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Resumo da dissertação de doutoramento de Paulo Guilherme Leandro de Oliveira
A análise isoenzimática na identificação de híbridos de sobreiro com azinheira
Universidade de Évora
2006
Face às dúvidas que persistem sobre a origem híbrida dos sobreiros de cortiça “preguenta”, a qual é argumento incontornável na discussão recorrente sobre os povoamentos mistos de sobreiro e azinheira em Portugal, e para obter estimativas credíveis da taxa de hibridação nestes povoamentos, o presente estudo visou o estabelecimento de critérios genéticos de discriminação entre as duas espécies e os híbridos.
Este estudo fez parte do projecto 8153 do programa PAMAF (Instituto Nacional de Investigação Agrária) aprovado em 1997, coordenado pela Profª Carola Meierrose, do Departamento de Biologia da Universidade de Évora, e onde participaram a Universidade de Évora, a Estação Florestal Nacional e a Direcção Regional de Agricultura do Alentejo. A opção recaiu sobre identificar loci enzimáticos, na hipótese que a variação interspecífica em alguns deles fosse diagnosticante das duas espécies e dos seus híbridos, em parte porque os isoenzimas são especialmente adequados a rastreios em larga escala, e também porque nessa altura a análise do DNA praticamente não era feita em sobreiro, nem sequer internacionalmente.
Para observar a ocorrência de novos híbridos, seleccionaram-se 3 povoamentos mistos onde em 1998 se realizou uma amostragem de frutos de ambas as espécies, e sua germinação e criação em viveiro. O mesmo se realizou em povoamentos de referência (“puros” de sobreiro ou azinheira) cuja localização geográfica excluiria a priori o contacto com a outra espécie. As jovens plantas obtidas constituíram a maior parte do material analisado, mas essa análise incluiu também os adultos dos povoamentos mistos, não só para eventualmente detectar hibridismo nessa geração, mas também para que, pela verificação dos genótipos das descendências, se pudesse confirmar o parentesco familiar, medida especialmente importante porque os frutos foram colhidos no chão. Deste modo, cada adulto dentro dos povoamentos mistos foi marcado e numerado. Finalmente, e para constituírem uma referência, deu-se início a uma inventariação de híbridos, donde também se recolheram descendências para análise.
Integração com estudos de floração
O mesmo projecto conjugou a análise isoenzimática com um registo da floração e frutificação dos adultos. Assume-se que a possibilidade de ocorrência de hibridismo é tanto maior quanto maior a sobreposição das épocas de floração das duas espécies em cada ano. As azinheiras precedem em algumas semanas os sobreiros, mas essa separação é um valor médio que pode variar de ano para ano, por exemplo com a temperatura, e tem pouco significado prático por causa da substancial variação intra-específica entre os momentos de floração individuais, tanto numa espécie como na outra. Assim, a marcação dos adultos em cada povoamento misto também permitiu registar a fenologia da floração de cada indivíduo, para o ano de 1998, na hipótese de se poder definir, em função da proximidade temporal da floração duma árvore em relação às da outra espécie, em que famílias seria a priori mais provável encontrar descendências híbridas.
Componente específica deste estudo
A presente dissertação refere-se principalmente à componente de análise isoenzimática deste projecto. Com uma implementação metodológica projectada para a capacidade futura de processar amostragens de grandes dimensões, identificaram-se marcadores genéticos para a distinção entre sobreiro e azinheira e seus híbridos, e a sua análise nas descendências, para além de ter visado a detecção de híbridos, também permitiu, com carácter preliminar, a caracterização da biologia de reprodução das duas espécies e dos híbridos.
Marcadores enzimáticos analisados
A maior parte das actividades enzimáticas testadas em extractos de folhas de sobreiro ou azinheira produziram algum sinal em pelo menos um sistema de separação, embora apenas uma minoria (11 em 35) fossem consideradas consistentes. Das actividades que não chegaram a ser consideradas consistentes, houve 9 que deram bons resultados numa única tentativa e podem vir a confirmar-se após repetição. Em extractos de sementes os resultados foram essencialmente os mesmos que nos de folhas, embora pelo menos 1 actividade se revelasse consistente apenas naquelas. Certas actividades foram detectadas em folhas doutras espécies de dicotiledóneas, ao contrário das do género Quercus, podendo nesses casos excluir-se que fosse o método de extracção em si a causar nestas a não-detecção.
Identificaram-se 8 actividades enzimáticas que, após análises de rotina em amostras de folhas e sementes dos povoamentos de referência, mistos e nos híbridos, se demonstraram capazes de contribuir para a discriminação entre sobreiros, azinheiras e seus híbridos: diaforase (DIA), desidrogenase do malato (MDH), redutase da glutationa (GsR), fosfoglucomutase (PGM), desidrogenase de 6-fosfogluconato (PGD), isomerase de 6-fosfoglucose (PGI) e esterases (EST).
Outras actividades parecem ter o mesmo potencial, mas carecem de confirmação em análises de rotina: esterases de ponto isoléctrico alcalino (EST) e fosfatases ácidas fluorogénicas (ACP-F), e só em sementes, desidrogenase do L-glutamato (GDH).
Conseguiram-se interpretações genéticas para os polimorfismos em DIA, GsR, PGM, PGI e (em parte) para MDH.
Aplicações da análise electroforética dos marcadores enzimáticos
Das análises de rotina, visando primariamente a validação dos marcadores discriminantes e a detecção de híbridos, foi possível:
A confirmação dos contaminantes interspecíficos e a detecção de parte dos intra-específicos; a caracterização parcial de 9 híbridos, sendo que um deles (SM2) pode já ser descendente de híbrido por retrocruzamento com sobreiro; pela ausência de híbridos nas descendências dos povoamentos mistos em 1998, o cálculo de majorantes da probabilidade de hibridação, para esses povoamentos e nesse ano, sendo a estimativa mais conservadora de P < 0,043%; a caracterização de adultos e plantas jovens com fenótipos atípicos, sendo que o número de casos de introgressão parece ser muito reduzido; a caracterização de 45 amostras de sobreiros de cortiça preguenta, tendo-se detectado em 2 marcadores (DIA e PER) sinais de possível introgressão de genes de azinheira nalgumas árvores; uma quantificação dos valores de especificidade e sensibilidade, dos marcadores utilizados nas análises de rotina, na distinção de híbridos e azinheiras em relação a sobreiro; a determinação da origem do pólen nas descendências dos híbridos SM1, SM2 e SES; a análise das frequências intra-específicas nos loci Pgm (azinheiras) e Pgi-B (sobreiros), com relevo para considerarem-se os três povoamentos mistos como fazendo parte duma mesma população, em cada uma das duas espécies, e para a determinação de vários estimadores populacionais; a análise familiar para os mesmos loci revelou diferenças entre as distribuições de frequências no pólen, gâmetas femininos e plantas, especialmente em Pgm, e permitiu determinar valores neutrais de Ne na ordem de 5 a 7 em ambas as espécies; estimar a percentagem de pólen não-aparentado em 81% para azinheira (Pgm) e 84% para sobreiro (Pgi-B).
A análise de sobreiros de proveniências dos 7 países onde a espécie ocorre naturalmente não revelou qualquer padrão isoenzimático que viesse pôr em causa a especificidade dos marcadores de hibridismo definidos com base nos povoamentos de referência (Santiago do Cacém, Azeiteiros e Testa) e mistos (Mitra, Feijoas do Ramos e Alfaiates).
A aplicação do mesmo protocolo de extracção a outras espécies da ordem Fagales mostrou a variação mais ou menos acentuada dos padrões isoenzimáticos entre níveis taxonómicos (variavelmente segundo as actividades em causa), e confirmou o potencial de aplicação destes marcadores à discriminação entre outros táxones.
O presente trabalho documenta os seguintes progressos na investigação inicialmente proposta:
1. Descoberta e validação de marcadores isoenzimáticos para a distinção entre sobreiro e híbridos ou descendentes destes;
2. Confirmação do estatuto híbrido de árvores conhecidas como carvalhos cerqueiros através de marcadores genéticos;
3. Estimativa duma taxa de hibridação muito baixa (inferior a 0,1%), nas parcelas mistas estudadas;
4. Detecção em sobreiros como em azinheiras de marcadores de introgressão da outra espécie;
5. Análise preliminar de sobreiros de cortiça preguenta;
6. Análise preliminar das descendências de híbridos, incluindo a demonstração de que intervêm grãos de pólen de qualquer uma das espécies parentais, assim como uma taxa relativamente elevada de aparentes autopolinizações;
7. Análise preliminar das frequências alélicas em dois loci marcadores, um de cada espécie, e dedução dum valor neutral de Ne relativamente baixo (entre 5 e 7);
8. Demonstração da mesma metodologia noutras espécies do género Quercus e táxones aparentados.
Demonstração genética do hibridismo dos cerqueiros
O estatuto híbrido dos cerqueiros foi verificado com base em marcadores genéticos (isoenzimáticos), deste modo contribuindo para estabelecer estes marcadores como meios eficazes de detecção do hibridismo entre sobreiro e azinheira. O facto desta abordagem poder fazer-se em material foliar retira limitações quanto à idade das plantas ou à época do ano.
Fertilidade dos cerqueiros e a produção de recombinantes
A dedução da hereditariedade para os isoenzimas discriminantes, embora com algumas limitações, permitiu identificar a origem do pólen interveniente na produção das descendências de 3 híbridos, assim se verificando que são férteis com pólen de sobreiro, de azinheira, e self, este numa proporção aparentemente muito elevada para o que se deve esperar nestes Quercus.
Apesar da ineficiência, inerente a serem ainda poucos marcadores genéticos, para verificar a suposição que os sobreiros de cortiça preguenta são introgredidos com genes de azinheira, a demonstração da fertilidade dos híbridos com pólen de sobreiro, como necessário ponto de partida para essa introgressão, a par dos resultados obtidos com uma limitada amostragem realizada nesses sobreiros, favorecem-na.
A ausência de híbridos nas descendências de sobreiros e azinheiras em parcelas mistas apenas permitiu calcular um majorante da incidência de híbridos de valor muito baixo. A biologia da reprodução das duas espécies, evidenciada pelo estudo intra-específico de marcadores polimórficos, leva a postular que, à proximidade topográfica entre indivíduos das duas espécies, a priori um factor relevante para o hibridismo, deve associar-se a proximidade fenológica das respectivas florações e a sua compatibilidade na reprodução. Por isso a incidência de hibridismo será em geral muito baixa, devendo esperar-se que se focalize onde durante vários anos se conjugam esses factores. A frequência com que se diz ocorrerem “negrais” no Alentejo não é compatível com as estimativas feitas, pelo que deve supor-se que esta designação não se identifica com os verdadeiros híbridos.
O presente estudo permite encarar várias linhas de investigação onde os marcadores enzimáticos utilizados em larga escala no presente estudo, assim como outros que entretanto se demonstrem igualmente úteis, podem desempenhar um papel relevante. São especialmente interdependentes a verificação da incidência de hibridismo em povoamentos mistos, com base numa amostragem de vários anos e abrangendo várias proveniências, o estudo da biologia da reprodução dos híbridos, e o do desenvolvimento do ritidoma dos seus descendentes. Os marcadores isoenzimáticos também podem ser de grande utilidade na investigação de possível introgressão nos sobreiros de cortiça preguenta e dos “negrais”.
Universidade de Évora, em Novembro de 2006