Foi assim que começou o meu interesse pelas ectomicorrizas. Muita coisa mudou entretanto, mas esse interesse não só se manteve como continuou a aumentar. O que em 1994 era um trabalho exploratório feito na desportiva, completamente pelo gozo de fazer investigação até ver no que dava, está agora a tornar-se um caso mais sério, e ao meu gosto porque é um desafio intelectual (os fungos ectomicorrízicos têm uma enorme importância na ecologia das espécies florestais assim como na exploração económica das mesmas, mas são uns enfants terribles pois não há maneira de eles fazerem o que os cientistas de desvairadas origens e predilecções gostariam), também porque há muita coisa para fazer (nomeadamente na componente taxonómica / ecológica, isto enquanto a biotecnológica vai avançando devagarinho -- interpretem isto como quiserem) e sobretudo porque me dá ensejo de conjugar actividades tão aparentemente díspares como recolher amostras de raízes, apanhar cogumelos, isolar fungos em cultura pura, fazer análises por microscopia e testes microbiológicos, construir bancos genómicos e analisá-los, desenvolver testes de inoculação em viveiro com pinheiro ou sobreiro (eucalipto também, é verdade...), caracterizar a biodiversidade micológica nos ecossistemas com métodos moleculares, estudar a expressão dos genes que intervêm no processo de simbiose fungo-raiz... é tanta coisa, que se eu chegar aos 80 anos com muito disto feito e sobretudo tendo atraído uma série de companheiros de estrada no estudo destes fungos mal-comportados, bem posso dizer que vivi!...
Neste momento [inícios de 1999] creio estar em condições de afirmar que deixei de andar sozinho neste trabalho, daí que já não seja nem nada que se pareça na desportiva que ando a fazê-lo. Para além de abençoadas cumplicidades dentro do Departamento, a colaboração com especialistas da Faculdade de Ciências de Lisboa vai desenvolver-se ainda mais dentro em breve. Trabalhar com micorrizas é viver num mundo muito peculiar, mesmo a nível internacional os micorrizologistas são quase uma seita, e eu (não renego a preversão) gosto desse mundo. Quem se sentir atraído pelas ectomicorrizas tem um vasto cardápio para escolher o tipo de trabalho que mais lhe convém. Todas as opções, ou quase, têm comigo a mesma prioridade.
Agora vem a parte difícil: aprende-se a sofrer porque se "sofre" para aprender; sem isso as aspas iam para o aprender. O trabalho científico é exigente para com quem o faz, mas os frutos que dele se colhem têm um sabor muito especial, precisamente porque o "maldito" do Método Científico nos obriga a grande humildade para poder chegar até eles (curiosamente, o Descartes e a raposa do La Fontaine são quase contemporâneos). Portanto é fundamental que quem faça Biologia seja devoto daquilo que está a fazer; por outras palavras, do meu ponto de vista é absolutamente essencial que quem colabora comigo se sinta motivado, que sinta o gozo de viver cada dia na expectativa de mais um passo de aprendizagem, que com isso esteja sempre disponível para procurar por si mesmo a "tal" solução para algo dentro da miríade de problemas que se colocam na investigação.
Por outras palavras, que se recuse a ser "normal".
Preparar uma marca dos esporos |
A colheita de cogumelos e túberas é uma actividade a que muitos alentejanos (e não só) se dedicam. Para muitos essa é uma prática secular de complemento da dieta, como é ir aos cardos, às beldroegas, aos agriões, aos espargos, aos catacuzes, ao poejo… No caso dos cogumelos, quem vai colher tem em geral conhecimento suficiente para evitar confusões desastrosas, ou evitar espécimes que possam estar em mau estado. Enquanto no caso das túberas não há em princípio grandes riscos, já as silarcas, ainda por cima porque se colhem ainda jovens (como um "ovinho"), podem ser confundidas com espécies mortais; também certas espécies parecidas com os tortulhos, mas mais pequenas, são muito perigosas; isto só para dar uns exemplos. Mas o facto de saber-se destes perigos faz com que em Portugal a procura, em comparação com a de outros países, e a variedade de espécies em que se confia, sejam muito limitadas.
A procura por franceses e italianos é tão forte que muitos por cá vêem na colhieta de cogumelos uma fonte de rendimento suplementar nada desprezável. São toneladas de cogumelos silvestres que saem todos os anos do país, tornando esta numa das poucas exportações de produtos da terra com algum significado económico, e talvez a única com essa dimensão em que a balança pende a nosso favor. Essa procura no nosso país é uma válvula de escape face às regulamentações que vigoram lá fora, motivadas pela grande procura… que em Portugal não temos. Também a poluição desses países, pela tendência dos cogumelos acumularem metais que os tornam impróprios para consumo, contribui para essa demanda. Mas é uma actividade polémica, porque funciona (para todos os efeitos) clandestinamente, sem regulamentação e por isso sem fiscalização. A actual preparação de regulamentações nesta área (logo se verá a sua efectividade) visa enquadrar este tráfico motivado pela procura (externa!). No presente estado de coisas é muito compensador virem cá procurar excendentes: em parte por desconhecimento, os apanhadores de cogumelos para exportação fornecem-nos muito barato; mas também o fazem porque tudo se passa demasiado facilmente: os proprietários não têm meios de protecção dos seus interesses neste campo - nem tão-pouco acedem aos canais de tráfico que operam em Portugal - e não têm outro remédio senão tolerar a apanha.
A utilidade dos cogumelos vai além da gastronomia. Algumas espécies servem para diversos tipos de curativo, amplamente contemplados pelas medicinas tradicionais, e outras para experiências mais ou menos psicadélicas que alguns consideram terem feito parte dos cultos xamânicos mais antigos da Humanidade - e ainda de uso corrente em certas culturas. Mas o destaque vai aqui para o muito que se pode aprender (e pouco se sabe) àcerca do ambiente pela sua presença. As diferentes espécies, com as suas preferências em termos de habitat, dizem-nos algo sobre esses mesmos habitats. Se bem que isso seja conhecido na teoria, até pelos paralelos com diversas plantas, na prática ainda falta saber essas preferências na maior parte das espécies, e os pouco numerosos entusiastas da ecologia que viram a sua atenção para os fungos vêem que quase tudo está por fazer e vão ser precisas mais pessoas e alguns anos de paciência para sabermos aprender um pouco do que há a aprender nesta área.
Como exemplo, gostaria de destacar os fungos mutualistas das árvores florestais. Predominantes nas florestas (de carvalhos, castanheiros, pinheiros, etc.), estão praticamente ausentes onde as árvores florestais não existam ou se encontrem isoladas, porque boa parte deles são incapazes de decompor matéria orgânica. Valem-se do intercâmbio com as árvores, ao nível das raízes, para obterem os açúcares da seiva elaborada, e em troca as árvores conseguem aproveitar os nutrientes do solo e defender-se de parasitas muito melhor. Daí o benefício mútuo, que nas florestas mais estáveis envolve muitas espécies destes fungos, muitas dezenas ou até centenas para cada árvore, e que dão pelos nomes genéricos de Amanita (as silarcas e laranjas mas também o chapéu da morte, o visgo de mosca, etc.), Boletus (os cepes ou boletos), Russula, Cortinarius, Hebeloma, Tuber (as túberas ou trufas), Tricholoma, Scleroderma, Inocybe, Pisolithus (as bufas-de-lobo), Paxillus, Lactarius, Laccaria, e muitos mais. Estes fungos penetram em cada torrãozinho do solo para poderem extrair nutrientes, e a sua conexão com as raízes é tão íntima que pode considerar-se que as plantas se prolongam até onde estes fungos alcançam.
Não há árvore florestal que possa crescer vigorosamente sem estes seus parceiros. Os solos florestais, sobretudo os primeiros 5 a 10 cm abaixo do chão, são atravessados por uma rede muito densa de filamentos destes fungos. Primeira consequência: a sua presença no solo condiciona totalmente a instalação doutros fungos, sejam eles mutualistas, parasitas ou outros, por isso cada comunidade de organismos do solo pode considerar-se um todo integrado que segue as leis ditadas pelo tipo de árvore que lá se encontra; segunda consequência: quando se lavra o solo florestal está-se a destruir a delicada estrutura construída pelos fungos mutualistas, aumentando a fragilidade do sistema enquanto eles não se restabelecem (não admira que os apanhadores prefiram aquilo que se chamam "terras velhas" para as colheitas).
Substituir as áreas florestais ainda é pior, mesmo quando se trata de pôr lá eucaliptos - apesar de serem florestais e terem na Austrália e arredores (onde têm origem) uma grande variedade de cogumelos mutualistas, em Portugal mostram poucas, e a explicação para esta pobreza é talvez a de serem árvores exóticas: os fungos de cá não as reconhecem ou vice-versa (e os tratamentos feitos ao solo no eucaliptais não ajudam nada). As espécies agrícolas não querem nada com eles. Quando a campanha do trigo no século passado implicou converter grandes áreas de charneca e de montado para a agricultura, sem se dar por isso estavam a varrer-se do mapa iguais áreas onde viviam estes cogumelos. É certo que na altura ainda não se tinha a noção disso, mas o conhecimento evoluiu e não deve ser ignorado. Trata-se de organismos muito vulneráveis. Na natureza apostaram em acompanhar as árvores florestais (muitas vezes sem importar quais) e serem para elas os parceiros imprescindíveis. E, junto com outros fungos, são uma das marcas mais sensíveis da sustentabilidade na silvicultura. Pode ser que a actual tendência para aumento da área florestal (desde que seja autóctone) permita uma recuperação destes fungos, assim como muitos outros. Seria bom que todos soubessem reconhecer a igual nível o valor ecológico, gastronómico, turístico até, dos cogumelos.
Na Universidade de Évora andamos a dar os primeiros passos para os conhecer no campo, e fundou-se no ano passado um Núcleo de Micologia, constituído principalmente por estudantes. Quem estiver curioso ou mesmo interessado é bem vindo.
Leia também: «Cogumelos silvestres», Clássica editora, 1996. A autora, Natalina Azevedo, é uma pioneira do estudo e da divulgação destes temas (inclui receitas!). «O pão dos deuses», Via Óptima, 1998, livro de Terence McKenna sobre psicadelismo que se refere muito aos cogumelos, escrito em 1992. |
Practically all surveys of ectomycorrhizal fungi with DNA-based identification have used PCR amplification with primers specific for different segments of the rDNA clusters. Each unit of rDNA consists of a series of regions with different degrees of genetic variability, hence a suitable primer pair can be found that will allow the discrimination of organisms at any desired taxonomic level: intergenic spacers (IGS), as an example of high degree of variation, are usable for intraspecific discrimination, while more conserved regions such as the internal transcribed spacer (ITS) and segments within the 28S (or mitochondrial 25S) and 18S genes can be useful for interspecific or higher levels of discrimination (1). The advances in high-throughput DNA sequencing might replace lower resolution techniques such as RFLP analysis of the PCR products (PCR-RFLP) but are less accessible. As enhancements for PCR-RFLP, and depending on the taxonomic groups of interest, specially designed primers and sets of retriction enzymes can be selected for routine identification procedures (5,6).
The value of rDNA sequence databases from ectomycorrhizal fungi for ecological work in forest ecosystems cannot be overestimated, as many works already have shown. However, a lack of integration with other powerful approaches to identify ectomycorrhizal fungi, namely microanatomy (7) still pervails, though in theory there can be a sinergy that the current project aims to explore.
1. White, T. J., Bruns, T., Lee, S., Taylor, J., 1990 - Amplification and direct sequencing of fungal ribosomal RNA genes for phylogenetics. In: PCR Protocols. Ed. M. A. Innis, D. H. Gelfand, J. J. Sninsky, T. J. White. Academic Press, San diego, pp. 315-322.Enquanto estava a participar na terceira edição da Conferência Internacional sobre Micorrizas (ICOM3), que teve lugar em Adelaide, Austrália, entre 9 e 12 de Julho passado, notei que havia algumas comunicações que talvez fossem de algum interesse para os viveiristas portugueses, sobretudo no que diz respeito à famigerada aplicação de fungos micorrízicos na produção de espécies florestais.
A mais interessante de todas as comunicações nesta área reporta-se a um trabalho realizado no Canadá com o abeto negro (Picea mariana) na segunda metade da década de 90, cultivado em viveiro com turfa e vermiculite a 10:1. Neste trabalho compararam-se diferentes regimes de fertilização com azoto e a contribuição de fungos ectomicorrízicos para o crescimento em viveiro, especialmente nas fases iniciais do desenvolvimento ("prehardening") e na simulação do transplante para o local definitivo. Tendo como referência o regime convencional utilizado com estas plantas (fertilização semanal constante, com 20:10:20 N-P2O5-K2O a 12,5 mg N por plântula, durante 18 semanas, portanto 0,69 mg N em cada aplicação - código 1C), testaram-se regimes exponenciais com 12,5, 25 ou 50 mg N por plântula (código 1E, 2E ou 4E). Um regime exponencial consiste em tentar acompanhar os requisitos nutricionais das plantas à medida que a sua biomassa vai aumentando (exponencialmente), começando em valores muito mais baixos que no regime convencional. Por exemplo, para o regime 1E, e considerando como ponto de partida os 0,2 mg de N disponíveis nas reservas da semente, as aplicações de fertilizante vão da 1ª à 18ª semana de 0,05 para 2,62 mg N por plântula, enquanto para o regime 4E vão de 0,07 para 13,27 mg (sempre em volumes constantes de 5 mililitro).
Estes regimes foram testados com a inoculação de um fungo ectomicorrízico, Hebeloma crustuliniforme ou Laccaria laccata, e comparados com controlos não-inoculados. Os resultados são, pelo lado positivo, uma maior percentagem de ectomicorrizas nas plântulas inoculadas (80% em 1E para cerca de 20% em 1C), uma elevação do peso seco sobretudo da parte aérea de 1E para 4E (atingindo em média cerca de 680 mg por planta no fim do tratamento, isto é, 20 semanas após a germinação), aumento das razões S/R (de 3,4 em regime 1C para 4,8-5,7 nos regimes 1E-4E), e ainda aumento das concentrações de N, P e K dos regimes E em relação ao 1C, neste caso com efeito acrescentado das inoculações (o único que se nota nesta fase pela introdução de fungos, mas adiante há mais). Pelo lado negativo, uma redução da biomassa total de 1E em relação a 1C, e uma quebra da percentagem de micorrizas dos 80% em 1E para 50% em 4E (apenas nas últimas semanas, indiciando toxicidade para o fungo). A condutividade eléctrica do substrato ao fim do período de fertilização reflectia a quantidade de fertilizante adicionado na fase terminal, atingindo os 1600-1800 mS/cm no regime 4E enquanto no regime 1C se ficava pelos 700.
Depois do inverno, e para simularem as condições de aclimatação em local definitivo, foram realizados bioensaios em viveiro com a transplantação para blocos de solo intactos retirados de locais com diferentes tipos de povoamento, avaliando-se ao fim de mais 20 semanas apenas com rega sem fertilizantes. É aqui que a micorrização prévia se demonstrou de maior importância, traduzindo-se num maior aumento dos valores normalizados de biomassa, conteúdo e concentração de nutrientes (N e P, mais do que K, talvez por este ser menos limitante nas condições utilizadas). Embora os regimes 2E e 4E já tivessem esse efeito por si só, foi na sua conjugação com as inoculações que os resultados máximos foram obtidos: com as plantas micorrizadas e sujeitas ao regime 4E houve 78 a 91% maior aumento do peso seco, e 125% ou mais do conteúdo em N e P, em relação aos controlos 1C sem micorrização. Este efeito da micorrização correlacionava-se com o maior conteúdo em nutrientes das plantas no fim do período de fertilização. A percentagem de micorrizas nos sistemas radiculares mantinha-se ao fim desta segunda estação pelo menos 2 vezes maior que nas plantas 1C inoculadas, não indo abaixo dos 33% no regime 4E e atingindo 62% no regime 1E.
Estes resultados, além dos aspectos puramente conceptuais sobre os factores que influenciam a simbiose ectomicorrízica, trazem para o campo das aplicações alguns motivos de reflexão sobre novas maneiras de a explorar nesta e noutras espécies, em função: do aproveitamento pelas plantas de elevados regimes de fertilização em viveiro, e sem sinais de toxicidade; da melhoria das taxas de micorrização, e persistência do fungo inoculado após transplante; do aumento das reservas de nutrientes nas plantas inoculadas e consequente melhoria do crescimento em condições semelhantes às do local definitivo.
Quanto aos híbridos de 1ª geração (F1), na maior parte dos caracteres morfológicos referidos assemelham-se aos sobreiros, exceptuando-se apenas o aspecto da casca que pode de alguma maneira classificar-se de intermédio entre as duas espécies que lhes deram origem (o estudo histológico de Natividade confirmou esta interpretação já em 1936). Na fase de viveiro e, presume-se, nos primeiros anos após transplante, a casca dos sobreiros ainda não amadureceu o suficiente para distingui-los dos F1 em igual fase de desenvolvimento, pelo que só tardiamente eles podem ser despistados. Já a fenologia da floração e, segundo parece, a idade de frutificação, parecem aproximá-los mais das azinheiras. No projecto PAMAF 8153 ilustrou-se a utilização da análise de isoenzimas com 8 sistemas discriminantes a diferentes graus, e identificaram-se preliminarmente mais 3 ou 4 que podem vir a ser úteis. Para a discriminação de híbridos de sobreiro e azinheira, especialmente em materiais de viveiro, trata-se de um progresso significativo. Se bem que teoricamente baste 1 enzima discriminante para detectar os híbridos de 1ª geração (F1), o facto destes serem férteis pode conduzir a gerações recombinantes, que por retrocruzamentos sucessivos com azinheira e/ou sobreiro, segundo a origem do pólen a que cada híbrido fica exposto, pode resultar em plantas quase puras mas com introgressão da outra espécie. Nessa situação, a detecção de hibridismo poderia até revelar-se altamente ineficaz com apenas 8 a 12 sistemas enzimáticos. No entanto, este número de sistemas enzimáticos discriminantes pode não ser demasiado modesto nas presentes condições. Segundo certos autores [Nogueira, 1978], a presente área de sobreposição entre sobreiro e azinheira resulta em grande parte da expansão da área de sobreiro efectuada a partir de meados do século XIX, o que, se aceitarmos 30 anos como o tempo de geração médio dos descendentes dos híbridos em processo de retrocruzamento com o sobreiro, reduz a ocorrência dos mais antigos cerqueiros a cerca de 5 gerações atrás. Nesta situação as introgressões podem ainda ser eficazmente detectadas, e os casos de plantas que neste projecto apresentaram um enzima híbrido poderão considerar-se exemplos disso mesmo.