Marcel
Mauss
Ensaios de Sociologia
or.
ed. de Minuit, 1968.
ed. Perspctiva, S. Paulo 1999
1. Sociologia (1901)*
Paul Fauconnet e Marcel
Mauss
Palavra criada por Augusto Comte para
designar a ciência das sociedades. Ainda que a palavra seja formada por um
radical latino e uma desinência grega e por esta razão os puristas, por muito
tempo, se tenham recusado reconhecê-la, encontra-se hoje na posse do direito de
cidadania em todas as línguas européias. Procuraremos determinar
sucessívamente o objeto da sociologia e o método que ela emprega. A seguir
indicaremos as principais divisões da ciência que se constitui sob este nome.
Notar-se-á, sem dificuldade, que nos
inspiramos diretamente nas idéias expressas por Dttrkheim em suas diferentes
obras. Se, além disso, as adotamos, não é somente porque nos parecem
justificadas por razões teóricas, mas também porque nos parecem exprimir os
princípios pelos quais as diversas ciências sociais, no curso de seu desenvolvimento,
tendem a tornar-se sempre mais conscientes.
1. OBJETO DA SOCIOLOGIA
Pelo fato de a sociologia ser de origem
recente e por estar apenas saindo do período filosófico, ainda acontece
contestar-se-lhe a possibilidade. Todas as tradições metafísicas que fazem do
homem um ser à parte, fora da natureza, e que vêem em seus atos fatos
absolutamente diferentes dos fatos naturais, resistem aos progressos do
pensamento sociológico. Mas o sociólogo não precisa justificar suas pesquisas
por meio de uma argumentação filosófica. A ciência
* Artigo
tirado da Grande
Encyclopédic, vol.
30, Sociedade Anônima da Grande Enciclopédia, Paris. [Trad. bras, feita a
partir das Oeuvres,
Paris, Les
Editions de Minuit, 1968-69, v. III, pp. 139-177.]
6 ENSAIOS DE
SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA 7
acidentais e locais determinadas por causas cósmicas, mas
também acontecimentos normais, regularmente repetidos, que interessam a todos
os membros do grupo sem exceção, podem estar totalmente privados do caráter de
fatos sociais. Por exemplo, todos os indivíduos, com exceção dos doentes,
desempenham suas funções orgânicas em condições sensivelmente idênticas; o
mesmo se passa com as funções psicológicas: os fenômenos de sensação, de
representação, de reação ou de inibição são os mesmos em todos os membros do
grupo e são submetidos todos às mesmas leis que a psicologia pesquisa. Mas
ninguém sonha em dispô-los na categoria dos fatos sociais apesar de sua
generalidade. E que não se referem de forma alguma à natureza do agrupamento,
mas derivam da natureza orgânica e psíquica do indivíduo. Por isso são os
mesmos, seja qual for o grupo ao qual o indivíduo pertence. Se o homem isolado
fosse concebível, poder-se-ia dizer que seriam o que são mesmo fora de toda
sociedade. Se, pois, os fatos de que são teatro as sociedades só se
distinguissem entre si por seu grau de generalidade, não haveria fatos dignos
de serem considerados como manifestações próprias da vida social e, por
conseguinte, susceptíveis de constituírem o objeto da sociologia.
No entanto, a existência de tais fenômenos
é de tal evidência que pôde ser assinalada por observadores que não pensavam na
constituição de uma sociologia. Observou-se com freqüência que uma multidão,
uma assembléia não sentiam, não pensavam e não agiam como teriam feito indivíduos
isolados; observou-se, outrossim, que os agrupamentos mais diversos, uma
família, uma corporação, uma nação possuíam um “espírito”, um caráter, hábitos
como os indivíduos têm os seus. Por conseguinte, em todos os casos sente-se
perfeitamente que o grupo, a multidão ou a sociedade têm verdadeiramente uma
natureza própria, que ele determina nos indivíduos certas maneiras de sentir,
de pensar e de agir, e que estes indivíduos não teriam nem as mesmas
tendências nem os mesmos hábitos nem os mesmos preconceitos se houvessem vivido
no meio de outros grupos humanos. Ora, esta conclusão pode ser generalizada.
Entre as idéias que teria, os atos que realizaria um indivíduo isolado, e as
manifestações coletivas, há tal abismo que estas ultimas devem ser referidas a
uma natureza nova, a forças sui generis: caso contrário,
permaneceriam incompreensíveis.
Tomemos, por exemplo, as manifestações da
vida econômica das sociedades modernas do Ocidente: produção industrial das
mercadorias, divisão extrema do trabalho, comércio internacional, associação
de capitais, moeda, crédito, renda, lucro, salário, etc. Pense-se no número
considerável de noções, de instituições, de hábitos que supõem os mais simples
atos de um comerciante ou de um operário que
procura ganhar sua vida; é manifesto que nem um nem outro cria
as formas que sua atividade necessariamente assume: nem um nem outro inventa o
crédito, o lucro, o salário, o intercâmbio ou a moeda. Tudo o que se pode
atribuir a cada um deles é uma tendência geral a conseguir os alimentos
necessários para proteger-se contra as intempéries, ou ainda, se se quiser, o
gosto pelo empreendimento, pelo ganho, etc. Mesmo os sentimentos que parecem
totalmente espontâneos, como o amor pelo trabalho, a parcimônia, o luxo, são,
na realidade, o produto da cultura social, visto que não existem entre certos
povos e variam infinitamente no interior de ~ma mesma sociedade, de acordo com
as camadas da população. Ora, por si sós, estas necessidades determinariam,
para serem satisfeitas, um pequeno número de atos muito simples que
constrastam, da maneira mais pronunciada, com as formas muito complexas nas
quais o homem econômico encerra hoje sua conduta. E não é somente a
complexidade destas formas que dá testemunho de sua origem extra-individual,
mas ainda e sobretudo a maneira pela qual se impõem ao indivíduo. Este está
mais ou menos obrigado a se lhe conformar. Às vezes é a própria lei que o
obriga, ou o costume tão imperativo como a lei. Assim é que, não há muito, o
industrial era obrigado a fabricar produtos de medida e qualidade determinadas,
que ainda agora está sujeito a todos os tipos de regulamentos, que ninguém pode
recusar-se a receber como pagamento a moeda legal pelo seu valor legal. Outras
vezes é a força das coisas contra a qual o indivíduo se faz em pedaços se
procurar insurgir-se contra elas: é o caso do comerciante que quisesse
renunciar ao crédito, do produtor que quisesse consumir seus próprios produtos,
numa palavra, do trabalhador que quisesse recriar por si só as regras de sua
atividade econômica, ver-se-iam condenados à ruína inevitável.
A linguagem é outro fato cujo caráter
social aparece claramente: a criança aprende, pelo uso e pelo estudo, uma
língua cujo vocabulário e cuja sintaxe têm uma idade multissecular, cujas
origens são desconhecidas; que ela recebe, por conseguinte, totalmente
elaborada e que é obrigada a receber e a empregar assim, sem variações consideráveis.
Em vão tentaria criar para seu uso uma língua original: além de não passar de
uma imitação canhestra de algum outro idioma já existente, tal língua não seria
instrumento útil à expressão de seu pensamento; condená-la-ia ao isolamento e
a uma espécie de morte intelectual. O simples fato de derrogar as regras e os
usos tradicionais já se chocaria, na maioria dos casos, com resistências de
opinião muito vivas. Pois uma língua não é somente um sistema de palavras; tem
um gênio particular, implica uma certa maneira de perceber, de analisar e de
coordenar. Por
SOCIOLOGIA
ENSAIOS DE SOCIOLOGIA
conseguinte, pela língua, são as formas principais de nosso
pensamento que a coletividade nos impõe.
Poderia parecer que as relações
matrimoniais e domésticas são necessariamente aquilo que são em virtude da
natureza humana, e que basta, para explicá-las, recordar algumas propriedades
muito gerais, orgânícas e psicológicas, do indivíduo humano. Mas, de~ uma
parte, a observação histórica nos ensina que os tipos de casamentos e de
famílias foram e ainda são extremamente numerosos e variados; ela nos revela a
complicação, às vezes extraordinária, das formas do casamento e das relações
domésticas. E, de outra parte, todos nós sabemos que as relações domésticas não
são exclusivamente afetivas, sabemos que entre nós e os pais, que podemos não
conhecer, existem vínculos jurídicos que se constituíram sem nosso
consentimento, sem nosso conhecimento; sabemos que o casamento não é apenas um
acasalamento, que a lei e os usos impõem ao homem que esposa uma mulher atos
determinados, um processo complicado. E evidente que nem as tendências
orgânicas do homem a acasalar-se e a procriar, nem mesmo os sentimentos de
ciúme sexual ou de ternura paterna que aliás se lhe emprestariam gratuitamente,
podem, em nenhum grau, explicar nem a complexidade, nem sobretudo o caráter
obrigatório dos costumes matrimoniais e domésticos.
Da mesma forma, os sentimentos religiosos
muito generosos que se costuma atribuir ao homem e mesmo aos animais — respeito ou temor a seres superiores,
tormento do infinito —
só poderiam gerar atos
religiosos muito simples e indeterminados: cada homem, sob o império de suas
emoções, representaria a seu modo os seres superiores e manifestar-lhes-ia seus
sentimentos como lhe parecesse conveniente fazê-lo. Ora, uma religião tão
simples, tão indeterminada, tão individual jamais existiu. O fiel acredita em
dogmas e age segundo ritos inteiramente complicados, que além disso lhe são
inspirados pela Igreja, pelo grupo religioso a que pertence; em geral, conhece
muito mal estes dogmas e estes ritos, e sua vida religiosa consiste
essencial-mente numa participação longínqua nas crenças e nos atos de homens
especialmente encarregados de conhecer as coisas sagradas e de entrar em
contato com elas; e estes mesmos homens não inventaram os dogmas nem os ritos;
a tradição lhos ensinou e eles velam sobretudo para preservá-los de toda
alteração. Os sentimentos individuais de nenhum fiel explicam, pois, nem o
sistema complexo das representações e das práticas que constituí uma religião,
nem a autoridade pela qual estas maneiras de pensar e de agir se impõem a todos
os membros da Igreja.
Desta forma, as práticas segundo as quais
se desenvolve a vida afetiva, intelectual, ativa do indivíduo, existem antes
dele como existirão depois dele. Por ser homem, é que
ele come,
pensa, se diverte, etc., mas se é determinado a agir por tendências que são
comuns a todos os homens, as formas precisas que assume sua atividade em cada
momento da história dependem de condições totalmente diferentes que variam de
uma sociedade para outra e mudam com o tempo no seio de uma mesma sociedade: é
o conjunto dos hábitos coletivos. Entre estes hábitos distinguem-se
diferentes espécies. Uns exigem a reflexão em conseqüência de sua própria importância.
Toma-se consciência deles e são consignados em fórmulas escritas ou orais que
exprimem como o grupo tem o costume de agir, e como exige que seus membros
ajam; estas fórmulas imperativas são as regras do direito, as máximas da
moral, os preceitos do ritual, os artigos do dogma, etc. Outros continuam de
forma não expressa e difusos, mais ou menos inconscientes. São as usanças, os
costumes, as superstições populares que se observam sem saber que se está obrigado
a isto, nem mesmo em que consistem exatamente. Mas, em ambos os casos, o
fenômeno é da mesma natureza. Trata-se sempre de maneiras de agir ou de pensar,
consagradas pela tradição e que a sociedade impõe aos indivíduos. Estes
hábitos coletivos e as ~~ansformaçõe5 pelas quais passam incessantemente: eis o
objeto próprio da sociologia.
Além disso, a partir de agora é possível
provar diretamente que estes hábitos coletivos são as manifestações da vida do
grupo como grupo. A história comparada do direito, das religiões, tornou comum
a idéia de que certas instituições formam com certas outras um sistema, de que
as primeiras não podem transformar-se sem que as segundas também se
transformem. Por exemplo, sabe-se que existem vínculos entre o totemismO e a
exogamia, entre uma e outra prática, entre uma e outra organização do clã;
sabe-se que o sistema do poder patriarca1 tem relação com o regime
da cidade, etc. De modo geral, os historiadores habituaram-se a mostrar as
relações que vigoram entre as diferentes instituições de uma mesma época, a
não isolar uma instituição do meio em que apareceu. Enfim, é-se cada vez
mais levado a procurar nas propriedades de um meio social (volume, densidade,
modo de composição, etc.) a explicação dos fenômenos sociais que aí se
produzem: mostram-se, por exemplo, as ~odificaçõe5 profundas que a aglomeração
urbana acarreta para uma civilização agrícola, como a forma do habitat condiciona
a organização doméstica. Ora, se as instituições dependem umas das outras e
dependem todas da constituiçãO do grupo social, é óbvio que exprimem este
último. Esta interdependência dos fenômenos seria inexplicável se estes
fossem os produtos de vontades particulares e mais ou menos caprichosas;
explica-se, ao contrário, se eles são produtos de forças impessoais que dominam
os próprios indivíduos.
1’-,
ENSAIOS DE SOCIOLOGIA
Outra prova pode ser tirada da observação
das estatísticas. E sabido que as cifras que exprimem o número dos casamentos,
dos nascimentos, dos suicídios, dos crimes numa sociedade, são notavelmente
constantes ou que, se variam, não é por desvios abruptos e irregulares, mas
geralmente com lentidão e ordem. Sua constância e sua regularidade são ao
menos iguais àquelas dos fenômenos que, como a mortalidade, dependem sobretudo
de causas físicas. Ora, é claro que as causas que levam tal ou tal indivíduo ao
casamento ou ao crime são totalmente particulares e acidentais; portanto não
são estas causas que podem explicar a taxa do casamento ou do crime numa
determinada sociedade. E mister admitir a existência de certos estados
sociais, totalmente diferentes dos estados puramente individuais, que
condicionam a nupcialidade e a criminalidade. Não se compreenderia, por
exemplo, que a taxa de suicídio fosse uniformemente mais elevada nas
sociedades protestantes do que nas sociedades católicas, no mundo comercial do
que no mundo agrícola, se .não se admitisse que uma tendência coletiva ao
suicídio se manifesta nos meios protestantes, nos meios comerciais, em virtude
de sua própria organização.
Existem, pois, fenômenos propriamente
sociais, distintos daqueles que estudam as outras ciências que tratam do
homem, como a psicologia; são eles que constituem a matéria da sociologia. Mas
não basta ter estabelecido sua existência por um certo número de exemplos e por
considerações gerais. Desejar-se-ia ainda conhecer o sinal pelo qual se pode
distingui-los, de modo a não correr o risco nem de deixá-los escapar, nem de
confundi-los com os fenômenos que dependem de outras ciências. De acordo com o
que acabamos de dizer, a natureza social tem como característica precisamente
o fato de ser adicionada à natureza individual; exprime-se por idéias ou atos
que, mesmo quando contribuímos para produzi-los, nos são de todo impostos a
partir de fora. Trata-se, pois, de descobrir este sinal de exterioridade.
Num grande número de casos, o caráter
obrigatório que marca as maneiras sociais de agir e de pensar é o melhor dos
critérios que se possa desejar. Gravadas no fundo do coração ou expressas por
fórmulas legais, espontaneamente obedecidas ou inspiradas por via da coerção,
uma multidão de regras jurídicas, religiosas e morais são rigorosamente
obrigatórias. A maior parte dos indivíduos obedecem-lhes; mesmo aqueles que as
violam sabem que faltam a uma obrigação; e, em todo caso, a sociedade
lembra-lhes o caráter obrigatório de sua ordem infligindo-lhes uma sanção.
Sejam quais forem a natureza e a intensidade da sanção, excomunhão ou morte,
perdas e danos ou prisão, desprezo público, censura, simples notação de
excentricidade, em graus diversos e sob formas diversas, o fenômeno é sempre o
mesmo: o grupo protesta contra a violação das
SOCIOLOGIA
regras coletivas do pensamento e da ação. Ora, este protesto
só pode ter um sentido: é que as maneiras de pensar e de agir que o grupo impõe
são maneiras próprias de pensar e de agir. Se não tolera que sejam derrogadas,
é que vê nelas as ~~nifestaçõe5 de sua personalidade e que, derrogando-as,
diminui-se e destrói-se esta personalidade. E, além disso, se as regras do
pensamento e da ação não tivessem uma origem social, de onde poderiam vir? Uma
regra a qual o indivíduo se julga sujeito não pode ser obra deste indivíduo:
pois, toda obrigação implica uma autoridade superior ao sujeito obrigado, e que
lhe inspira o respeito, elemento essencial do sentimento de obrigação. Se,
portanto, se exclui a jntervençãO de seres sobrenaturais, SÓ se poderia
encontrar, fora e acima do indivíduo, uma única fonte de obrigação: a sociedade
ou, melhor, a totalidade das sociedades de que é membro.
Aí está, pois, um conjunto de fenômenos
sociais facilmente reconhecíveis e que são de primeira importância. Porque o
direito, a moral, a religião formam uma parte notável da vida social. Mesmo nas
sociedades inferiores quase não há manifestações coletivas que não se enquadrem
numa destas categorias. O homem não tem aí, por assim dizer, nem pensamento nem
atividade próprios; a palavra, as operações econômicas, a própria vestimenta
assumem freqüentemente um caráter religioso, por conseguinte obrigatório. Mas,
nas sociedades superíore5~ há um grande número de casos em que a pressão
social não se faz sentir sob a forma expressa de obrigação: em matéria
econômica, jurídicas e mesmo religiosa, o indivíduo parece amplamente autônomo.
Isto não significa que toda coerção esteja ausente: mostramos atrás os
aspectos sob os quais ela se manifestava na ordem econômica e lingüística, e
quão longe estava o indivíduo de poder agir livremente nestas matérias. Contudo
não existe aí obrigação proclamada, nem sanções definidas; a inovação, a
derrogação não são, em princípio, prescritas. Portanto é mister procurar outro
critério que permita distinguir estes hábitos cuja natureza especial não é
menos incontestável, embora menos imediatamente aparente.
Efetivamente, ela é incontestável porque
cada indivíduo’ os encontra já formados e como que instituidos, uma vez
que não é o seu autor, que ele os recebe de fora; são, pois, preestabelecidos.
Seja ou não proibido ao indivíduo af astar-se deles, já existem a partir
do momento em que ele se consulta para saber como deve agir; são modelos de
conduta que eles lhe propõem. Por isso vemo-los por assim dizer, num dado
momento, penetrar nele a partir de fora. Na maior parte dos casos, é por
intermédio da educação, quer geral, quer especial, que se faz esta penetração.
Assim é que cada geração recebe da geração mais velha os preceitos da moral,
as regras da polidez usual, sua língua, seus
gostos fundamentais, da mesma forma como cada trabalhador
recebe de seus predecessores as regras de sua técnica profissional. A educação
é precisamente a operação pela qual o ser social é acrescentado em cada um de
nós ao ser individual, o ser moral ao ser animal; é o procedimento graças ao
qual a criança é rapidamente socializada. Estas observações nos fornecem uma
característica do fato social muito mais geral do que a precedente: são sociais
todas as maneiras de agir e de pensar que o indivíduo encontra preestabelecidas
e cuja transmissão geralmente se faz por meio da educação.
Seria bom que um termo especial designasse
estes fatos especiais e parece que a palavra instituições seria o mais
apropriado. Com efeito, que é uma instituição se não um conjunto de atos ou de
idéias que os indivíduos encontram diante de si e que mais ou menos se lhes
impõe? Não há razão alguma para reservar exclusivamente, como de ordinário se
faz, esta expressão às disposições sociais fundamentais. Entendemos, pois, por
esta palavra tanto os usos e os modos, os preconceitos e as superstições como
as constituições políticas ou as organizações jurídicas essenciais; porque
todos estes fenômenos são da mesma natureza e só diferem quanto ao grau. A
instituição é, em suma, na ordem social aquilo que é a função na ordem
biológica:
e assim como a ciência da vida é a ciência das funções vitais,
da mesma forma a ciência da sociedade é a ciência das instituições assim
definidas.
Mas, dir-se-á, a instituição é o passado;
é, por definição, a coisa fixa, não a coisa viva. Produzem-se novidades a cada
instante nas sociedades, desde as variações cotidianas da moda até as grandes
revoluções políticas e morais. Mas todas estas mudanças são sempre, em graus
diversos, modificações de instituições existentes. As revoluções jamais consistiram
na brusca substituição integral de uma ordem estabelecida por uma ordem nova;
nunca são e nem podem ser mais do que transformações mais cu menos rápidas,
mais ou menos completas. Nada vem do nada: as instituições novas só podem ser
feitas com as antigas, porquanto estas são as únicas que existem. E, por
conseguinte, para que nossa definição abrace todo o definido, basta que não nos
atenhamos a uma fórmula estritamente estática, que não restrinjamos a
sociologia ao estudo da instituição suposta imóvel. Na realidade, a
instituição assim concebida não passa de uma abstração. As verdadeiras
instituições vivem, isto é, mudam sem cessar: as regras da ação não são nem
compreendidas nem aplicadas da mesma forma a momentos sucessivos, mesmo quando
as fórmulas que as exprimem permanecem literalmente as mesmas. São portanto as
instituições vivas, tais como se formam, funcionam e se
transformam em diferentes momentos que constituem os f enômenos
propriamente sociais, objetos da sociologia.
Os únicos fatos que poderíamos considerar,
não sem razão, como sociais e que, entretanto, dificilmente entrariam na
definição das instituições, são aqueles que se produzem nas sociedades sem
instituições. Mas as únicas sociedades sem instituições são agregados sociais
ou bastante instáveis e efêmeros como as multidões, ou então em curso de formação.
Ora, pode-se dizer que umas e outras ainda não são sociedades propriamente
ditas, mas somente sociedades em vias de formação, com a diferença que umas
estão destinadas a ir até o fim de seu desenvolvimento, a realizar sua
natureza social, enquanto que as outras desaparecem antes de se constituírem
definitivamente. Portanto, encontramo-nos aqui nos lindes que separam o reino
social dos remos inferiores. Os fenômenos de que se trata não são propriamente
sociais mas em vias de se tornarem sociais. Não deve, pois, surpreender que não
possam entrar exatamente nos quadros de alguma ciência. Não há dúvida de que a
sociologia não pode desinteressar-se deles, mas nao constituem seu objeto
próprio. Além disso, pela análise precedente~ de forma alguma procuramos
descobrir uma definição completa e definitiva de todos os fenômenos sociais.
Basta ter mostrado que existem fatos que merecem ser designados desta forma e
ter indicado alguns sinais pelos quais se podem reconhecer os mais importantes
dentre eles. O futuro certamente substituirá estes critérios por outros menos
defeituosos.
Da explicação sociológica
Assim a sociologia tem um objeto próprio,
visto que existem fatos propriamente sociais; resta-nos ver se satisfaz à
segunda das condições que indicamos, isto é, se há um modo de explicação
sociológico que não se confunda com algum outro. O primeiro modo de explicação
que foi metodicamente aplicado a estes fatos éaquele que por muito tempo esteve em uso naquilo que se convencionou
chamar a filosofia da história. Com efeito, a filosofia da história foi a forma
de especulação sociológica imediatamente anterior à sociologia propriamente
dita. Foi da filosofia da história que nasceu a sociologia: Comte éo sucessor
imediato de Condorcet, e este, mais do que fazer descobertas sociológicas,
construiu uma filosofia da história. O que caracteriza a explicação filosófica
é que ela supõe o homem, a humanidade em geral predisposta por sua natureza a
um desenvolvimento determinado cuja orientação toda se procura descobrir por
uma investigação sumária dos fatos históricos. Por princípiO e por método ela
negligencia, pois, o pormenor para ater-se às linhas mais gerais. Não
14 ENSAIOS DE
SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA 15
procura explicar por que, em tal espécie de sociedades, em tal
época de seu desenvolvimento, depara com tal ou tal instituição: procura
somente pesquisar em que direção tende a humanidade, assinala as etapas que
julga terem sido necessárias para aproximar-se de tal objetivo.
E inútil demonstrar a insuficiência de tal
explicação. Não só deixa de lado, arbitrariamente, a maior parte da realidade
histórica, mas como hoje não é mais possível sustentar que a humanidade segue
um caminho único e se desenvolve num único sentido, todos estes sistemas encontram-se,
só por isso, privados de fundamento. Mas as explicações que ainda hoje se
encontram em certas doutrinas sociológicas não diferem muito das precedentes,
salvo talvez na aparência. Sob o pretexto de que a sociedade só éformada por
indivíduos, procuram na natureza do indivíduo as causas determinantes pelas
quais tentam explicar os fatos sociais. Por exemplo, Spencer e Tarde procedem
desta forma. Spencer consagrou quase todo o primeiro volume de sua Sociologia
ao estudo do homem primitivo físico, emocional e intelectual; pelas
propriedades desta natureza primitiva é que explica as instituições sociais
observadas entre os povos mais antigos ou mais selvagens, instituições que em
seguida se transformam no decurso da história, de acordo com leis de
evolução muito gerais. Tarde vê nas leis da imitação os princípios
supremos da sociologia: os fenômenos sociais são modos de ação geralmente
úteis, inventados por certos indivíduos e imitados por todos os outros. Encontra-se
o mesmo procedimento de explicação em certas ciências especiais que são ou
deveriam ser sociológicas. Assim é que os economistas clássicos acham, na
natureza individual do hotno occonomicus, os princípios de uma
explicação suficiente de todos os fatos econômicos: como o homem procura
sempre a maior vantagem a preço do menor esforço, as relações econômicas deviam
ser necessariamente tais e tais. Da mesma forma, os teóricos do direito natural
buscam os caracteres jurídicos e morais da natureza humana, e as instituições
jurídicas são, a seus olhos, tentativas mais ou menos felizes para satisfazer
os rigores desta natureza; aos poucos, o homem toma consciência de si, e os
direitos positivos são realizações aproximativas do direito que ele traz em
si.
A insuficiência destas soluções aparece
claramente desde que se reconheceu que existem fatos sociais, realidades
sociais, isto é, desde que se distinguiu o objeto próprio da sociologia. Se, de
fato, os fenômenos sociais são as manifestações da vida dos grupos como
grupos, são demasiadamente complexos para que considerações relativas à natureza
humana em geral possam explicá-los. Tomemos, mais uma vez, como exemplo as
instituições do casamento e da família. As relações sexuais estão sujeitas a
regras muito
complicadas: a organização familial, muito estável numa mesma
sociedade, varia muito de uma sociedade para outra; além disso, está
estritamente ligada à organização política, à organização econômica que também
apresentam diferenças características nas diversas sociedades. Se nisto
consistem os fenômenos sociais que se trata de explicar, problemas precisos se
colocam: como se formaram os diferentes sistemas matrimoniais e domésticos? E
possível uni-los entre si, distinguir formas posteriores e formas anteriores,
apresentandose as primeiras como o produto da transformação das segundas? Se
isto é possível, como explicar estas transformações, quais são suas condições?
De que modo as formações da organização familial afetam as organizações
políticas e econômicas? De outro lado, tal regime domésfico, uma vez
constituído, como funciona? A estas perguntas, os sociÓlogos que pedem
unicamente à psicologia individual o princípio de suas explicações não podem
fornecer respostas. Efetivamente, não podem explicar estas instituições tão
múltiplas, tão variadas, a não ser unindo-as a alguns elementos muito gerais da
constituição orgânico-psíquica do indivíduo: instinto sexual, tendência a
posse exclusiva e ciumenta de uma só mulher, amor maternal e paternal, horror
ao comércio sexual entre consangüíneos, etc. Mas semelhantes explicações são,
de saída, suspeitas do ponto de vista puramente filosófico: consistem simplesmente
em atribuir ao homem os sentimentos que sua conduta manifesta, ao passo que
são precisamente estes sentimentos que deveriam ser explicados; o que se
reduz, em suma, a explicar os fenômenos pelas virtudes ocultas das substâncias,
a chama pelo flogisto e a queda dos corpos por sua gravidade. Além disso, não
determinam entre os fenômenos nenhuma relação precisa de coexistência ou de
sucessão, mas os isolam arbitrariamente e os apresentam fora do tempo e do
espaço, separados de todo meio definido. Mesmo que se considerasse como uma
exphcaçao da mono-gamia a afirmação de que este regime matrimonial satisfaz
melhor que outro os instintos humanos ou concilia melhor que outro a liberdade
e a dignidade dos dois esposos, seria ainda necessário investigar por que este
regime aparece em determinadas sociedades e não em outras, em um certo momento
e não em outro do desenvolvimento de uma sociedade. Em terceiro lugar, as
propriedades essenciais da natureza humana são as mesmas em toda parte, com
matizes e graus quase idênticos. Como poderiam explicar as formas tão variadas
que cada instituição assumiu sucessivamente? O amor paternal e maternal, os
sentimentos de afeição filial são sensivelmente idênticos entre os primitivos e
entre os civilizados; entretanto, que diferença entre a organização primitiva
da família e seu estado atual, e, entre estes extremos, que mudanças se
produziram! Enfim, as tendências
17
16 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA
indeterminadas do homem não poderiam explicar formas tão
precisas e tão completas sob as quais se apresentam sempre as realidades
históricas. O egoísmo que pode impelir o homem a apropriar-se das coisas úteis
não é a fonte destas regras tão complicadas que, em cada época da história,
constituem o direito de propriedade, regras relativas à posse e ao usufruto,
aos móveis e aos imóveis, às servidões, etc. E no entanto o direito de
propriedade in abstracto não existe. O que existe é o direito de
propriedade tal como é ou foi organizado, na França contemporânea ou em Roma
antiga, com a multidão dos princípios que o determinam. A sociologia assim
entendida só pode, pois, desta maneira, alcançar os lineamentos inteiramente
gerais, quase inapreensíveis por força da indeterminação das instituições. Se
adotarmos tais princípios, deveremos confessar que a maior parte da realidade
social, todo o pormenor das instituições, permanece inexplicado e
inexplicável. Unicamente os fenômenos que a natureza humana em geral determina,
sempre idênticos em seu fundo, seriam naturais e inteligíveis; todos os traços
particulares que dão às instituições, de acordo com os tempos e os lugares,
seus caracteres próprios, tudo aquilo que distingue as individualidades
sociais, é considerado como artificial e acidental; vê-se, nisto, quer os
resultados de invenções fortuitas, quer os produtos da atividade individual
dos legisladores, dos homens poderosos que dirigem voluntariamente as
sociedades para objetivos entrevistos por eles. E somos assim levados a pôr
fora da ciência, como ininteligíveis, todas as instituições muito determinadas,
isto é, os próprios fatos sociais, os objetos próprios da ciência sociológica.
Isto significa aniquilar, com o objeto definido de uma ciência social, a
própria ciência social, e contentar-se em pedir à filosofia e à psicologia
algumas indicações muito gerais sobre os destinos do homem que vive em
sociedade.
A estas explicações que se caracterizam por
sua extrema generalidade opõem-se aquelas que poderiam ser chamadas as
explicações propriamente históricas: isto não significa que a história não
tenha conhecido outras, mas aquelas de que vamos falar aparecem exclusivamente
nos historiadores. Obrigado pelas próprias condições de seu trabalho a
apegar-se exclusivamente a uma sociedade e a uma época determinadas, familiar
ao espírito, à língua, aos traços de caracteres particulares desta sociedade e
desta época, o historiador tem naturalmente a tendência a ver nos fatos somente
aquilo que bs distingue entre si, aquilo que lhes dá uma fisionomia própria em
cada caso isolado, numa palavra, aquilo que os torna incomparáveis. Procurando
descobrir a mentalidade dos povos cuja história estuda, é propenso a acusar de
incompreensão, de incompetência, todos aqueles que não viveram, como ele, na
intimidade destes povos. Por conseguinte, é levado a desconfiar de toda
comparação, de toda
SOCIOLOGIA
generalização.
Quando estuda uma instituição, são seus caracteres mais individuais que lhe
despertam a atenção, aqueles devidos às circunstâncias particulares nas quais
ela se constituiu ou modificou, e ela parece-lhe como que inseparável destas
circunstâncias. Por exemplo, a família patriarcal será uma coisa
essencialmente romana, o feudalismo, uma ~stituiçãO própria de nossas
sociedades medievais, etc. Deste ponto de vista, as instituições só podem ser
consideradas combinações acidentais e locais que dependem de condições
igualmente acidentais e locais. Ao passo que os filósofos e os psicólogos nos
propunham teorias pretensamente válidas para toda a ~humanidade, as únicas
exphcaçoes que os his toriadores julgam possíveis só se aplicariam a uma
sociedade determinada, considerada em certo momento preciso de sua evolução.
Não admitem que haja causas gerais atuantes em toda parte e cuja pesquisa pode
ser utilmente empreendida; assumem a tarefa de concatenar acontecimentos
particulares com acontecimentos particulares. Na realidade, supõem nos fatos
uma infinita diversidade assim como uma infinita contingência.
A este método estritamente histórico de
explicação dos fatos sociais, é mister primeiramente opor os ensinamentos
devidos ao método comparativo: desde logo a história comparada das religiões,
dos direitos e dos costumes revelou a existência de instituições
incontestavelmente idênticas entre os mais diferentes povos; é inconcebível que
se possa assinalar como causa destas concordâncias a imitação de uma sociedade
pelas outras, e no entanto é impossível considerá-las como fortuitas:
instituições semelhantes não podem evidentemente ter em determinado agrupamentO
selvagem causas locais e acidentais, e em determinada sociedade civilizada
outras causas igualmente locais e acidentais. De outro lado, as instituições de
que se trata não são apenas práticas muito gerais que teriam sido, como se
poderia pretender, inventadas naturalmente por homens em circunstâncias idênficas;
não se trata apenas de mitos importantes como aquele do dilúvio, de ritos como
aquele do sacrifício, de organizações domésticas como a família maternal, de
práticas jurídicas como a vingança do sangue; existem também lendas muito
complexas, superstições, usos totalmente particulares1 práticas tão
estranhas como as da incubação ou do levirato. Desde que se constataram estas
semelhanças, tornou-se inadmissível explicar os fenômenos comparáveis por
causas particulares de uma sociedade e de uma época; ô espírito se recusa a
considerar como fortuitas a regularidade e a semelhança.
E verdade que a história, se não mostra por
que razoes existem instituições análogas nestas civilizações aparentes,
pretende às vezes explicar os fatos concatenando-os cronologicamente entre si,
descrevendo detalhadamente as eircuns
1Y
18 ENSAIOS DE
SOCIOLOGIA
tâncias nas quais se produziu um acontecimento histórico. Mas
estas relações de pura sucessão nada têm de necessário nem de inteligível. Pois
é de forma totalmente arbitrária, de modo algum metódica, e por conseguinte
completamente irracional, que os historiadores atribuem um acontecimento a
outro acontecimento que denominam sua causa. Com efeito, os processos indutivos
só são aplicáveis lá onde uma comparação é fácil. A partir do momento em que
pretendem explicar um fato único por outro fato único, a partir do momento em
que não admitem que haja entre os fatos vínculos necessários e constantes, os
historiadores só podem perceber as causas por uma intuição imediata, operação
que escapa a toda regulamentação assim como a todo o controle. Segue-se daí que
a explicação histórica, incapaz de fazer compreender as semelhanças observadas,
é também incapaz de explicar um acontecimento particular; só oferece à inteligência
fenômenos ininteligíveis porque são concebidos como singulares, acidentais e
arbitrariamente concatenados.
Totalmente outra é a explicação
propriamente sociológica, tal como deve ser concebida se aceitarmos a definição
que propusemos do fenômeno social. Primeiramente não dá apenas como tarefa
alcançar os fenômenos mais gerais da vida social. Entre os fatos sociais não há
lugar para distinções entre aqueles que são mais ou menos gerais. O mais geral
é tão natural quanto o mais particular, ambos são igualmente explicáveis. Por
isso, todos os fatos que apresentam os caracteres indicados como sendo os do
fato social podem e devem ser objetos de pesquisas. Existem fatos que o
sociólogo não pode atualmente integrar num sistema, mas não há fatos que ele
tenha o direito de pôr, a priori, fora da ciência e da explicação. A
sociologia assim entendida não é, pois, uma visão geral e longínqua da
realidade coletiva, mas é uma análise mais profunda desta realidade e quanto
possível completa. Obriga-se ao estudo do pormenor com uma preocupação de exatidão
tão grande como aquela do historiador. Não há fato, por mais insignificante
que seja, que ela possa negligenciar como despido de interesse científico. E
desde já podem-se citar fatos que pareciam de mínima importância e que são no
entanto sintomáticos de estados sociais essenciais que podem ajudar a
compreender. Por exemplo, a ordem sucessorial está em íntima relação com a
constituição da família; e, não somente não é um fato acidental que a partilha
seja feita por estirpes ou por cabeças, mas ainda estas duas formas de partilha
correspondem a tipos de família muito diferentes. Do mesmo modo, o regime
penitenciário de uma sociedade é extremamente interessante para quem quer
estudar o estado da opinião referente à pena nesta sociedade.
De outro lado, enquanto os historiadores
descrevem os fatos sem explicá-los, a bem dizer a sociologia assume
SOCIOLOGIA
a tarefa de dar-lhes uma explicação satisfatória para a razão.
Procura encontrar entre os fatos não relações de simples sucessão, mas relações
inteligíveis. Quer mostrar como os fatos sociais se produziram e quais as
forças de que resultam. Deve, pois, explicar fatos definidos por suas causas
determinantes, próximas e imediatas, capazes de produzidos. Por conseguinte1
não se contenta, como fazem certos soeiólogos, com indicar causas muito
gerais e muito remotas, em todo caso insuficientes e sem relação direta com os
fatos. Visto que os fatos sociais são específicos, só podem ser explicados por
causas da mesma natureza que eles. Portanto, a explicação sociológica procede
partindo de um fenômeno social para outro. Só estabelece relação entre
fenômenos sociais. Assim mostrar-nos-á como as instituições se geram umas às
outras; por exemplo, como o culto dos antepassados se desenvolveu sobie o fundo
dos ritos funerários. Outras vezes, perceberá verdadeiras coalescências de
fenômenos sociais: por exemplo, a noção tão difundida do sacrifício do Deus é
explicada por uma espécie de fusão que se operou entre certos ritos sacrificais
e certas noções míticas. Às vezes são fatos de estrutura social que se concatenam
entre si; por exemplo, pode-se relacionar a formação das cidades aos
movimentos migratórios mais ou menos vastos de aldeias a cidades, de distritos
rurais a distritos industriais, aos movimentos de colonização, ao estado das
comunicações, etc. Ou então é pela estrutura das sociedades de um tipo
determinado que se explicam certas instituições determinadas, por exemplo a
disposição em cidades produz certas formas da propriedade do culto, etc.
Mas como os fatos sociais se produzem assim
uns aos outros? Quando dizemos que instrtuiçoes produzem instituições por via
de desenvolvimento, de coalescência, etc., não significa que as concebemos como
tipos de realidades autônomas capazes de ter por si mesmas uma eficácia
misteriosa de um gênero particular. Da mesma forma, quando referimos à forma
dos grupos tal ou tal prática social, não significa que consideramos como possível
que a repartição geográfíca dos indivíduos afete a vida social diretamente e
sem intermediário. As instituições só existem nas representações que a
sociedade faz delas. Toda sua força viva lhes vem dos sentimentos de que são
objeto; se são fortes e respeitadas, é porque estes sentimentos são vivazes; se
cedem, é porque perderam toda a autoridade junto às consciências. Do mesmo
modo, se as mudanças da estrutura social agem sobre as ~nstituiçoe5, e porque
elas modificam o estado das idéias e das tendências de que são objeto; por
exemplo, se a formação da cidade acentua fortemente o regime da família
patriarca1, é porque este complexo de idéias e de sentimentos que
constitui a vida da família muda necessariamente à medida que a cidade
20 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA
21
SOCIOLOGIA
se fecha. Para empregar a linguagem corrente, poder-se-ia
dizer que toda a força dos fatos sociais lhes advém da opinião. E a opinião que
dita as regras morais e que, direta ou indiretamente, as sanciona. E pode-se
mesmo dizer que toda mudança nas instituições é, no fundo, uma mudança na
opinião: é porque os sentimentos coletivos de compaixão para com o criminoso
entram em luta com os sentimentos coletivos que reclamam a pena que o regime
penal se ameniza progressivamente~ Tudo se passa na esfera da opinião pública;
mas esta é propriamente aquilo que chamamos o sistema das representações
coletivas. Os fatos sociais são, pois, causas porque são representações ou
atuam sobre as representações. O fundo íntimo da vida social é um conjunto de
representações.
Neste sentido, portanto, poder-se-ia dizer
que a sociologia é uma psicologia. Aceitaríamos esta fórmula, mas com a
condição expressa de acrescentar que esta psicologia éespeeificamente distinta
da psicologia individual. Efetivamente, as representações de que trata a
primeira são de natureza totalmente diversa daquelas de que trata a segunda. E
o que se deduz daquilo que dissemos a propósito dos caracteres do fenômeno
social, porque é evidente que fatos que possuem propriedades tão diferentes não
podem ser da mesma espécie. 1-Já, nas consciências, representações coletivas
que são distintas das representações individuais. Sem dúvida, as sociedades só
são constituídas de indivíduos e, por conseguinte, as representações coletivas
só são devidas à maneira pela qual as consciências individuais podem agir e
reagir umas sobre as outras no seio de um grupo constituido. Mas estas açoes e
estas reações produzem fenômenos psíquicos de um gênero novo que são capazes
de evoluir por si mesmos, de se modificar mutuamente e cujo conjunto forma um sistema
definido. Não somente as representações coletivas são feitas de outros
elementos que não as representações individuais, mas ainda têm na realidade
outro objeto. Aquilo que exprimem, efetivamente, éo próprio estado da
sociedade. Enquanto os fatos de consciência do indivíduo exprimem sempre de
maneira mais ou menos remota um estado do organismo, as representações
coletivas exprimem sempre, em certo grau, um estado de grupo social: traduzem
(ou, para empregar a língua filosófica, “simbolizam”) sua estrutura atual, a
maneira pela qual reage diante de tal ou tal acontecimento, o sentimento que
tem de si mesmo ou de seus próprios interesses. A vida psíquica da sociedade é,
pois, feita de matéria totalmente diversa daquela do indivíduo.
Isto não significa, todavia, que haja entre
elas uma solução de continuidade. Sem dúvida, as consciências de que é formada
a sociedade estão aí combinadas sob formas novas de onde resultam as realidades
novas. Não é menos
verdade que se pode passar dos fatos de consciência individual
às representações coletivas por uma série contínua de transições. Percebe-se
facilmente alguns dos intermediários: do individual passa-se insensivelmente à
sociedade, por exemplo quando seriamos os fatos de imitação epidêmica, de
movimentos de multidões, de alucinação coletiva, etc. Inversamente, o social
torna-se individual. Só existe nas consciências individuais, mas cada
consciência não tem mais do que uma parcela deste social. E mesmo esta
impressão das coisas sociais é alterada pelo estado particular da consciência
que as recebe. Cada qual fala a seu modo sua língua materna, cada autor acaba
por constituir sua própria sintaxe, seu léxico preferido. Da mesma forma, cada
indivíduo faz sua moral, tem sua moralidade individual. De igual modo, cada um
reza e adora de acordo com seus pendores. Mas estes fatos não são explicáveis
se apelarmos, para compreendê-los, exclusivamente para os fenômenos individuais;
ao contrário, são explicáveis se partirmos dos fatos sociais. Tomemos, para
nossa demonstração, um caso preciso de religião individual, o do totemismo
individual. Em primeiro lugar, de certo ponto de vista, estes fatos permanecem
ainda sociais e constituem instituições: é um artigo de fé em certas tribos que
cada indivíduo tem seu próprio totem; da mesma forma, em Roma, cada cidadão tem
seu genius, no catolicismo cada fiel tem um santo como patrono. Mas há
mais: estes fenômenos provêm simplesmente do fato de que uma instituição
socialista *
se refratou e desfigurou
nas consciências particulares. Se, além de seu totem de clã, cada guerreiro
possui seu totem individual, se um se julga parente dos lagartos, ao passo que
outro se sente associado aos corvos, é porque cada indivíduo constituiu seu
próprio totem à imagem do totem do clã.
Vê-se agora o que entendemos com a
expressão representações coletivas e em que sentido podemos dizer que os
fenômenos sociais podem ser fenômenos de consciência, sem ser por isso
fenômenos da consciência individual. Vimos também que gêneros de relações existem
entre os fenômenos sociais. Estamos agora em condições de precisar mais a
fórmula que demos acima da explicação socíológica, quando dissemos que ela ia
de um fenômeno social a outro fenômeno social. Pudemos entrever, pelo que
precede, que existem duas grandes ordens de fenômenos sociais: os fatos de
estrutura social, isto é, as formas do grupo, a maneira pela qual os elementos
são aí dispostos; e as representações coletivas nas quais são dadas as
instituições. Isto posto. pode-se dizer que toda explicação sociológica entra
num dos três quadros seguintes: 1.0 ou ela
une uma representação coletiva a uma representação coletiva, por exemplo a com
* Socialiste,
em
francês, mas o adjetivo é aqui empregado sem qualquer conotação ideológica. (N.
da E.)
Li
SOCIOLOGIA
ENSAIOS DE SOCIOLOGIA
posição penal à vingança privada; 2.0 ou une uma representação coletiva a um
fato de estrutura social como àsua causa; assim, vê-se na formação das cidades
a causa da formação de um direito urbano, origem de boa parte de nosso sistema
da propriedade; 3? ou une fatos de estrutura social a representações coletivas
que as determinaram: assim, certas noções míticas dominaram os movimentos
migratórios dos hebreus, dos árabes do Islã; o fascínio que exercem as grandes
cidades é uma causa da emigração dos campônios.
— Pode
parecer, é verdade, que tais explicações giram num círculo, visto que as formas
do grupo são aí representadas, ora como efeitos, ora como causas das
representações coletivas. Mas este círculo, que é real, não implica nenhuma
petição de princípios: é o das próprias coisas. Nada é tão inútil como
perguntar se foram as idéias que suscitaram as sociedades ou se foram as
sociedades que, uma vez formadas, deram origem às idéias coletivas. Trata-se
de fenômenos inseparáveis, entre os quais não cabe se estabelecer uma primazia
lógica ou cronológiea.
Portanto, a explicação sociológica assim
entendida não merece, em grau algum, a censura de materialista que às vezes lhe
foi assacada. Em primeiro lugar, ela independe de toda metafísica, materialista
ou não. Ademais, na realidade, atribui uma função preponderante ao elemento
psíquico da vida social, crenças e sentimentos coletivos. Mas, de outro lado,
escapa aos defeitos da ideologia. Pois as representações coletivas não devem
ser concebidas como se se desenvolvessem por si mesmas, em virtude de uma
espécie de dialética interna que as obrigaria a depurarem-se sempre mais, a se
aproximarem de um ideal de razão. Se a família, o direito penal mudaram, não
foi em conseqüência dos processos racionais de um pensamento que, aos poucos,
retificaria espontaneamente seus erros primitivos. As opiniões, os sentimentos
da coletividade só mudam se os estados sociais de que dependem também mudaram.
Assim, não éexplicar uma transformação social qualquer, por exemplo a passagem
do politeísmo ao monoteísmo, fazer ver que ela constitui um progresso, que é
mais verdadeira ou mais moral, porque a questão é precisamente saber o que
determinou a religião a tornar-se assim mais verdadeira ou mais moral, isto é,
na realidade, a tornar-se aquilo que se tornou. Os fenômenos sociais não são
mais automotores do que os outros fenômenos da natureza. A causa de um fato
social deve sempre ser procurada fora deste fato. Isto significa que o
sociólogo não tem como objeto encontrar não sabemos que lei de progresso, de
evolução geral que dominaria o passado e predeterminaria o futuro. Não há uma
lei única, universal, dos fenômenos sociais. Há uma multidão de leis de
inegável generalidade. Explicar, em sociologia, como em toda ciência, é, pois,
descobrir leis mais
ou menos fragmentária5~ isto é, ligar fatos definidos segundo
~elaçõe5 definidas.
2. MIITODO
DA SOCIOLOGIA
Os ensaios sobre o método da sociologia
abundam na literatura sociológica. Em geral, encontram-se mesclados com todos
os tipos de considerações filosóficas sobre a sociedade, o Estado, etc. As
primeiras obras onde o método da sociologia foi estudado de maneira apropriada
são as de Comte e de Stuart Mill. Mas, qualquer que seja sua importância~ as
observações metodologicas destes dois filósofos
ainda conservavam, como a ciência que pretendiam fundar, uma extrema
generalidade. Recentemente, Durkheim procurou definir mais exatamente a maneira
pela qual a sociologia deve proceder no estudo dos fatos particulares.
Sem dúvida, não se trata de formular
completa e definitivamente as regras do método sociológico. Porque um método
só se distingue abstratamente da própria ciência. Ele não se articula e não se
organiza a nao ser a medida dos progressos desta ciência. Propomo-n05 somente
analisar um certo número de processos científicos já sancionados pelo uso.
Definição
Como toda ciência, a sociologia deve
começar o estudo de cada problema por uma definição. Antes de tudo, émister indicar
e delimitar o campo da pesquisa a fim de saber de que se fala. Estas definições
são prévias, e, por isso, provisórias. Não podem nem devem exprimir a essência
dos fenômenos a estudar, mas simplesmente designá-los clara e distintamente.
Todavia, por mais exteriores que elas sejam, nem por isso são menos
mdtspensaveis. Na falta de definições, toda ciência se expõe a confusões e a
erros. Sem elas, no transcurso de um mesmo trabalho, um sociólogo dará
diferentes sentidos a um mesmo termo. Agindo desta forma cometerá graves
equívocos: assim, no que se refere à teoria da família, muitos autores empregam
indiferentemente os termos tribo, aldeia, clã, para designar uma só e mesma
coisa. Além disso, sem definiçoes e impossivel haver entendimento entre cientistas
que discutem sem falar todos do mesmo assunto. Boa parte dos debates levantados
pela teoria da família e do casamento provêm da ausência de definições: assim,
uns chamam monogamia aquilo que outros não designam com o mesmo nome; uns
confundem o regime jurídico que a monogamia exige com a simples monogamia de
fato; outros, ao contrário, distinguem estas duas ordens de fatos, na realidade
muito diferentes.
24 ENSAIOS DE
SOCIOLOGIA
25
SOCIOLOGIA
Naturalmente, definições deste gênero são
construídas. Reúne-se e designa-se nelas um conjunto de fatos cuja similaridade
fundamental se prevê. Mas não são construídas a priori; são o resumo de
um primeiro trabalho, de uma primeira visão rápida dos fatos, cujas qualidades
comuns se distinguem. Elas têm sobretudo como objeto substituir as noções do
senso comum por uma primeira noção científica. E que, na verdade, é preciso,
antes de tudo, desembaraçar-se dos preconceitos correntes, mais perigosos em
sociologia do que em qualquer outra ciência. Não se deve estabelecer sem
exame, como definição científica, uma classificação usual. Muitas idéias ainda
em uso em muitas ciências sociais não parecem baseadas nem na razão nem nos
fatos e devem ser banidas de uma terminologia racional; por exemplo, a noção
de paganismo e mesmo aquela de feitieismo não correspondem a nada de real.
Outras vezes, uma pesquisa séria leva a reunir aquilo que o vulgo separa, ou a
distinguir aquilo que o vulgo confunde. Por exemplo, a ciência das religiões
reuniu num mesmo gênero os tabus de impureza e os de pureza, porque todos são
tabus; ao contrário, distinguiu cuidadosamente os ritos funerários e o culto
dos antepassados.
Estas definições serão tanto mais exatas e
mais positivas se nos esforçarmos mais por distinguir as coisas por seus
caracteres objetivos. Chamam-se caracteres objetivos os caracteres que tal ou
tal fenômeno social tem em si mesmo, isto é, aqueles que não dependem de nossos
sentimentos e de nossas opiniões pessoais. Assim, não é por nossa idéia mais ou
menos lógica do sacrifício que devemos definir este rito, mas pelos caracteres
exteriores que apresenta, como fato social e religioso, exterior a nós,
independente de nós. Concebida deste modo, a definição torna-se um momento importante
da pesquisa. Estes caracteres pelos quais se define o fenômeno social a
estudar, ainda que exteriores, nao correspondem menos aos caracteres essenciais
que a análise discernirá. Por isso, definições felizes podem nos pôr no caminho
de importantes descobertas. Quando se define o crime como um ato atentatório
aos direitos dos indivíduos, os únicos crimes são os atos atualmente tidos como
tais: o homicídio, o roubo, etc. Quando o crime édefinido como um ato que
provoca uma reação organizada da coletividade, é-se levado a compreender na
definição todas as formas verdadeiramente primitivas do crime, em particular a
violação das regras religiosas, do tabu, por exemplo.
Enfim, estas definições prévias constituem
uma garantia científica de primeira ordem. Urna vez estabelecidas, obrigam e
ligam o sociólogo. Elas iluminam todos os seus passos, permitem a crítica e a
discussão eficaz. Porque, graças a elas, todo um conjunto de fatos bem
designados se impõe
ao estudo, e a explicação deve levar em consideração todos
eles. Afastam-se assim todas estas argumentações caprichosas em que o autor
passa, a seu bel-prazer, de um assunto a outro, toma suas provas às mais
heterogêneas categorias. Ademais, evita-se uma falha que cometem ainda os
melhores trabalhos de sociologia, por exemplo o de Frazer sobre o totemismo.
Esta falha é a de haver reunido unicamente os fatos favoráveis à tese e em não
ter pesquisado suficientemente os fatos contrários. Em geral, não há
suficiente preocupação com a integração de todos os fatos numa teoria; só são
reunidos aqueles que se sobrepõem exatamente. Ora, com boas definições
iniciais, todos os fatos sociais de uma mesma ordem se apresentam e se impõem
ao observador, e fica-se na obrigação de explicar não apenas as concordâncias,
mas também as diferenças.
Observação dos Jatos
Como vimos, a definição supõe uma primeira
visão geral dos fatos, uma espécie de observação provisória. E preciso falar
agora da observação metódica, isto é, daquela que estabelece cada um dos fatos
enunciados. A observação dos fatos sociais não é, como se poderia crer à
primeira vista, um puro processo narrativo. A sociologia deve fazer mais do que
descrever os fatos, deve, na realidade, constituí-los. Em primeiro lugar, como
em qualquer outra ciência, em sociologia não existem fatos brutos passíveis,
por assim dizer, de serem fotografados. Toda observação científica refere-se a
fenômenos metodicamente escolhidos e isolados dos outros, isto é, abstraídos.
Os fenômenos sociais, mais do que todos os outros, não podem ser estudados de
uma vez em todos os seus detalhes, em todas as suas relações. São demasiado
complexos para que não se proceda por abstrações e por divisões sucessivas das
dificuldades. Mas a observação sociológica, se abstrai os fatos, não é menos escrupulosa
e cuidadosa em estabelecê-los exatamente. Ora, os fatos sociais são muito
difíceis de serem captados e desenvedados através dos documentos. E ainda mais
delicado analisá-los, e, em alguns casos, de dar-lhes mensuraçoes
aproximativas. São, pois, necessários processos especiais e rigorosos de
observação; são necessários, para usar a linguagem habitual, métodos críticos.
O emprego destes métodos varia naturalmente com os fatos variados que a soemlogia
observa. Assim é que existem meios diferentes para analisar um rito religioso e
para descrever a formação de uma cidade. Mas o espírito, o método do trabalho
permanecem idênticos, e só é possível classificar os métodos críticos de
acordo com a natureza dos documentos aos quais se aplicam: existem os
documentos estatísticos, quase todos modernos, recentes, e os documentos
históricos. Os nume
26 ENSAIOS DE
SOCIOLOGIA
27
rosos problemas levantados pela utilização destes documentos
são bastante diferentes, ao mesmo tempo que bastante análogos.
Em todo trabalho que se apóia em documentos
estatísticos é importante, indispensável, expor cuidadosamente a maneira pela
qual se chegou aos dados de que se lança mão. Porque, no estado atual das
diversas estatísticas judiciárias, econômicas, demográficas, etc., cada
documento exige a mais severa crítica. Consideremos, com efeito, os documentos
oficiais, que, em geral, oferecem mais garantias. Estes mesmos documentos devem
ser examinados em todos os seus detalhes, e é mister conhecer bem os princípios
que presidiram sua confecção. Sem minuciosas precauções, corre-se o risco de
chegar a dados falsos: assim, é impossível usar as informações estatísticas
sobre o suicídio da Inglaterra, porque, neste país, para evitar os rigores da
lei, a maior parte dos suicídios são declarados sob o nome de morte em
conseqüência de loucura; a estatística é, assim, viciada em seu fundamento.
Ademais, é mister ter o cuidado de reduzir a fatos comparáveis os dados de
origens diversas de que se dispõe. Por não haverem procedido desta maneira,
muitos trabalhos de sociologia moral, por exemplo, contêm graves erros.
Compararam-se números que não têm de modo algum a mesma significação nas
diversas estatísticas européias. Com efeito, as estatísticas são baseadas nos
códigos, e os diversos códigos não têm nem a mesma classificação nem a mesma
nomenclatura; por exemplo, a lei inglesa não distingue o homicídio por
imprudência do homicídio voluntário. Além disso, como toda observação
científica, a observação estatística deve procurar ser a mais exata e a mais
detalhada possível. Efetivamente, com freqüência o caráter dos fatos muda
quando uma observação geral é substituída por uma análise cada vez mais
precisa; assim um mapa, por distritos, do suicídio em França, leva a observar
fenômenos diferentes daqueles que aparecem num mapa por departamentos.
No que se refere aos documentos históricos
ou etnológicos, a sociologia deve adotar, grosso modo, os processos da
“crítica histórica”. Não pode servir-se de fatos inventados e, por
conseguinte, deve estabelecer a verdade das informações de que se serve. Estes
processos de crítica são de um emprego tanto mais necessário quanto os
sociólogos foram censurados com freqüência, e não sem razão, por sua
negligência em empregá-los; utilizaram-se, por exemplo, sem muito
discernimento, as informações dos viajantes e dos etnógrafos. O conhecimento
das fontes, uma crítica severa teriam permitido aos sociólogos dar uma base
incontestável às suas teorias referentes às formas elementares da vida social.
Aliás, pode-se esperar que os progressos da história e da etnografia
facilitarão sempre mais o trabalho, fornecendo informações incontestáveis. A
sociologia só pode espe
SOCIOLOGIA
rar vantagens dos processos destas duas
disciplinas. Mas, ainda que o sociólogo tenha as mesmas exigências críticas do
historiador, deve conduzir sua crítica segundo princípios diferentes, visto que
estuda os fatos num outro espírito, em vista de outro objetivo. Primeiramente,
só observa, na medida do possível, os fatos sociais, os fatos profundos; e
sabe-se quão recentes são preocupações deste gênero nas ciências históricas,
onde há falta, por exemplo, de numerosas e boas histórias da organização
econômica mesmo em nossos países. Depois, a sociologia não faz aos fatos
perguntas insolúveis e cuja solução só ofereça, além disso, escasso valor
explicativo. Assim, na ausência de monumentos certos, não é indispensável
datar com exatidão o Ríg-Veda: a coisa é impossível e, no fundo, indiferente.
Não há necessidade de conhecer a data de um fato social, de um ritual de
orações para servir-se dele em sociologia, contanto que se conheçam seus
antecedentes, seus concomitantes e seus conseqüentes, numa palavra, todo o
quadro social que o cerca. Enfim, o sociólogo não pesquisa exelusivamente o
detalhe singular de cada fato. Depois de terem feito sobretudo a biografia de
grandes homens e de tiranos, os historiadores tentam, agora, sobretudo fazer
biografia coletiva. Detêm-se nos matizes particulares dos costumes, das
erenças de cada grupo, pequeno ou grande. Procuram aquilo que separa, aquilo
que singulariza, e tendem a descrever aquilo que há, de certo modo, de inefável
em cada civilização; por exemplo, crê-se geralmente que o estudo da religião
védica é reservado unicamente aos sanscritistas. O sociólogo, ao contrário,
procura encontrar nos fatos sociais aquilo que é geral e, ao mesmo tempo,
aquilo que é característico. Para ele, uma observação
bem conduzida deve dar um resíduo definido, uma expressão suficientemente
adequada do fato observado. Para servir-se de um fato social determinado não é
necessário o conhecimento integral de uma história, de uma língua, de uma
civilização. O conhecimento relativo, mas exato, deste fato é suficiente para
que possa e deva entrar no sistema que a sociologia quer edificar. Porque, se
em numerosos casos é ainda indispensável para o sociólogo remontar às últimas
fontes, a falha não é devida aos fatos, mas aos historiadores que não souberam
fazer sua verdadeira análise. A sociologia exige observações seguras,
impessoais, utilizáveis para quem quer que venha a estudar fatos da mesma
ordem. O pormenor e o âmbito de todos os fatos são infinitos, e ninguém nunca
poderá esgotá-los; a história pura jamais deixará de descrever, de matizar, de
circunstanciar. Ao contrário, uma observação sociológica feita com cuidado, um
fato bem estudado, analisado em sua integridade, perde quase toda data,
exatamente como uma observação de médico, uma experiência extraordinária de
laboratório. O fato social,
28 ENSAIOS DE
SOCIOLOGIA
29
cientificamente descrito, torna-se um elemento de ciência, e
deixa de pertencer a tal ou tal país, a tal ou tal época. Está por assim dizer
colocado, por força da observação científica, fora do tempo e fora do espaço.
Sistematização dos Jatos
A sociologia não especula, como não o faz
qualquer outra ciência, sobre puras idéias e não se limita a registrar os
fatos. Tende a dar-lhes um sistema racional. Procura determinar suas relações
de modo a torná-los inteligíveis. Resta-nos falar dos processos pelos quais
estas relações podem ser determinadas. Algumas vezes, aliás mui raramente,
encontramo-los por assim dizer inteiramente estabelecidos. Com efeito, existem
em sociologia, como em toda ciência, fatos tão típicos que basta analisá-los
devidamente para descobrir logo certas relações insuspeitadas. Foi um fato
deste gênero que Fison e Howitt encontraram, quando lançaram nova claridade
sobre as formas primitivas da família, explicando o sistema do parentesco e das
classes exogâmicas em certas tribos australianas. Mas, em geral, não atingimos
diretamente, pela simples observação, fatos cruciais. IS necessário, pois,
empregar todo um conjunto de processos metódicos especiais para estabelecer as
relações que existem entre os fatos. Aqui a sociologia se encontra num estado
de inferioridade com relação a outras ciências. A experimentação não é
possível; não se pode suscitar, voluntariamente, fatos sociais típicos para, em
seguida, estudá-los. IS mister, pois, recorrer à comparação dos diversos fatos
sociais de uma mesma categoria em diversas sociedades, a fim de procurar
depreender sua essência. No fundo, uma comparação bem conduzida pode dar, em
sociologia, resultados equivalentes aos de uma experimentação. Procede-se mais
ou menos como os zoólogos, como procedeu particularmente Darwin. Este não pôde,
salvo para uma única exceção, realizar verdadeiras experiências e criar
espécies variadas; teve de fazer um quadro geral dos fatos que conhecia
referentes à origem das espécies; e foi da comparação metódica destes fatos que
deduziu suas hipóteses. Da mesma forma, em sociologia, Morgan, tendo
constatado a identidade do sistema familial iroquês, havaiano, fidji, etc.,
pôde formular a hipótese do clã por descendência materna. Aliás, em geral,
quando a comparação foi manejada por verdadeiros cientistas, sempre deu bons
resultados em matéria de fatos sociais. Mesmo quando não deixou resíduo
teórico, como nos trabalhos da escola inglesa antropológica, ao menos
conseguiu levantar uma classificação geral de grande número de fatos.
Quanto ao mais, a gente se esforça e é
preciso esforçar-se por tornar a comparação sempre mais exata. Certos
autores, entre outros Tylor e Steinmetz, chegaram mesmo
SOCIOLOGIA
a
propor e a empregar, o primeiro a propósito de casamento, o segundo a propósito
da pena e do endocanibalismo, um método estatístico. As concordâncias e as
diferenças entre os fatos constatados são aí expressas em números. Mas os
resultados deste método estão longe de serem satisfatórios, pois se nomeiam
fatos colhidos das sociedades mais diversas e mais heterogêneas, e registrados
em documentos de valor totalmente desigual. Atribui-se assim excessiva
importância ao número das experiências, dos fatos acumulados. Demonstra-se
pouco interesse pela qualidade destas experiências, por sua certeza, pelo
valor demonstrativo e pela comparabilidade dos fatos. Provavelmente é
preferível renunciar a tais pretensões de exatidão, e é melhor ater-se a comparações
elementares, mas severas. Em primeiro lugar, éimportante só aproximar fatos da
mesma ordem, isto é, fatos que entram na definição estabelecida no começo do
trabalho. Assim, será conveniente, na teoria da família, a propósito do clã,
reunir apenas fatos de clã e não reunir com eles informações etnográficas que
na realidade se referem à tribo e ao grupo local, com freqüência confundidos
com o clã. Em segundo lugar, é preciso alinhar os fatos assim reunidos em
séries cuidadosamente constituídas. Em outras palavras, dispõem-se as diferentes
formas que apresentam segundo uma ordem determinada, seja uma ordem de
complexidade crescente ou decrescente, seja uma ordem qualquer de variação. Por
exemplo, numa teoria da família patriarcal, colocar-se-á a família hebraica
debaixo da família grega, esta debaixo da família romana. Em terceiro lugar,
diante desta série, dispõem-se outras séries, constituídas da mesma maneira,
compostas de outros fatos sociais. E é das relações que se percebem entre estas
diversas espécies que se vêem desprenderem-se as hipóteses. Por exemplo, é
possível ligar a evolução da família patriarcal à evolução da cidade:
dos hebreus aos gregos, destes aos romanos; no próprio direito
romano, vê-se o poder paterno crescer à medida que a cidade se fecha.
Caráter científico das
hipóteses sociológicas
Chega-se assim a inventar hipóteses e a
verificá-las, com a ajuda de fatos bem observados, para um problema bem
definido. Naturalmente estas hipóteses não são forçosa-mente justas; bom número
daquelas que hoje nos parecem evidentes serão abandonadas um dia. Mas se não
trazem este caráter de verdade absoluta, trazem todas os caracteres de
hipóteses científicas. Em primeiro lugar, são verdadeiramente explicativas;
dizem o porquê e o como das coisas. Aí não se explica uma regra jurídica como
aquela da responsabilidade civil pela clássica “vontade do legislador ou pelas
“virtudes” gerais da natureza humana que teriam
3(1 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA
31
SOCIOLOGIA
racionalmente criado esta instituição. IS explicada por toda a
evolução do sistema da responsabilidade. Em segundo lugar, elas têm este
caráter de necessidade e, por conseguinte, de generalidade que é o da indução
metódica e que talvez permita até, em alguns casos, a previsão. Por exemplo,
pode-se quase estabelecer como lei que as práticas rituais tendem a
rarefazer-se e a espiritualizar-se no decurso do desenvolvimento das religiões
universais. Em terceiro lugar, e aí está, em nossa opinião, o ponto mais
importante, tais hipóteses são eminentemente criticáveis e veríficaveis.
Pode-se, num verdadeiro trabalho de sociologia, criticar cada um dos pontos
tratados. Estamos longe desta poeira impalpável dos fatos ou destas
fantasmagorias de idéias e de palavras que o público com freqüência aceita por
sociologia, mas onde não há idéias precisas nem sistema racional nem estudo
cerrado dos fatos. A hipótese torna-se um elemento de discussão precisa;
pode-se contestar, retificar o método, a definição inicial, os fatos invocados,
as comparações estabelecidas; de tal sorte que há aí, para a ciência,
progressos possíveis.
Aqui, é preciso prever uma objeção.
Ter-se-ia a tentação de dizer que a sociologia, antes de se edificar, deve
fazer um inventário total de todos os fatos sociais. Assim, pedir-se-ia ao
teórico da família que tivesse feito o exame completo de todos os documentos
etnográficos, históricos, estatísticos, relativos a esta questão. Devem-se
temer tendências deste gênero em nossa ciência. A timidez diante dos fatos é
tão perigosa como a excessiva audácia, as abdicações do empirismo tão funestas
como as generalizações apressadas. Primeiramente, se a ciência requer exames
dos fatos sempre mais completos, em parte alguma exige um inventário total,
aliás impossível. O biólogo não esperou observar todos os fatos de digestão, em
todas as séries de animais, para tentar as teorias da digestão. O sociólogo
deve fazer o mesmo; também ele não tem necessidade de conhecer a fundo todos
os fatos sociais de uma determinada categoria para elaborar a teoria. Deve
passar imediatamente à obra. A conhecimentos provisórios, mas cuidadosamente
enumerados e precisados, correspondem hipóteses provisórIas. As generalizações
feitas, os sistemas propostos, valem momentaneamente para todos os fatos
conhecidos e desconhecidos da mesma ordem que os fatos explicados. Tem-se a
liberdade de modificar as teorias à medida em que novos fatos chegam a ser
conhecidos ou à medida em que a ciência, todos os dias mais exata, descobre
novos aspectos nos fatos conhecidos. Fora destas aproximações sempre mais cerradas
dos fenômenos, só há lugar para discussões dialéticas ou enciclopédias
eruditas, ambas sem verdadeira utilidade, visto que não propõem explicação
alguma. E, além disso, se o trabalho de indução foi feito com método,
não é possível que os resultados aos quais o sociólogo chega
sejam despidos de toda realidade. As hipóteses exprimem fatos, e, por
conseguinte, possuem sempre ao menos uma parcela de verdade: a ciência pode
completá-las, retificá-las, transformá-las, mas nunca deixa de utilizá-las.
3. DIVISÃO DA SOCIOLOGIA
A sociologia pretende ser uma ciência e
ligar-se à tradição científica estabelecida. Mas não é menos livre face às
classificações existentes. Pode repartir o trabalho de maneira diversa daquela
posta em prática até aqui.
Em primeiro lugar, a sociologia considera
como seu um certo número de problemas que, até aqui, dependiam de ciências que
não são “ciencias sociais”. Decompõe estas ciências, abandonando-lhes aquilo
que é seu objeto próprio e retém todos os fatos de ordem exclusivamente social.
Assim é que a geografia tratava até hoje das questões de fronteira, de vias de
comunicação, de densidade social, etc. Ora, estas não são questões de
geografia, mas questões de sociologia, visto que não se trata de fenômenos
cósmicos, mas de fenômenos referentes à natureza das sociedades. Da mesma
forma, a sociologia apropria-se dos resultados já adquiridos pela antropologia
criminal referentes a um certo número de fenômenos que são, não fenômenos
somáticos, mas fenômenos sociais.
Em segundo lugar, entre as ciências às
quais ordinariamel]te se dá o nome de “ciências sociais”, algumas há que, para
falar com propriedade, não são ciências. Não têm mais do que uma unidade
fictícia, e a sociologia deve dissociá-las. IS o caso da estatística e da
etnografia, ambas consideradas como formando ciências à parte, quando não fazem
mais do que estudar, de acordo com seus respectivos processos, os fenômenos
mais diversos, na realidade dependentes de diferentes partes da sociologia. A
estatística, como vimos, não é senão um método para observar fenômenos variados
da vida social moderna. Hoje, a estatística estuda, indiferentemente, fenômenos
sociais, morais e econômicos Em nossa opinião, não deve haver aí estatísticos,
mas soeiólogos que, para estudar os fenômenos morais, econômicos, para
estudar os grupos, fazem estatística moral, econômica, demográfica, etc. O
mesmo acontece com a etnografia. Esta tem, como única razão de sua existência,
a tarefa de consagrar-se ao estudo dos fenômenos que se passam em nações ditas
selvagens. Estuda indiferentemente os fenômenos morais, jurídicos, religiosos,
as técnicas, as artes, etc. A sociologia, ao contrário, não distingue naturalmente
entre as instituições das populações “selvagens” e aquelas das naeões
“bárbaras” ou “civilizadas”. Faz entrar em suas definições os fatos mais
elementares e os fatos
32 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA 33
mais evoluídos. E, por exemplo, num estudo da família ou da
pena, ver-se-á obrigada a considerar tanto os fatos “etnográficos” como os
fatos “históricos”, que são todos da mesma maneira fatos sociais e que só
diferem pelo modo como são observados.
Em contrapartida, a sociologia adota e faz
suas as grandes divisões, já percebidas pelas diversas ciências comparadas das
instituições de que pretende ser herdeira: ciências do direito, das religiões,
economia política, etc. Deste ponto de vista, divide-se com muita facilidade
em soeiologias especiais. Mas adotando esta repartição, não segue servil-mente
as classificações usuais que, em sua maioria, são de origem empírica ou
prática, como por exemplo as da ciência do direito. Sobretudo não estabelece
entre os fatos estes compartimentos estanques que ordinaríamente existem entre
as diversas ciências especiais. O sociólogo que estuda os fatos jurídicos e
morais deve, com freqüência, para compreendê-los, pesquisar os fenômenos
religiosos. Aquele que estuda a propriedade deve considerar este fenômeno sob
seu duplo aspecto jurídico e econômico, ao passo que estes dois aspectos de um
mesmo fato são ordinariamente estudados por diferentes cientistas.
Assim, mesmo ligando-se estreitamente às
ciências que a precederam, mesmo apropriando-se de seus resultados, a
sociologia transforma suas classificações. IS de notar, aliás, que todas as ciências
sociais tenderam, nos últimos anos, a aproximar-se progressivamente da
sociologia; tornam-se cada vez mais partes especiais de uma única ciência. A
única diferença é que, quando esta chega ao estado de verdadeira ciência, com
um método consciente, muda profundamente o próprio espírito da pesquisa e pode
conduzir a resultados novos. Por isso, ainda que numerosos resultados possam
ser conservados, cada parte da sociologia não pode coincidir exatamente com
as diversas ciências sociais existentes. Por si mesmas, elas se transformam, e
a introdução do método sociológico já mudou e mudará a maneira de estudar os
fenômenos soclals.
Os fenômenos sociais dividem-se em duas
grandes ordens. De uma parte, existem os grupos e suas estruturas. 1-lá, pois,
uma parte especial da soeio!ogia que pode estudar os grupos, o número dos
indivíduos que os compõem e as diversas maneiras pelas quais são dispostos no
espaço: e a morfologia social. De outra parte, existem os fatos sociais que se
passam nestes grupos: as instituições ou as representações coletivas. Estas
constituem, para falar com verdade, as grandes funções da vida social. Cada
urna destas fimçoes, religiosa, jurídica, econômica, estética, etc., deve ser
primeiro estudada à parte e constituir o objeto de urna sevie de pesquisas relativamente
independentes. Deste ponto de vista, há portanto uma sociologia religiosa, unia
sociologia
moral e jurídica, uma sociologia tecnológica, etc. Depois,
feitos todos estes estudos especiais, seria possível constituir uma última
parte da sociologia, a sociologia geral, que teria como finalidade pesquisar
aquilo que constitui a unidade de todos os fenômenos sociais.
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39 Os principais periódicos consagrados à sociologia
propriamente dita são os seguintes: Rente internationale de sociobogie;
Annales de l’lnstitut international de sociobogie; Année sociobogique;
Zeitschrijt fiir Sozialwissenschaít; Rivista Italiana di Sociologia; American
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49 Sobre o método da
sociologia: Comte, op. cit., — Stuart Mill, Logique, I.V1. — Durkheim, Règles de la
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