas pelo sistema de separação (Separ.), em termos de especificidade, sensibilidade, consistência, facilidade de visualizar, e consistência na resolução de bandas discriminantes. Também se regista se há conhecimento sobre a genética dos marcadores, se há polimorfismos intraspecíficos, e juntam-se comentários sobre necessidades de optimização. Realçam-se ainda os aspectos menos favoráveis em cada um (caixas). A linha de PER refere-se apenas à banda 1. Onde houver dois valores separados por barra, o primeiro é para sobreiro e o segundo para azinheira.
Separ. |
Activ. |
Especific. |
Sensibil. |
Consist. |
Visibilidade |
Resolução |
Genética |
polim. |
Optimização |
C |
DIA |
+++ |
+++ |
+++ |
+++ |
+++ |
✔ |
– |
Outro sistema? Sementes |
MDH |
+++ |
+++ |
+++ |
++(/+ cat.) |
+ |
✗ (✔ cat.) |
– |
Outro sistema? |
|
PER (1) |
+ |
+++ |
+++ |
+++ |
++ |
✗ |
+ |
Sistema 4, sol. revelação? Sementes |
|
R |
PGI |
+++ |
+ |
+++ |
+++ |
+ |
✔ |
+ |
Agarose |
EST |
+++ |
++ |
++ |
+ |
+++ |
✗ |
+ |
Substratos |
|
H |
GsR |
+++ |
+++ |
+ |
+++ |
+ |
✔ |
? |
Sol. revelação, outro sistema? |
PGM |
+++ |
+++ |
++/+ |
++/+ |
+++ |
✔ |
–/+ |
MTT, electroforese, outro sistema? |
|
PGD |
+++ |
+ |
++ |
++ |
+++ |
✗ |
+ |
Outro sistema? |
Tabela 5.3 — Panorama das actividades enzimáticas que, em cada sistema de separação (Separ.), podem ser visualizadas. Consideram-se confirmadas aquelas que foram consistentes e apresentavam alguma forma de polimorfismo, intra-específico ou interespecífico; prováveis, aquelas que preliminarmente deram sinais de poderem ser utilizadas na discriminação entre as espécies, incluindo híbridos; transpostas, as que confirmadas num sistema de separação podem ser exploradas noutro sistema; outras, as que foram reveladas uma única vez, sem haver confirmação dos polimorfismos que tenham surgido (entre parêntesis, as que o foram várias vezes, sempre monomórficas entre e dentro de espécies). Um s minúsculo antes da sigla da actividade enzimática refere resultados só disponíveis em sementes.
Separ. |
Confirmadas |
Prováveis |
Transpostas |
Outras |
C |
DIA MDH PER |
EST |
|
ACP ADH TYR |
R |
PGI EST SOD |
sGDH |
PER GsR |
EST-F (G2D CAT LAP) |
H |
GsR PGM PGD SKD |
|
SOD PER sDIA sGDH sMDH |
|
9 |
|
ACP-F |
CAT |
ALD EST-F GPT PGK sAAT sEST |
4 |
|
IDH PER |
DIA MDH PGD GsR |
ADH |
M |
|
|
|
SKD |
Embora os três sistemas mais utilizados sejam os únicos onde se pode afirmar que existem bons
marcadores para a detecção e análise do hibridismo, e que também entre eles se podem experimentar
alternativas a esses marcadores, é evidente o potencial dos sistemas “9” e “4”, eventualmente do “M”
se também for explorado sistematicamente
.
Acrescentam-se ainda aquelas que (especialmente na tabela 4.4) não foram demonstradas, mas que podem vir a sê-lo quando a electroforese seja em sistemas que não foram testados até agora.
Reiterando afirmações anteriores (cf. parte II, secção D), a expansão de marcadores genéticos é mais do que um exercício de técnica: para além de optimizar as análises de rotina, é necessária uma cobertura tão exaustiva quanto possível dos genomas, numa perspectiva de complementaridade com marcadores de DNA, para a detecção de introgressões e análise das descendências dos híbridos.