José
Anastácio da Cunha
(O matemático,
outras coisas e o Marquês)
O dia
onze, José Anastácio da Cunha, é o dia do teu chegar.
Em Janeiro
de mil setecentos e quarenta e quatro. Lembras-te?
Onze, com simbolismo, dia onze, segundo um teu sussurrar.
Cedo, ainda
sem quarenta e três anos, partiste.
Já
perguntaste ao Supremo, lá onde estás,
Por que
tão cedo daqui, tão rápido, saíste?
Mas olha,
José Anastácio, deixa lá, esquece.
Sabes, cedo
partiste mas para sempre ficaste.
Para
sempre ficar, a muito poucos acontece.
Imagino
que, sapiente, lá onde estás,
Da
pequenez de muitos cientistas e sábios de hoje
Muito te
rirás. Sim, como muito de muitos te rirás!
Sim, José,
acredita que sim,
Que não
muito te enganarás!
Foste
militar, físico, matemático, José Anastácio.
Eu,
José? Vê bem, pouco fui!
Olha que
não, José Anastácio!
Muito
foste e muito bem.
Filósofo
e poeta precursor também.
Sobretudo
na geometria, na matemática,
O teu
espírito inovador, criativo, imperou.
Olha, a
Sociedade Portuguesa de Matemática,
Em
merecida homenagem que te prestou,
Deu o
teu nome a um prémio que a honrou.
Sim,
José?
Sim,
José Anastácio, para a melhor tese analisada
De
doutoramento, em Portugal,
No
período de cada quatro anos apresentada.
E antes,
no bicentenário da tua sentida partida,
Com
reverência, perante ti e as tuas obras,
A
Universidade de Coimbra também se inclinou, agradecida.
Coimbra,
ainda, José Anastácio, Coimbra reeditou,
Os teus
“Princípios Mathematicos”, em fac-simile,
O que
muito aos matemáticos, reconhecidos, agradou.
Disse um
teu amigo que corrigiste
As
provas dessa tua grande obra
Na
véspera do dia em que, prematuro, partiste.
É
verdade, José Anastácio da Cunha?
Olha,
José, já não me lembro.
Foi há
tanto tempo!
E sabes,
José Anastácio, o que ao Playfair parecia?
Disse
que era a primeira obra científica de Portugal!
Sim, ele
era o britânico da Geometria.
Que
exagero, José, que exagero tal!
E disse
também o Playfair sobre obra tal
Que
faria honra aos países mais adiantados.
Que excessos,
José, tão exagerados!
São as palavras
de simpatia, após a partida, José.
Não são
não, José Anastácio.
Sabes
que foi publicada em França?
Sim, com
a ajuda de um meu discípulo,
Em
Bordéus, já eu não estava aí.
Reconhecido,
daqui eu vi.
Mas,
José, um discípulo é suspeito.
Depende,
José Anastácio.
O
discípulo verdadeiro
É o que
não o é.
Como
assim, José?
Não te compreendo.
Compreendes,
José Anastácio, sim.
É leal,
sim,
Mas é
crítico e isento o verdadeiro.
Tu sabes
isso muito bem,
Mas
queres provocar-me assim!
Mas esta
tua modéstia eu a entendo também.
Sim, José, está bem.
Seja
assim!
E sabes,
por acaso, José Anastácio da Cunha,
O que o
Marquês de Pombal ao Reitor em carta escreveu
Sobre
ti, tão eminente tu na ciência matemática?
Claro
que não, mas ora que o sigilo da carta prescreveu,
Eu agora claro te digo: que, de ti, catedrático de Geometria,
Uma boa
parte do ornamento literário da Universidade de ti seria.
E
escreveu também o Marquês que com o teu génio suave,
Progressivo
e compreensivo, digo eu, que se te conhecia,
Conduzirias
os teus discípulos a aprenderem com gosto
Uma
disciplina tão proveitosa como a Geometria!
Repito,
disse o Marquês: uma disciplina tão proveitosa!
Se tal
dito hoje, de tal disciplina e de outras que tal,
Tal
pareceria agora uma coisa tremenda e insultuosa!
Vê tu,
José Anastácio, que ignorância hoje sem igual.
Sim, bem
vejo daqui, José, e vejo como tão bom seria
Ter hoje
de novo outro Marquês de Pombal!
Ele
haveria de, com esquadria, em harmonia, com a Geometria,
Repensar,
redesenhar e reconstruir o destroçado Portugal!
Achas
tanto assim, José Anastácio, que sim?
Sim,
sim, José, se acho!
Que pena
não ter.
Que pena
não ser assim!
Sim,
José Anastácio, sim!
Eu creio
te compreender.
Que
enorme pena não ter.
Que pena
não ser assim!
Quase a
terminar, a fugir, que a hora quase é, diz-me:
Diz-me,
José Anastácio, pertencias à maçonaria?
Olha,
José, alguém, como tal, me reconhecia.
Mas,
José Anastácio da Cunha, eras católico...
Sim,
José, católico e solteiro...
Que
problema tal seria?
Mas,
José Anastácio, e, então, a Inquisição e a prisão?
E a
Margarida, e os sinais, e outras coisas que tais?
Olha,
José, desculpa assim te dizer:
A
primeira é coisa muito divulgada,
A
segunda é muito reservada,
Nada
mais havendo aqui para te responder!
\
Por fim,
que chegada a hora é, em conclusão,
Agradeço
a tua assumida e sábia concisão,
A tua
assídua e incansável aplicação,
Virtudes
nobres que tu prezavas, que eu pressupunha,
Mestre
José Anastácio da Cunha.
J.
Rodrigues Dias
E-mail enviado
aos “users” da Universidade de Évora, 2008/06/02.