CONTRIBUIÇÃO PARA O
CONHECIMENTO TECTONO – ESTRATIGRÁFICO DO NORDESTE ALENTEJANO
TRANSVERSAL TERENA –
ELVAS[1]
Implicações económicas no
aproveitamento de rochas ornamentais existentes na região (Mármores e Granitos)
Luís Lopes[2]
RESUMO E PRINCIPAIS CONCLUSÕES
Na região alentejana entre Terena e
Elvas afloram, parcialmente, os sectores de Alter-do-Chão – Elvas e Estremoz –
Barrancos da Zona de Ossa – Morena. As unidades estratigráficas neles
representadas estão compreendidas entre o Proterozóico terminal e o Devónico e
encerram uma história de deformação praticamente contínua durante o Ciclo
Varisco. Este é constituído por duas fases tectono-estratigráficas principais
em que a deformação se caracteriza pela actuação de um regime
transpressivo/transtensivo esquerdo em que o transporte de massa, para N ou NW,
se apresenta predominantemente paralelo às macroestruturas NW-SE geradas por
encurtamento durante a segunda fase de deformação.
Em relação aos aspectos geométricos mais
marcantes da estruturação geológica dos sectores em estudo, definem-se, de
Norte para Sul, os seguintes domínios:
Ø
Domínio de Elvas – Vila Boim – Terrugem;
Ø
Domínio de São Saturnino – Juromenha;
Ø
Domínio de Ferrarias – Nave;
Ø
Anticlinal de Estremoz;
Ø
Sinclinal de Terena e terrenos envolventes.
Para além dos aspectos relacionados com
a deformação dos materiais crustais em andar estrutural médio a superior, a
presente tese centra-se em dois aspectos principais que queremos destacar:
1) A evolução
tectono-estratigráfica da Zona de Ossa – Morena nos sectores de Alter-do-Chão –
Elvas e Estremoz – Barrancos, em articulação com o seguinte;
2) A optimização da exploração de
recursos geológicos para fins ornamentais com especial incidência nos mármores
do anticlinal de Estremoz.
Em relação ao primeiro ponto debatem-se
algumas questões relacionadas com a posição estratigráfica de algumas
sequências litológicas. No anticlinal de Estremoz, as questões mais
problemáticas relacionam-se com a idade do Complexo
Vulcano-sedimentar-carbonatado de Estremoz e embora existam fortes indícios que
apontem para uma idade ordovícica terminal do mesmo a verdade é que a ausência
de dados paleontológicos continua a ser um constrangimento importante na
definição da sua idade. Também se efectuou uma análise comparativa entre o
anticlinal de Estremoz e a estrutura de Ferrarias. Em função da análise dos
resultados concluiu-se que as duas estruturas não são equivalentes e que os
dados paleontológicos recentemente publicados se ajustam a um modelo que
considera que a sequência de Ferrarias, em vez de ser equivalente à de
Estremoz, se lhe sucede diacronicamente. Outra questão analisada foi o
“carreamento da Juromenha”. Relativamente a este ponto ainda muito trabalho há
por fazer. No entanto, podemos afirmar que o transporte perpendicular às
estruturas suposto para a sua existência, não é apoiado pelos dados de campo,
que antes concorrem para a existência de movimentos longitudinais, onde uma
inclinação do plano de movimento fará deslocar na vertical as estruturas mais
antigas situadas a N deste acidente. As dobras deitadas para SW anteriores à
clivagem sub-vertical regional serão precursoras da definição do flanco inverso
da estrutura de Juromenha que, deste modo, se teria originado durante a
primeira fase, tendo sido posteriormente reactivado na segunda fase bem como
nos eventos frágeis mais tardios.
Em relação à exploração dos recursos
geológicos para fins ornamentais, faz-se referência à exploração de granitos no
Maciço Ígneo de Monforte – Santa Eulália, onde se desenvolveram alguns estudos
de geologia aplicada e apresenta-se detalhadamente o projecto do estudo da
viabilidade da exploração subterrânea de mármores no anticlinal de Estremoz,
desenvolvido em parceria com outras instituições. Aqui se debatem os principais
constrangimentos geológicos, em função da evolução geodinâmica e estrutural do
Sector de Estremoz – Barrancos da Zona de Ossa – Morena, envolvidos no
conhecimento da estrutura e subsequente optimização da exploração dos mármores
do anticlinal de Estremoz. Apresenta-se, pela primeira vez, um modelo baseado
nas descontinuidades verticais NNW-SSE a NW-SE (correspondentes a bandas de
cisalhamento) e WSW-ENE (fendas sub-perpendiculares às dobras macroscópicas
principais e preenchidas por filões doleríticos afins, pelo menos em parte, do
grande filão dolerítico do Alentejo – Falha da Messejana – Plasencia) cuja
intersecção individualiza zonas de exploração no interior do anticlinal
caracterizadas pela ocorrência de diferentes variedades de mármores. Este
modelo, por enquanto muito simples mas que irá sendo melhorado em função da
disponibilização de novos dados, ajuda a explicar variações bruscas em
pedreiras adjacentes e permite, porque o seu comportamento é previsível, a
elaboração de planos de prospecção na vizinhança das pedreiras, quer estas
estejam em actividade ou não.
Sinteticamente podemos enumerar
as conclusões a que chegámos nos seguintes pontos:
a) As
diferentes unidades litoestratigráficas aflorantes na região de Estremoz – Elvas
evidenciam uma história de episódios de deformação que se sucedem de forma
diacrónica desde o fim do ciclo Cadomiano durante o Paleozóico;
b) A sucessão paleozóica dos
Sectores de Estremoz – Barrancos e de Alter do Chão – Elvas é equiparável até ao
fim da deposição da Formação Dolomítica. Em ambos os sectores, acima deste
horizonte a evolução tectonoestratigráfica sugere uma separação, onde a área do
anticlinal de Estremoz constituiria uma plataforma carbonatada em alto fundo no
Câmbrico médio (erosão), tendo a NE prosseguido a sedimentação terrígena, da
Formação de Vila Boim, com carácter vulcano-sedimentar cada vez mais distal à
medida que se ascende no Câmbrico. A Formação da Terrugem daria lugar à
Formação de Fatuquedo caracterizada na região pela quase ausência de
vulcanismo;
c) O
Acidente da Juromenha entendido aqui não como um carreamento, mas como um
cavalgamento desenvolvido ao longo da direcção orogénica segundo um modelo
transpresssivo/transtensivo, explica a subida relativa do Sector de Alter do
Chão – Elvas em relação ao Sector de Estremoz – Barrancos e o consequente
desenvolvimento da bacia de sedimentação onde se depositariam, com controlo
distensivo, as sequências ordovícicas, silúricas e devónicas anteriores a D1.
Este acidente é o que apresenta maior expressão regional mas não é único no seu
género, encontrando equivalência no limite NE do anticlinal de Estremoz e na
delimitação dos flancos da estrutura Sinclinal de Terena. De modo sistemático
em toda a área estudada são muito frequentes os acidentes longitudinais NNW-SSE
a NW-SE que cortam as estruturas anteriores o que confere um comportamento
contínuo até às fases de deformação mais frágeis para estes acidentes. A
associação de Mn ao acidente da Juromenha, constitui um bom nível guia, no
entanto o seu interesse estratigráfico primário é discutível podendo apenas, à
semelhança de muitos outros casos tratar-se do aproveitamento de uma estrutura
com condições privilegiadas para a circulação de fluidos mineralizadores que no
caso transportariam Mn. Nestes sectores setentrionais da Zona de Ossa – Morena,
este caso de mineralizações associadas a acidentes longitudinais NW-SE a
NNW-SSE, longe de ser único, é bem frequente, tendo algumas destas ocorrências
sido alvo de exploração mineira[3];
d) Relativamente à aplicabilidade
dos conhecimentos da “Geologia Estrutural” à exploração de rochas ornamentais,
como demoradamente desenvolvemos em capítulo próprio, ficou demonstrada que a correcta
avaliação dos jazigos requer o conhecimento dos constrangimentos de ordem
geológica que vão influenciar quer a disposição quer a continuidade das
estruturas. No caso do anticlinal de Estremoz, mais do que saber se existe
mármore em determinado local, importa cartografar os limites dessa ocorrência e
caracterizar as estruturas observadas; à partida acidentes longitudinais
NNW-SSE e falhas, geralmente associadas a filões doleríticos[4], indicam descontinuidades importantes
onde as variedades de mármore podem variar drasticamente o que, como vimos
atrás, limita o valor intrínseco da jazida na extracção de rochas ornamentais,
podendo mesmo inviabilizar a sua exploração.
e) No
Complexo Vulcano-sedimentar-carbonatado de Estremoz, os critérios cinemáticos
de deformação observados à escala mesoscópica puderam ser confirmados por
análise microscópica. Nos mármores os diferentes mecanismos de deformação que
incluem, entre outros, a recristalização cinemática com orientação preferencial
cristalográfica dos cristais de calcite, corroboram um modelo de deformação
transpressiva onde a transferência de massa se faz essencialmente de modo
paralelo ao orógeno. À escala microscópica verifica-se que na ausência de
filossilicatos a “xistosidade” no mármore corresponde à reorientação e
solubilização ao longo dos contornos dos cristais de calcite que deste modo
originam uma direcção planar preferencial[5]
segundo a qual a resistência do mármore à fracturação é menor. Pelo contrário
se existem filossilicatos na rocha, a acomodação da deformação faz-se por
deslocação entre os seus planos de clivagem e os cristais de calcite na
proximidade apresentam textura granoblástica.
f) A
correspondência litoestratigráfica entre a Formação Dolomítica e o Complexo
Vulcano-sedimentar-carbonatado do anticlinal de Estremoz com as unidades
aflorantes em Danby – “Green Mountains – Vermont, Estados Unidos da América”,
permite avançar com a hipótese de uma evolução geodinâmica próxima no
Paleozóico inferior quando se originou o oceano Iapetus.
g) Relativamente à comparação entre
as estruturas de Ferrarias e de Estremoz, os dados analisados não contradizem
as determinações paleontológicas mais recentes e podem ser interpretados
considerando uma bacia de sedimentação sinorogénica que se prolongaria para SE
até Barrancos. A presença de clastos que contêm uma fase de deformação anterior
à exibida pelos calcários detríticos de Ferrarias também concorre para esta
hipótese, que deverá ser seriamente investigada em trabalhos futuros.
[1] Dissertação apresentada à Universidade de Évora
para a obtenção do grau de Doutor em Geologia na especialidade de Geologia
Estrutural.
[2]
Universidade de Évora – Centro de Geofísica de Évora e Departamento de
Geociências. Rua Romão Ramalho, 59. 7002 – 554 Évora. lopes@uevora.pt
[3] As minas da Mostardeira, Almagreira, Miguel Vacas,
Mocissos, Bugalho, jazigos de Alagada (Porto Xico – junto ao Guadiana) e Quinta
de Stº António (a N de Elvas), são alguns exemplos.
[4] Cabos reais.
[5] “Currume” entre a
linguagem do Sector das Rochas Ornamentais.