Apêndice II: estudos diversos

A — Filogenia dos Quercus, simplificada

Baseada na figura 4 de Manos et al. [2001], com remoção das hierarquias não-significativas e restrita ao género Quercus, a figura 6.1 representa o parentesco provável, baseado em sequências do DNA, entre diversas espécies mencionadas no presente trabalho.

ole.gif Figura 6.1 — Topologia filogenética do género Quercus (dendrograma de consenso estrito) [Manos et al. 2001]. O grupo de referência (outgroup) mais próximo é o que inclui Castanea (figura 2.2). A extensão de cada segmento não representa quantitativamente a distância entre os táxones. As letras designam alguns clades: H — subgénero Cyclobalanopsis (os restantes clades, J–K–L–M, constituem o subgénero Quercus, parafilético neste esquema); J — secção Lobatæ; K — secção Quercus s.s.; L — secção Protobalanus (espécies não resolvidas); M — secção Cerris; N — subsecção Brachylipedes (que inclui Q. pseudosemicarpifolia, Q. senescens, Q. rhoderiana, Q. guajavifolia, Q. longispica, Q. angleriana, Q. spinosa, Q. monimotricha e Q. pannosa); O — subsecção Cerris. Não se incluem os autores adoptados para cada táxone, que podem ser consultados no apêndice do original.

 


B — Proporção de substituições de aminoácidos com mudança de carga eléctrica

Os aminoácidos com carga eléctrica são R, K e H (carga positiva), e D e E (carga negativa). Qualquer substituição envolvendo perda, ganho ou inversão de carga eléctrica terá de envolver um destes, e são principalmente essas substituições as que são detectáveis nas electroforeses em amido. Há 162 substituições desse tipo (43% num total de 380), sendo em número de 12 as que produzem uma inversão de carga e têm por isso o dobro do efeito na migração através do gel.

As matrizes BLOSUM permitem estimar a probabilidade qij/eij de substituição dum aminoácido i por um aminoácido j, cada matriz respeitando a uma determinada percentagem de homologia entre proteínas (isto é, diferentes graus de divergência filogenética). Como cada elemento sij da matriz é 2log2(qij/eij), obtêm-se os valores das probabilidades pela operação inversa, ou seja,

ole1.gif

Para calcular a proporção de substituições com alteração da carga, obtiveram-se as médias harmónicas dos quocientes qij/eij para o conjunto de todas as substituições e para as que envolvem alteração de carga, multiplicadas pelas respectivas frequências (tabela 6.1)

Tabela 6.1 — Estimativa da proporção de substituições que envolvem mudança de carga. Note-se que o facto duma substituição implicar mudança de carga torna-a apenas um pouco menos provável (B) do que para as substituições em geral (A). A matriz BLOSUM 62 refere-se a blocos de sequências de aminoácidos homólogos a pelo menos 62%, a BLOSUM 90 idem a 90%, e a BLOSUM 100 a sequências idênticas.

 

BLOSUM 62

BLOSUM 90

BLOSUM 100

qij/eij global = A

0,5401

0,3744

0,1593

qij/eij mudança de carga = B

0,5158

0,3457

0,1405

162B/380A

40,7%

39,4%

37,6%

 

Os cálculos resumidos na tabela 6.1 sugerem que a probabilidade se encontra próximo dos 40%, ligeiramente menos se se tratar de tempos de divergência muito recentes.

Fonte utilizada para as matrizes:

ftp://ftp.ncbi.nlm.nih.gov/blast/matrices/

Referência adicional:

http://helix.biology.mcmaster.ca/721/distance/node10.html


C — Coeficiente de fixação esperado (Fesp, tabela 4.32)

Considerando um locus de n alelos, definem-se 3 distribuições de frequência para os gâmetas femininos (x'1, x'2, ..., x'n), masculinos (X1, X2, ..., Xn) e diplóides deles resultantes (x1, x2, ..., xn).

Em panmixia, xi = ½ (x'i + Xi), de modo que pode definir-se Δxi = Xi – xi = – (x'i – xi).

A proporção de homozigóticos resultantes da conjugação é 1 – He = Σi x'iXi = Σi (xi – Δxi)(xi + Δxi) = Σi (xi)2 – Σi (Δxi)2. Notando que existe um desvio Σi (Δxi)2 de sinal negativo em relação à expectativa de Hardy-Weinberg, o coeficiente de fixação a esperar Fesp é negativo, podendo calcular-se resolvendo a seguinte equação:

Σi (xi)2 – Σi (Δxi)2 = Σi (xi)2 + [Σi xi(1 – xi)]Fesp,

donde

ole2.gif

D — Simulação das linhagens derivadas dos híbridos

Considere-se um híbrido entre sobreiro e azinheira, F1, cuja fertilidade com pólen de sobreiro, azinheira e de F1 (incluindo ser autopolinizado) se traduz numa distribuição na descendência (F2) de pS1 retrocruzados com sobreiro (linhagem XS), pA1 retrocruzados com azinheira (linhagem XA), e pX1 com F1 (incluindo selfing, linhagem XX), pS1 + pA1 + pX1 = 1.

Os indivíduos XS contêm em média 75% de genoma nuclear de sobreiro e 25% do de azinheira. Assumindo que estas percentagens são iguais, respectivamente, a pS2 e pA2 (isto é, às probabilidades de produzirem descendência retrocruzando com sobreiro ou azinheira), e que pX2 ≈ 0 (assumindo que a fertilidade com pólen de F1 é desprezável quando o conteúdo médio em genoma de sobreiro ou azinheira é diferente de 50%), então resultam na F3 desta linhagem 75% de indivíduos XSS e 25% XSA, com 87,5% e 37,5% de genoma nuclear de sobreiro, respectivamente. Usando raciocínio análogo deduzem-se, na F3 descendente dos XA, 75% XAA com 37,5% em média de genoma nuclear de sobreiro e 25% com 87,5%. No caso dos XX, assume-se pS2 = pS1, pA2 = pA1 e pX2 = pX1.

Se se considerar que todas as linhagens são igualmente férteis, produz-se na geração Fn um número 2n–2 de combinações diferentes nas linhagens dos XS, idem nas dos XA, e 2n–1–1 nas linhagens dos XX. Por exemplo na F4, e considerando pS1 = pA1 = ½(1 – pX1), pX1 = 10% (cf. tabela 4.18) a distribuição de linhagens é a seguinte:

linhagem

XSSS

XSSA

XSAS

XSAA

XASS

XASA

XAAS

XAAA

XXSS

XXSA

XXAS

XXAA

XXXS

XXXA

XXXX

% genoma Sb

93,8

43,8

68,8

18,8

81,3

31,3

56,3

6,3

87,5

37,5

62,5

12,5

75,0

25,0

50,0

 frequência (%)

29,5

4,2

4,2

7,0

7,0

4,2

4,2

29,5

3,4

1,1

1,1

3,4

0,5

0,5

0,1

 

Nota-se que as linhagens mais frequentes são também as que contêm os valores mais extremos de percentagem de genoma de sobreiro. A distribuição na F5 é ilustrada na figura 6.2.

ole3.gifFigura 6.2 — Resultados da simulação na F5, conforme o modelo que é exposto no texto.

 

É natural que, pela variação do conteúdo em genoma nuclear de sobreiro dentro de cada linhagem, uma proporção das classes extremas inclua azinheiras e sobreiros “puros”, mas a questão que mais deve interessar no contexto do presente estudo é: quantas gerações são necessárias para aparecerem “azinheiras” e “sobreiros” a partir duma F1? Na figura 6.3 responde-se para diferentes valores arbitrários de percentagem de genoma nuclear de sobreiro.

ole4.gifFigura 6.3 — Frequência de indivíduos com uma percentagem de genoma de sobreiro superior a um determinado critério arbitrário de definição do que é aparentemente “sobreiro”. Note-se que, pela simetria das distribuições (cf. figura 6.2), o resultado é idêntico para a frequência de “azinheiras”.

 

 


E — Estudos sobre o pólen dos híbridos

1) Fenologia da floração

Durante a época de floração de 2003, foi feito o acompanhamento da floração das seguintes árvores:

Sobreiros (de floração precoce): M01, M09, M14, M27, M32, M35, M40, M50, M61

Azinheiras (de floração tardia): M55, M60, M64; (precoce): M04, M15, M41, M51, M58

Híbridos: ALC, CAB, MRM, SES, SM1, SM2, SM4, TES, VR

TES refere-se à Herdade de Testos, São Pedro da Gafanhoeira (Arraiolos), uma árvore jovem de casca fina, localizada à latitude 38º44.1'N e longitude 8º04.0'W (Apêndice I, secção A2). Não existe confirmação por marcadores isoenzimáticos se se trata de facto dum híbrido, mas os caracteres morfológicos são totalmente concordantes (cf. “Revisão bibliográfica” parte III, secção C).

Na tabela 6.2 apresentam-se as observações realizadas, e na figura 6.4 um resumo das datas médias de passagem por cada fase em cada grupo, excepto para o caso duma azinheira excepcionalmente tardia, M64. Os híbridos situam-se quase equidistantemente entre as azinheiras tardias (II) e os sobreiros precoces, mas individualmente há também uma grande dispersão, nomeadamente com a precocidade de SES. É de supor que a floração masculina de TES e VR a atingir a fase F2 tenha sido nula ou quase.

Tabela 6.2 — Fases fenológicas (floração masculina) observadas em azinheiras, híbridos e sobreiros, durante a época de floração da Primavera de 2003 (4 de Abril a 16 de Maio). A subdivisão das azinheiras entre precoces e tardias foi feita a priori, com base em observações precedentes do projecto PAMAF 8153 em 1998 e 2000 [M. C. Varela, comunicação pessoal].

 

Árvore

04-Abr

11-Abr

16-Abr

24-Abr

30-Abr

08-Mai

16-Mai

Azinheiras precoces

 

M4

F

F/F2/G

G

M15

G?

G

G

M41

F/F2

F/F2/G

G

M51

F2

F/F2

F2

M58

F(F2)

(F)F2/G

G

Az. tardias

 

M55

D

E

F/F2

G+

M60

E

F

F2/G

G+

M64

nada

nada

C/D

F/F2

H?

Híbridos

 

SES

D/E

F

F/F2

(F2)G

SM1

nada

(D/E)

C/D(E/F)

D/E(F)

(F/F2)

SM2

C

D

D/E

E/F

(F/F2)G

SM4

nada

F2/G

MRM

nada

D

E/F

G

VR

nada

(D/E)

F

(F)

CAB

C/D

F

F(F2)

F2

ALC

nada

 

D

F

G

 

 

TES

C

 

E

F

(F)

 

 

Sobreiros

 

M1

nada

 

 

E

 

F2

G

M9

nada

 

 

E/F(F2)

 

F/F2

G

M14

nada

 

 

E(F)

 

(F2)G

G

M27

nada

 

 

D

 

F2/G

G

M32

nada

 

 

E/F(F2)

 

G

 

M35

nada

 

 

D

 

G

 

 

M40

nada

 

 

E

 

G

 

 

M50

nada

 

 

D

 

F(F2)

(F2)G

 

M61

nada

 

 

E

 

F(F2)

F2

 


ole5.gifFigura 6.4 — Fenologia da floração, representada pelas datas médias de cada fase, calculadas entre os diferentes indivíduos de cada grupo considerado na tabela 6.2, excluída a M64 (azinheira II).

2) Dimensões do grãos de pólen de híbridos

Uma parte da amostragem mencionada na secção anterior serviu para recolher amostras de pólen com vista à determinação das dimensões dos grãos de pólen dos híbridos. Para tal, recolheram-se ramos amentíferos em fase Fm2 (ou transitando de Fm para Fm2), cuja haste era mergulhada dentro de recipientes com água, protegidos da agitação do ar, e após alguns dias o pólen sacudido sobre papel branco e recolhido dentro de tubos de 1,5 mL, mantidos a –20 ºC até posteriores manipulações [M. C. Varela, comunicação pessoal].

As preparações de grãos de pólen para microscopia seguiram um procedimento que é considerado em taxonomia particularmente adequado para medições rigorosas [Rodford et al. 1974].

Materiais utilizados

Glicerina gelatinada: embebição de 4 g de gelatina em pó com água fria dentro duma placa de Petri, primeiro espalhando o pó progressivamente sobre a água e depois mantendo durante a noite a 4 ºC; transferência da papa compacta resultante para um gobelet para derreter em banho-maria a 60 ºC, adicionando-se depois 6 mL de glicerol a 87% e 110 mg de fenol (cristais), misturando-se, e filtrando-se através de gaze para um frasco escuro. A solução é guardada à temperatura ambiente, gelificada e protegida da luz, derretendo-se em banho-maria cada vez que fosse necessário. Verde de metilo e floxina B: soluções saturadas em etanol a 50%, mantidas em tubo de 1,5 mL à temperatura ambiente e protegidos da luz. Meio de montagem: 1 mL de glicerina gelatinada (derretida) com 50 µL de verde de metilo e 40 µL de floxina B.

Montagem das preparações

i)   Colocar uma pequena quantidade de pólen (não muito pequena!) no centro da lâmina;

ii)  Juntar 1 gota de álcool a 70% e deixar evaporar parcialmente (repetir com mais gotas se necessário)

iii) Limpar anel de óleos eluídos em algodão embebido em álcool

iv) Adicionar 1 gota (30 a 40 µL) de meio de montagem e mexer dentro dela o pólen (manter a lâmina quente!)

v)  Cobrir com a lamela e aquecer brevemente

As preparações estão boas para observar só ao fim de 3 dias, com a exina corada de verde esmeralda e o restante material de carmim (figura 6.5).

Observação e medições

Os grãos de pólen dos Quercus são, na perspectiva polar, angulaperturados ou goniotremas, com um perfil equatorial triangular. Noutras perspectivas, o perfil é circular ou elíptico (figura 6.5). As medições fizeram-se sobre perfis de tipo circular ou elíptico, estes últimos no eixo menor. Prepararam-se 2 lâminas por indivíduo, medindo-se 30 grãos de pólen em cada uma com ampliação de 1000× e ocular micrométrica calibrada, num microscópio Olympus BX50.

Também se notaram em todas as preparações o que parece serem restos de grãos de pólen apenas com a exina (corada de verde), sem conteúdo citoplásmico (figura 6.5 a). A percentagem de grãos de pólen “intactos” foi determinada num campo óptico de cada preparação, excepto na primeira de ALC por nesta haver tão pouco material disponível.

Resultados

 

f6.5a.gif   f6.5b.gif

f6.5c.gifFigura 6.5 — Imagens de grãos de pólen de híbridos. a) Panorâmica duma preparação (de CAB), ampliação original 100×, observando-se várias figuras apenas com a coloração verde da exina (algumas são assinaladas com asteriscos). b) Dois exemplos (de SES), um em perspectiva equatorial com perfil elíptico, outro em perspectiva polar, ilustrando o perfil triangular, ampliação original 600× (imersão). c) Composição de imagens de diferentes preparações de SES, ALC e CAB, ampliação original 600× (imersão). Barras de calibração, 200 μm (a) e 20 μm (b, c). Fotos obtidas com câmara digital Olympus DP70 acoplada ao microscópio, com correcção de exposição e cor usando o software Olympus DP-Soft, versão 3.2, em ambiente Windows XP.

Tabela 6.3 — Estatísticas (valores mínimo e máximo, média, desvio-padrão da amostra) obtidas das medições feitas aos grãos de pólen de 2 sobreiros, 2 azinheiras e 3 híbridos. O valor de probabilidade (P) refere-se ao teste t de Student visando verificar se as médias nas duas preparações do mesmo pólen são heterogéneas (*, P < 0,05).

 

 

sobreiros

azinheiras

híbridos

 

 

M09

M61

M51

M58

ALC

CAB

SES

Prep. 1

 

mín–máx.

22–36 µm

22–35 µm

21–25 µm

21–28 µm

18–31 µm

20–30 µm

20–32 µm

média

27,4 µm

27,4 µm

23,5 µm

23,8 µm

24,5 µm

24,0 µm

25,4 µm

desv.-p.

3,1 µm

3,7 µm

1,1 µm

1,8 µm

3,6 µm

2,6 µm

2,9 µm

Prep. 2

 

mín–máx.

24–34 µm

22–35 µm

19–26 µm

21–26 µm

19–30 µm

20–28 µm

20–35 µm

média

28,9 µm

29,2 µm

23,3 µm

23,1 µm

22,6 µm

23,3 µm

25,9 µm

desv.-p.

2,7 µm

2,9 µm

1,4 µm

1,5 µm

2,4 µm

1,8 µm

3,8 µm

Conjunto

 

P

0,046 *

0,035*

0,474

0,099

0,025*

0,239

0,568

mín–máx.

22–36 µm

22–35 µm

19–26 µm

21–28 µm

18–31 µm

20–30 µm

20–35 µm

média

28,1 µm

28,3 µm

23,4 µm

23,4 µm

23,6 µm

23,6 µm

25,6 µm

desv.-p.

3,0 µm

3,4 µm

1,2 µm

1,6 µm

3,2 µm

2,3 µm

3,3 µm

 

Através do teste t de comparação entre médias, verificou-se homogeneidade entre as amostras de sobreiro (P = 0,75), e entre as de azinheira (P = 0,90), e ainda entre ALC e CAB (P = 0,90), mas o valor médio de SES é heterogéneo em relação ao dos outros 2 híbridos (ANOVA simples, F2;177 = 9,62, P = 0,01%). Conforme é já conhecido dos palinologistas [Brandão 1996], os grãos de pólen de azinheira são mais pequenos que os de sobreiro, e também de dimensões mais homogéneas, e os dos híbridos assemelham-se mais aos de azinheira, embora com maior variação (figura 6.6).


ole6.gifFigura 6.6 — Dimensões dos grãos de pólen, ilustrando os valores médios + desvio-padrão para cada árvore (60 observações cada).

As contagens de grãos de pólen “intactos” em cada preparação veio a revelar um contraste entre os híbridos e as restantes árvores, pois enquanto nestas a percentagem ficou acima dos 90%, naqueles nunca foi além dos 71% (tabela 6.4). O padrão observado parece excluir qualquer hipótese de artefacto relacionado com as manipulações feitas, antes sugerindo uma maior taxa de abortamento dos grãos de pólen nos híbridos [Rushton 1993].

Tabela 6.4 — Determinação da percentagem de grãos de pólen “intactos”, isto é, com a exina (verde de metilo) e o citoplasma (carmim) presentes, em cada preparação. n. r., não realizada.

Árvore

61

9

58

51

ALC

CAB

SES

Preparação

1

2

1

2

1

2

1

2

1

2

1

2

1

2

“intactos”

171

279

342

115

151

79

261

186

n. r.

49

126

156

140

250

total

178

304

360

121

159

88

289

191

n. r.

80

195

240

197

395

%

96

92

95

95

95

90

90

97

n. r.

61

65

65

71

63

 

 


F — Nomenclatura botânica para a azinheira ibero-magrebina (variante ‘rotundifolia’)

Há na realidade duas questões a considerar: qual o binómio lineano correcto, isto é, se a distinção em relação ao tipo de Q. ilex L. (variante ‘ilex’) é ao nível da espécie ou ao nível infra-específico; e, na segunda possibilidade, qual o epíteto infra-específico correcto.

1) Binómio específico

Referências nomenclaturais mais relevantes [Rothmaler 1941, Vasconcelos & Franco 1954, Franco 1990]:

Quercus ilex L. 1753

Quercus rotundifolia Lam. 1785

Quercus ballota Desf. 1790

Abstraindo dos caracteres foliares, a distinção entre a variante ‘ilex’ e a ‘rotundifolia’ só existe ao nível do perianto masculino [Franco 1990]: ângulo na extremidade dos lóbulos (ovado-agudos vs. ovado-obtusos, respectivamente) e vilosidade na ântese, esta apenas em ‘ilex’ e sem ser constante. No entanto, Rothmaler [1941] acrescenta diferenças na copa («ramos por fim pendentes» na ‘rotundifolia’) e nos estigmas («muito mais largos»).

A espécie mais próxima para a qual foi possível obter uma descrição detalhada, por um mesmo autor [Franco 1990], é Q. coccifera (figura 6.1): usando o mesmo método, a distinção entre ‘ilex’ e Q. coccifera (os estados de carácter citados são deste último) verifica-se: na casca (lisa), no tomento dos rebentos (ralo e precocemente caduco), nas gemas (1-2 mm, glabrescentes), nos amentos masculinos (podem ser abaixo de 3 cm e o ráquis é glabrescente), no perianto masculino (lóbulos ciliados), nas anteras (papilosas e mais curtas que os filetes), nos estigmas (não-claviformes), na maturação do aquénio (pode ser bienal), no pedúnculo frutífero (pode ser abaixo de 8 mm, glabro) e nas escamas da cúpula (ovado-lanceoladas, prolongadas em ponta rígida e picante, reflexas).

Apesar de ser mais adequado comparar com espécies ainda mais próximas da variante ‘ilex’, designadamente Q. baloot Griff. [Schwarz 1936], a comparação com Q. coccifera parece justificar considerarem-se as variantes ‘ilex’ e ‘rotundifolia’ da mesma espécie, adoptando-se para ambas o binómio mais antigo (Q. ilex L.). Caso contrário, adopta-se Q. rotundifolia Lam., e o nome dos híbridos de sobreiro e desta azinheira chamam-se Q. × mixta Vill. ex Colm. (1888).

Um dos conceitos aceites para subespécie [Lawrence 1951, pág. 54] é perfeitamente conforme a este caso: «variante morfológica principal de uma espécie com distribuição geográfica própria, distinta das áreas ocupadas por outras subespécies da mesma espécie». De facto, a distinção entre as variantes ‘ilex’ e ‘rotundifolia’ reside em caracteres morfológicos (essencialmente as folhas) e na distribuição geográfica [De Candolle 1864, Rothmaler 1941, Vasconcelos & Franco 1954, Franco 1990]. Por outro lado, as diferentes exigências climáticas de ‘ilex’ e ‘rotundifolia’ correspondem à distinção entre ecótipos, que é um nível biossistemático infra-específico [Lawrence 1951].

A listagem de Govaerts & Frodin [1998] adopta Q. rotundifolia Lam. como válido, presumivelmente em concordância com Schwarz [1936], o que implica a separação em duas espécies mas, face aos argumentos acima, ela não é seguida no presente trabalho. Pelo menos uma publicação de Schwarz evidencia a tendência deste autor para elevar o nível taxonómico dos táxones dentro dos Quercus (também discutida na “Revisão bibliográfica”, parte I, secção A1, a propósito dos subgéneros): das seis espécies novas por ele propostas em 1935 [Schwarz 1935], duas (Q. estremadurensis, Q. bornmuelleriana) distinguem-se ao nível de subespécie dentro doutras espécies, outras duas (Q. esculiformis, Q. sintenisiana) são meros sinónimos, e outra (Q. cerridolepis) não é reconhecida, mas sem estar esclarecida a sua sinonímia [Govaerts & Frodin 1998].

2) Epíteto infraspecífico

Considerando a distinção ao nível de subespécie, a variante ‘ilex’ é a autónima e designa-se Q. ilex L. subsp. ilex. Quanto à variante ‘rotundifolia’, as referências nomenclaturais mais relevantes são [Morais 1940, Vasconcelos & Franco 1954, Franco 1990, Govaerts & Frodin 1998]:

Q. ilex var. ballota (Desf.) Camb 1827

Q. ballota var. rotundifolia (Lam.) Webb 1838

Q. ilex var. rotundifolia (Lam.) Trab. 1905

Q. ilex subsp. ballota (Desf.) Samp. 1909

Q. ilex subsp. rotundifolia (Lam.) Schw. ex Tab. Morais 1940

De acordo com o Código Internacional de Nomenclatura Botânica de St. Louis, 1999, o epíteto infra-específico mais antigo para a espécie respectiva é o que é válido (artº 11.4), e recomenda-se que o epíteto a atribuir a uma subespécie não autónima seja o de uma das variedades a ela subordinadas (recomendação 26A.2); além disso, o autor será aquele que fez a descrição ou diagnose que validaram esse epíteto (artigo 46.4), e a reclassificação sem alteração do nível taxonómico não pode alterar essa autoria (artigo 49). A referência de 1827 está incluída numa enumeração de espécies das ilhas Baleares feita por Jacques Cambessèdes, e é interessante porque as duas variantes estão presentes nestas ilhas [Rothmaler 1941], mas não foi possível verificar se inclui uma diagnose ou descrição, ou como justifica a distinção a nível infra-específico (observações de hibridismo?). Considerando que lhe é equivalente a designação feita por De Candolle em 1864, associada a uma correcta distinção morfológica e geográfica [Vasconcelos & Franco 1954], deduz-se que o trinómio a adoptar-se seja Q. ilex subsp. ballota (Desf.) Camb., ou quando muito terminada com Camb. ex A. DC. (apesar de De Candolle não fazer referência a Cambessèdes); porém, neste caso, levantar-se-ia a questão da prioridade da designação Q. ilex subsp. rotundifolia (Lam.) Webb..

A recomendação 24B.2 do mesmo Código (retenção do epíteto final da espécie quando um táxone passa desse nível para o de subespécie) teria de aplicar-se em 1827 e não actualmente.

Conclui-se assim que nem a designação adoptada na Flora Iberica (a de 1909), nem a adoptada por Vasconcelos & Franco e pela Flora Europæa (a de 1940, em ambos os casos ignorando a referência “Schwz. ex”), teriam prioridade; além disso, verifica-se que ambas têm bases surpreendentemente frágeis: na Flora Iberica justifica-se que a designação original de “raça” seria assimilável à de subespécie [Franco 1990], porém ela foi originalmente atribuída às azinheiras de bolota doce [Sampaio 1909], o que entretanto ficou claro ser apenas uma variante ao nível da forma, existente tanto em ‘ilex’ como em ‘rotundifolia’ [Morais 1940, Vasconcelos & Franco 1954]; além disso, a autoria de 1864 (se não a de 1827), actualizada para subespécie, teria prioridade. Assim, a designação adoptada na Flora Iberica parece ilegítima.

Quanto à designação de 1940, é um mistério por que razão Taborda Morais (que precedentemente utilizava Q. ilex var. ballota (Desf.) [Morais 1936]), atribui a Schwarz a autoria pois indirectamente se deduz que este se mantinha nessa altura com a distinção Q. rotundifolia Lam. [Rothmaler 1941]. Talvez por isso seja corrente a autoria estar com Schwz. ex Tab. Morais [Govaerts & Frodin 1998], mas mesmo essa não é validada, porque a primeira descrição e diagnose sob este nome, e ainda discussão detalhada do problema taxonómico, é feita por Vasconcelos e Franco em 1954 Footnote .

3) Conclusão

É evidente que a designação Quercus ilex subsp. rotundifolia (Lam.) Schw. ex Tab. Morais só se mantém por inércia. O definitivo esclarecimento da nomenclatura correcta terá de ser feito pela verificação da prioridade da designação de 1827 e, em caso negativo, da de 1838. Se ambas não tiverem validade, e dentro da premissa que se trata duma distinção a nível subespecífico em relação ao tipo de Q. ilex, então a designação Quercus ilex subsp. ballota (Lam.) A. DC. é seguramente a que deve ser adoptada. Contudo, e na persistência de incertezas, e visto que se trata duma designação não adoptada, parece o mais sensato manter-se a designação de 1940, se bem que esta inércia não seja tolerável a prazo.

Um especial agradecimento pelas produtivas discussões mantidas com a Drª Carla Cruz (Departamento de Biologia, Universidade de Lisboa), Profª Ana Isabel Correia e Drª Alexandra Escudeiro (Museu e Jardim Botânico da Universidade de Lisboa).

Referências adicionais:

http://www.bgbm.fu-berlin.de/iapt/nomenclature/code/SaintLouis/0000St.Luistitle.htm

(International Code of Botanical Nomenclature (St Louis Code, 1999). Regnum Vegetabile 138. W. Greuter, Chairman. Koeltz Scientific Books, Königstein, 2000)

Cambessèdes, J., 1827 — Enumeratio Plantarum quas in insulis Balearibus collegit pág. 137, reimpress. ex Mem Mus. Hist. Nat. Paris, 14

De Candolle, A., 1864 — Prodr. Vol. 16 Tomo 2 pág. 39.

Morais, A. T., 1936 — Notas sobre a flora portuguesa. Bol. Soc. Brot. Série II Vol. 11 pág. 162.

Morais, A. T., 1940 — Novas áreas da fitogeografia portuguesa. Bol. Soc. Brot. (II) Vol. 14 pp. 97-138.

Sampaio, G., 1909 — Bol. Soc. Brot. Série I Vol. 24 pág. 102.

Schwarz, O., 1935 — Einige neue Eichen des Mediterrangebiets und Vorderasiens. Notizbl. Bot. Gart. u. Mus. zu Berlin-Dahlem Vol. 12 pp. 461-469.