Marcel Mauss

Ensaios de Sociologia

or. ed. de Minuit, 1968.

ed.  Perspctiva, S. Paulo 1999

 

1. Sociologia (1901)*

 

 

Paul Fauconnet e Marcel Mauss

 

Palavra criada por Augusto Comte para designar a ciência das sociedades. Ainda que a palavra seja formada por um radical latino e uma desinência grega e por esta razão os puristas, por muito tempo, se tenham recusado reconhecê-la, encontra-se hoje na posse do direito de cida­dania em todas as línguas européias. Procuraremos deter­minar sucessívamente o objeto da sociologia e o método que ela emprega. A seguir indicaremos as principais divisões da ciência que se constitui sob este nome.

Notar-se-á, sem dificuldade, que nos inspiramos direta­mente nas idéias expressas por Dttrkheim em suas diferentes obras. Se, além disso, as adotamos, não é somente porque nos parecem justificadas por razões teóricas, mas também porque nos parecem exprimir os princípios pelos quais as diversas ciências sociais, no curso de seu desenvolvimento, tendem a tornar-se sempre mais conscientes.

 

1. OBJETO DA SOCIOLOGIA

 

Pelo fato de a sociologia ser de origem recente e por estar apenas saindo do período filosófico, ainda acontece contestar-se-lhe a possibilidade. Todas as tradições metafí­sicas que fazem do homem um ser à parte, fora da natureza, e que vêem em seus atos fatos absolutamente diferentes dos fatos naturais, resistem aos progressos do pensamento so­ciológico. Mas o sociólogo não precisa justificar suas pes­quisas por meio de uma argumentação filosófica. A ciência

 

* Artigo tirado da Grande Encyclopédic, vol. 30, Sociedade Anônima da Grande Enciclopédia, Paris. [Trad. bras, feita a partir das Oeuvres, Paris, Les Editions de Minuit, 1968-69, v. III, pp. 139-177.]

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acidentais e locais determinadas por causas cósmicas, mas também acontecimentos normais, regularmente repetidos, que interessam a todos os membros do grupo sem exceção, podem estar totalmente privados do caráter de fatos sociais. Por exemplo, todos os indivíduos, com exceção dos doentes, desempenham suas funções orgânicas em condições sensi­velmente idênticas; o mesmo se passa com as funções psico­lógicas: os fenômenos de sensação, de representação, de rea­ção ou de inibição são os mesmos em todos os membros do grupo e são submetidos todos às mesmas leis que a psicologia pesquisa. Mas ninguém sonha em dispô-los na categoria dos fatos sociais apesar de sua generalidade. E que não se referem de forma alguma à natureza do agrupa­mento, mas derivam da natureza orgânica e psíquica do indivíduo. Por isso são os mesmos, seja qual for o grupo ao qual o indivíduo pertence. Se o homem isolado fosse concebível, poder-se-ia dizer que seriam o que são mesmo fora de toda sociedade. Se, pois, os fatos de que são teatro as sociedades só se distinguissem entre si por seu grau de generalidade, não haveria fatos dignos de serem conside­rados como manifestações próprias da vida social e, por conseguinte, susceptíveis de constituírem o objeto da so­ciologia.

No entanto, a existência de tais fenômenos é de tal evidência que pôde ser assinalada por observadores que não pensavam na constituição de uma sociologia. Observou-se com freqüência que uma multidão, uma assembléia não sen­tiam, não pensavam e não agiam como teriam feito indiví­duos isolados; observou-se, outrossim, que os agrupamentos mais diversos, uma família, uma corporação, uma nação possuíam um “espírito”, um caráter, hábitos como os indi­víduos têm os seus. Por conseguinte, em todos os casos sente-se perfeitamente que o grupo, a multidão ou a socie­dade têm verdadeiramente uma natureza própria, que ele determina nos indivíduos certas maneiras de sentir, de pen­sar e de agir, e que estes indivíduos não teriam nem as mesmas tendências nem os mesmos hábitos nem os mesmos preconceitos se houvessem vivido no meio de outros grupos humanos. Ora, esta conclusão pode ser generalizada. Entre as idéias que teria, os atos que realizaria um indivíduo iso­lado, e as manifestações coletivas, há tal abismo que estas ultimas devem ser referidas a uma natureza nova, a forças sui generis: caso contrário, permaneceriam incompreensíveis.

 

Tomemos, por exemplo, as manifestações da vida eco­nômica das sociedades modernas do Ocidente: produção in­dustrial das mercadorias, divisão extrema do trabalho, co­mércio internacional, associação de capitais, moeda, crédito, renda, lucro, salário, etc. Pense-se no número considerável de noções, de instituições, de hábitos que supõem os mais simples atos de um comerciante ou de um operário que

procura ganhar sua vida; é manifesto que nem um nem outro cria as formas que sua atividade necessariamente assu­me: nem um nem outro inventa o crédito, o lucro, o salário, o intercâmbio ou a moeda. Tudo o que se pode atribuir a cada um deles é uma tendência geral a conseguir os ali­mentos necessários para proteger-se contra as intempéries, ou ainda, se se quiser, o gosto pelo empreendimento, pelo ganho, etc. Mesmo os sentimentos que parecem totalmente espontâneos, como o amor pelo trabalho, a parcimônia, o luxo, são, na realidade, o produto da cultura social, visto que não existem entre certos povos e variam infinitamente no interior de ~ma mesma sociedade, de acordo com as camadas da população. Ora, por si sós, estas necessidades determinariam, para serem satisfeitas, um pequeno número de atos muito simples que constrastam, da maneira mais pronunciada, com as formas muito complexas nas quais o homem econômico encerra hoje sua conduta. E não é so­mente a complexidade destas formas que dá testemunho de sua origem extra-individual, mas ainda e sobretudo a ma­neira pela qual se impõem ao indivíduo. Este está mais ou menos obrigado a se lhe conformar. Às vezes é a própria lei que o obriga, ou o costume tão imperativo como a lei. Assim é que, não há muito, o industrial era obrigado a fabricar produtos de medida e qualidade determinadas, que ainda agora está sujeito a todos os tipos de regulamentos, que ninguém pode recusar-se a receber como pagamento a moeda legal pelo seu valor legal. Outras vezes é a força das coisas contra a qual o indivíduo se faz em pedaços se procurar insurgir-se contra elas: é o caso do comerciante que quisesse renunciar ao crédito, do produtor que quisesse consumir seus próprios produtos, numa palavra, do tra­balhador que quisesse recriar por si só as regras de sua atividade econômica, ver-se-iam condenados à ruína ine­vitável.

 

A linguagem é outro fato cujo caráter social aparece claramente: a criança aprende, pelo uso e pelo estudo, uma língua cujo vocabulário e cuja sintaxe têm uma idade multissecular, cujas origens são desconhecidas; que ela re­cebe, por conseguinte, totalmente elaborada e que é obri­gada a receber e a empregar assim, sem variações consi­deráveis. Em vão tentaria criar para seu uso uma língua original: além de não passar de uma imitação canhestra de algum outro idioma já existente, tal língua não seria instru­mento útil à expressão de seu pensamento; condená-la-ia ao isolamento e a uma espécie de morte intelectual. O sim­ples fato de derrogar as regras e os usos tradicionais já se chocaria, na maioria dos casos, com resistências de opinião muito vivas. Pois uma língua não é somente um sistema de palavras; tem um gênio particular, implica uma certa maneira de perceber, de analisar e de coordenar. Por

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conseguinte, pela língua, são as formas principais de nosso pensamento que a coletividade nos impõe.

 

Poderia parecer que as relações matrimoniais e do­mésticas são necessariamente aquilo que são em virtude da natureza humana, e que basta, para explicá-las, recordar algumas propriedades muito gerais, orgânícas e psicológicas, do indivíduo humano. Mas, de~ uma parte, a observação histórica nos ensina que os tipos de casamentos e de famílias foram e ainda são extremamente numerosos e variados; ela nos revela a complicação, às vezes extraordinária, das formas do casamento e das relações domésticas. E, de outra parte, todos nós sabemos que as relações domésticas não são exclusivamente afetivas, sabemos que entre nós e os pais, que podemos não conhecer, existem vínculos jurídicos que se constituíram sem nosso consentimento, sem nosso conhecimento; sabemos que o casamento não é apenas um acasalamento, que a lei e os usos impõem ao homem que esposa uma mulher atos determinados, um processo com­plicado. E evidente que nem as tendências orgânicas do homem a acasalar-se e a procriar, nem mesmo os sentimentos de ciúme sexual ou de ternura paterna que aliás se lhe emprestariam gratuitamente, podem, em nenhum grau, ex­plicar nem a complexidade, nem sobretudo o caráter obri­gatório dos costumes matrimoniais e domésticos.

 

Da mesma forma, os sentimentos religiosos muito ge­nerosos que se costuma atribuir ao homem e mesmo aos animais respeito ou temor a seres superiores, tormento do infinito só poderiam gerar atos religiosos muito sim­ples e indeterminados: cada homem, sob o império de suas emoções, representaria a seu modo os seres superiores e manifestar-lhes-ia seus sentimentos como lhe parecesse con­veniente fazê-lo. Ora, uma religião tão simples, tão inde­terminada, tão individual jamais existiu. O fiel acredita em dogmas e age segundo ritos inteiramente complicados, que além disso lhe são inspirados pela Igreja, pelo grupo reli­gioso a que pertence; em geral, conhece muito mal estes dogmas e estes ritos, e sua vida religiosa consiste essencial-mente numa participação longínqua nas crenças e nos atos de homens especialmente encarregados de conhecer as coisas sagradas e de entrar em contato com elas; e estes mesmos homens não inventaram os dogmas nem os ritos; a tradição lhos ensinou e eles velam sobretudo para preservá-los de toda alteração. Os sentimentos individuais de nenhum fiel explicam, pois, nem o sistema complexo das representações e das práticas que constituí uma religião, nem a autoridade pela qual estas maneiras de pensar e de agir se impõem a todos os membros da Igreja.

Desta forma, as práticas segundo as quais se desenvolve a vida afetiva, intelectual, ativa do indivíduo, existem antes dele como existirão depois dele. Por ser homem, é que

ele come, pensa, se diverte, etc., mas se é determinado a agir por tendências que são comuns a todos os homens, as formas precisas que assume sua atividade em cada mo­mento da história dependem de condições totalmente dife­rentes que variam de uma sociedade para outra e mudam com o tempo no seio de uma mesma sociedade: é o con­junto dos hábitos coletivos. Entre estes hábitos distin­guem-se diferentes espécies. Uns exigem a reflexão em conseqüência de sua própria importância. Toma-se cons­ciência deles e são consignados em fórmulas escritas ou orais que exprimem como o grupo tem o costume de agir, e como exige que seus membros ajam; estas fórmulas im­perativas são as regras do direito, as máximas da moral, os preceitos do ritual, os artigos do dogma, etc. Outros continuam de forma não expressa e difusos, mais ou menos inconscientes. São as usanças, os costumes, as superstições populares que se observam sem saber que se está obri­gado a isto, nem mesmo em que consistem exatamente. Mas, em ambos os casos, o fenômeno é da mesma natureza. Trata-se sempre de maneiras de agir ou de pensar, consa­gradas pela tradição e que a sociedade impõe aos indiví­duos. Estes hábitos coletivos e as ~~ansformaçõe5 pelas quais passam incessantemente: eis o objeto próprio da sociologia.

 

Além disso, a partir de agora é possível provar direta­mente que estes hábitos coletivos são as manifestações da vida do grupo como grupo. A história comparada do direito, das religiões, tornou comum a idéia de que certas insti­tuições formam com certas outras um sistema, de que as primeiras não podem transformar-se sem que as segundas também se transformem. Por exemplo, sabe-se que existem vínculos entre o totemismO e a exogamia, entre uma e outra prática, entre uma e outra organização do clã; sabe-se que o sistema do poder patriarca1 tem relação com o regime da cidade, etc. De modo geral, os historiadores habituaram-se a mostrar as relações que vigoram entre as diferentes insti­tuições de uma mesma época, a não isolar uma instituição do meio em que apareceu. Enfim, é-se cada vez mais levado a procurar nas propriedades de um meio social (volume, densidade, modo de composição, etc.) a explicação dos fe­nômenos sociais que aí se produzem: mostram-se, por exem­plo, as ~odificaçõe5 profundas que a aglomeração urbana acarreta para uma civilização agrícola, como a forma do habitat condiciona a organização doméstica. Ora, se as instituições dependem umas das outras e dependem todas da constituiçãO do grupo social, é óbvio que exprimem este último. Esta interdependência dos fenômenos seria inexplicável se estes fossem os produtos de vontades parti­culares e mais ou menos caprichosas; explica-se, ao con­trário, se eles são produtos de forças impessoais que domi­nam os próprios indivíduos.

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Outra prova pode ser tirada da observação das esta­tísticas. E sabido que as cifras que exprimem o número dos casamentos, dos nascimentos, dos suicídios, dos crimes numa sociedade, são notavelmente constantes ou que, se variam, não é por desvios abruptos e irregulares, mas geral­mente com lentidão e ordem. Sua constância e sua regulari­dade são ao menos iguais àquelas dos fenômenos que, como a mortalidade, dependem sobretudo de causas físicas. Ora, é claro que as causas que levam tal ou tal indivíduo ao casamento ou ao crime são totalmente particulares e aci­dentais; portanto não são estas causas que podem explicar a taxa do casamento ou do crime numa determinada socie­dade. E mister admitir a existência de certos estados sociais, totalmente diferentes dos estados puramente individuais, que condicionam a nupcialidade e a criminalidade. Não se com­preenderia, por exemplo, que a taxa de suicídio fosse uni­formemente mais elevada nas sociedades protestantes do que nas sociedades católicas, no mundo comercial do que no mundo agrícola, se .não se admitisse que uma tendência coletiva ao suicídio se manifesta nos meios protestantes, nos meios comerciais, em virtude de sua própria organização.

 

Existem, pois, fenômenos propriamente sociais, distin­tos daqueles que estudam as outras ciências que tratam do homem, como a psicologia; são eles que constituem a matéria da sociologia. Mas não basta ter estabelecido sua existência por um certo número de exemplos e por considerações gerais. Desejar-se-ia ainda conhecer o sinal pelo qual se pode dis­tingui-los, de modo a não correr o risco nem de deixá-los escapar, nem de confundi-los com os fenômenos que depen­dem de outras ciências. De acordo com o que acabamos de dizer, a natureza social tem como característica precisa­mente o fato de ser adicionada à natureza individual; ex­prime-se por idéias ou atos que, mesmo quando contribuímos para produzi-los, nos são de todo impostos a partir de fora. Trata-se, pois, de descobrir este sinal de exterioridade.

 

Num grande número de casos, o caráter obrigatório que marca as maneiras sociais de agir e de pensar é o me­lhor dos critérios que se possa desejar. Gravadas no fundo do coração ou expressas por fórmulas legais, espontanea­mente obedecidas ou inspiradas por via da coerção, uma multidão de regras jurídicas, religiosas e morais são rigoro­samente obrigatórias. A maior parte dos indivíduos obede­cem-lhes; mesmo aqueles que as violam sabem que faltam a uma obrigação; e, em todo caso, a sociedade lembra-lhes o caráter obrigatório de sua ordem infligindo-lhes uma san­ção. Sejam quais forem a natureza e a intensidade da sanção, excomunhão ou morte, perdas e danos ou prisão, desprezo público, censura, simples notação de excentrici­dade, em graus diversos e sob formas diversas, o fenômeno é sempre o mesmo: o grupo protesta contra a violação das

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regras coletivas do pensamento e da ação. Ora, este pro­testo só pode ter um sentido: é que as maneiras de pensar e de agir que o grupo impõe são maneiras próprias de pensar e de agir. Se não tolera que sejam derrogadas, é que vê nelas as ~~nifestaçõe5 de sua personalidade e que, derro­gando-as, diminui-se e destrói-se esta personalidade. E, além disso, se as regras do pensamento e da ação não tivessem uma origem social, de onde poderiam vir? Uma regra a qual o indivíduo se julga sujeito não pode ser obra deste indivíduo: pois, toda obrigação implica uma autoridade superior ao sujeito obrigado, e que lhe inspira o respeito, elemento essencial do sentimento de obrigação. Se, portanto, se exclui a jntervençãO de seres sobrenaturais, SÓ se poderia encontrar, fora e acima do indivíduo, uma única fonte de obrigação: a sociedade ou, melhor, a totalidade das socie­dades de que é membro.

 

Aí está, pois, um conjunto de fenômenos sociais facil­mente reconhecíveis e que são de primeira importância. Porque o direito, a moral, a religião formam uma parte notável da vida social. Mesmo nas sociedades inferiores quase não há manifestações coletivas que não se enquadrem numa destas categorias. O homem não tem aí, por assim dizer, nem pensamento nem atividade próprios; a palavra, as operações econômicas, a própria vestimenta assumem freqüentemente um caráter religioso, por conseguinte obri­gatório. Mas, nas sociedades superíore5~ há um grande nú­mero de casos em que a pressão social não se faz sentir sob a forma expressa de obrigação: em matéria econômica, jurídicas e mesmo religiosa, o indivíduo parece amplamente autônomo. Isto não significa que toda coerção esteja ausen­te: mostramos atrás os aspectos sob os quais ela se mani­festava na ordem econômica e lingüística, e quão longe estava o indivíduo de poder agir livremente nestas matérias. Contudo não existe aí obrigação proclamada, nem sanções definidas; a inovação, a derrogação não são, em princípio, prescritas. Portanto é mister procurar outro critério que permita distinguir estes hábitos cuja natureza especial não é menos incontestável, embora menos imediatamente aparente.

 

Efetivamente, ela é incontestável porque cada indivíduo’ os encontra já formados e como que instituidos, uma vez que não é o seu autor, que ele os recebe de fora; são, pois, preestabelecidos. Seja ou não proibido ao indivíduo af as­tar-se deles, já existem a partir do momento em que ele se consulta para saber como deve agir; são modelos de conduta que eles lhe propõem. Por isso vemo-los por assim dizer, num dado momento, penetrar nele a partir de fora. Na maior parte dos casos, é por intermédio da educação, quer geral, quer especial, que se faz esta penetração. Assim é que cada geração recebe da geração mais velha os pre­ceitos da moral, as regras da polidez usual, sua língua, seus

gostos fundamentais, da mesma forma como cada traba­lhador recebe de seus predecessores as regras de sua técnica profissional. A educação é precisamente a operação pela qual o ser social é acrescentado em cada um de nós ao ser individual, o ser moral ao ser animal; é o procedimento graças ao qual a criança é rapidamente socializada. Estas observações nos fornecem uma característica do fato social muito mais geral do que a precedente: são sociais todas as maneiras de agir e de pensar que o indivíduo encontra preestabelecidas e cuja transmissão geralmente se faz por meio da educação.

 

Seria bom que um termo especial designasse estes fa­tos especiais e parece que a palavra instituições seria o mais apropriado. Com efeito, que é uma instituição se não um conjunto de atos ou de idéias que os indivíduos encon­tram diante de si e que mais ou menos se lhes impõe? Não há razão alguma para reservar exclusivamente, como de ordinário se faz, esta expressão às disposições sociais funda­mentais. Entendemos, pois, por esta palavra tanto os usos e os modos, os preconceitos e as superstições como as cons­tituições políticas ou as organizações jurídicas essenciais; porque todos estes fenômenos são da mesma natureza e só diferem quanto ao grau. A instituição é, em suma, na ordem social aquilo que é a função na ordem biológica:

e assim como a ciência da vida é a ciência das funções vitais, da mesma forma a ciência da sociedade é a ciência das instituições assim definidas.

 

Mas, dir-se-á, a instituição é o passado; é, por definição, a coisa fixa, não a coisa viva. Produzem-se novidades a cada instante nas sociedades, desde as variações cotidianas da moda até as grandes revoluções políticas e morais. Mas todas estas mudanças são sempre, em graus diversos, modi­ficações de instituições existentes. As revoluções jamais con­sistiram na brusca substituição integral de uma ordem esta­belecida por uma ordem nova; nunca são e nem podem ser mais do que transformações mais cu menos rápidas, mais ou menos completas. Nada vem do nada: as institui­ções novas só podem ser feitas com as antigas, porquanto estas são as únicas que existem. E, por conseguinte, para que nossa definição abrace todo o definido, basta que não nos atenhamos a uma fórmula estritamente estática, que não restrinjamos a sociologia ao estudo da instituição su­posta imóvel. Na realidade, a instituição assim concebida não passa de uma abstração. As verdadeiras instituições vi­vem, isto é, mudam sem cessar: as regras da ação não são nem compreendidas nem aplicadas da mesma forma a mo­mentos sucessivos, mesmo quando as fórmulas que as ex­primem permanecem literalmente as mesmas. São portanto as instituições vivas, tais como se formam, funcionam e se

transformam em diferentes momentos que constituem os f e­nômenos propriamente sociais, objetos da sociologia.

 

Os únicos fatos que poderíamos considerar, não sem razão, como sociais e que, entretanto, dificilmente entrariam na definição das instituições, são aqueles que se produzem nas sociedades sem instituições. Mas as únicas sociedades sem instituições são agregados sociais ou bastante instáveis e efêmeros como as multidões, ou então em curso de for­mação. Ora, pode-se dizer que umas e outras ainda não são sociedades propriamente ditas, mas somente sociedades em vias de formação, com a diferença que umas estão des­tinadas a ir até o fim de seu desenvolvimento, a realizar sua natureza social, enquanto que as outras desaparecem antes de se constituírem definitivamente. Portanto, encon­tramo-nos aqui nos lindes que separam o reino social dos remos inferiores. Os fenômenos de que se trata não são propriamente sociais mas em vias de se tornarem sociais. Não deve, pois, surpreender que não possam entrar exata­mente nos quadros de alguma ciência. Não há dúvida de que a sociologia não pode desinteressar-se deles, mas nao constituem seu objeto próprio. Além disso, pela análise precedente~ de forma alguma procuramos descobrir uma definição completa e definitiva de todos os fenômenos so­ciais. Basta ter mostrado que existem fatos que merecem ser designados desta forma e ter indicado alguns sinais pe­los quais se podem reconhecer os mais importantes dentre eles. O futuro certamente substituirá estes critérios por outros menos defeituosos.

 

 

Da explicação sociológica

 

Assim a sociologia tem um objeto próprio, visto que existem fatos propriamente sociais; resta-nos ver se satisfaz à segunda das condições que indicamos, isto é, se há um modo de explicação sociológico que não se confunda com algum outro. O primeiro modo de expli­cação que foi metodicamente aplicado a estes fatos éaquele que por muito tempo esteve em uso naquilo que se convencionou chamar a filosofia da história. Com efeito, a filosofia da história foi a forma de especulação sociológica imediatamente anterior à sociologia propriamente dita. Foi da filosofia da história que nasceu a sociologia: Comte éo sucessor imediato de Condorcet, e este, mais do que fazer descobertas sociológicas, construiu uma filosofia da história. O que caracteriza a explicação filosófica é que ela supõe o homem, a humanidade em geral predisposta por sua natu­reza a um desenvolvimento determinado cuja orientação toda se procura descobrir por uma investigação sumária dos fatos históricos. Por princípiO e por método ela negligencia, pois, o pormenor para ater-se às linhas mais gerais. Não

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procura explicar por que, em tal espécie de sociedades, em tal época de seu desenvolvimento, depara com tal ou tal instituição: procura somente pesquisar em que direção tende a humanidade, assinala as etapas que julga terem sido ne­cessárias para aproximar-se de tal objetivo.

E inútil demonstrar a insuficiência de tal explicação. Não só deixa de lado, arbitrariamente, a maior parte da realidade histórica, mas como hoje não é mais possível sus­tentar que a humanidade segue um caminho único e se desenvolve num único sentido, todos estes sistemas encon­tram-se, só por isso, privados de fundamento. Mas as ex­plicações que ainda hoje se encontram em certas doutrinas sociológicas não diferem muito das precedentes, salvo tal­vez na aparência. Sob o pretexto de que a sociedade só éformada por indivíduos, procuram na natureza do indivíduo as causas determinantes pelas quais tentam explicar os fatos sociais. Por exemplo, Spencer e Tarde procedem desta for­ma. Spencer consagrou quase todo o primeiro volume de sua Sociologia ao estudo do homem primitivo físico, emo­cional e intelectual; pelas propriedades desta natureza pri­mitiva é que explica as instituições sociais observadas entre os povos mais antigos ou mais selvagens, instituições que em seguida se transformam no decurso da história, de acordo com leis de evolução muito gerais. Tarde vê nas leis da imitação os princípios supremos da sociologia: os fenômenos sociais são modos de ação geralmente úteis, inventados por certos indivíduos e imitados por todos os outros. Encon­tra-se o mesmo procedimento de explicação em certas ciên­cias especiais que são ou deveriam ser sociológicas. Assim é que os economistas clássicos acham, na natureza individual do hotno occonomicus, os princípios de uma explicação su­ficiente de todos os fatos econômicos: como o homem pro­cura sempre a maior vantagem a preço do menor esforço, as relações econômicas deviam ser necessariamente tais e tais. Da mesma forma, os teóricos do direito natural buscam os caracteres jurídicos e morais da natureza humana, e as instituições jurídicas são, a seus olhos, tentativas mais ou menos felizes para satisfazer os rigores desta natureza; aos poucos, o homem toma consciência de si, e os direitos posi­tivos são realizações aproximativas do direito que ele traz em si.

 

A insuficiência destas soluções aparece claramente des­de que se reconheceu que existem fatos sociais, realidades sociais, isto é, desde que se distinguiu o objeto próprio da sociologia. Se, de fato, os fenômenos sociais são as mani­festações da vida dos grupos como grupos, são demasia­damente complexos para que considerações relativas à na­tureza humana em geral possam explicá-los. Tomemos, mais uma vez, como exemplo as instituições do casamento e da família. As relações sexuais estão sujeitas a regras muito

complicadas: a organização familial, muito estável numa mesma sociedade, varia muito de uma sociedade para outra; além disso, está estritamente ligada à organização política, à organização econômica que também apresentam diferenças características nas diversas sociedades. Se nisto consistem os fenômenos sociais que se trata de explicar, problemas precisos se colocam: como se formaram os diferentes sistemas matrimoniais e domésticos? E possível uni-los entre si, dis­tinguir formas posteriores e formas anteriores, apresentan­do­se as primeiras como o produto da transformação das segundas? Se isto é possível, como explicar estas trans­formações, quais são suas condições? De que modo as formações da organização familial afetam as organizações políticas e econômicas? De outro lado, tal regime domés­fico, uma vez constituído, como funciona? A estas per­guntas, os sociÓlogos que pedem unicamente à psicologia individual o princípio de suas explicações não podem for­necer respostas. Efetivamente, não podem explicar estas instituições tão múltiplas, tão variadas, a não ser unindo-as a alguns elementos muito gerais da constituição orgânico-psí­quica do indivíduo: instinto sexual, tendência a posse ex­clusiva e ciumenta de uma só mulher, amor maternal e paternal, horror ao comércio sexual entre consangüíneos, etc. Mas semelhantes explicações são, de saída, suspeitas do ponto de vista puramente filosófico: consistem simples­mente em atribuir ao homem os sentimentos que sua con­duta manifesta, ao passo que são precisamente estes senti­mentos que deveriam ser explicados; o que se reduz, em suma, a explicar os fenômenos pelas virtudes ocultas das substâncias, a chama pelo flogisto e a queda dos corpos por sua gravidade. Além disso, não determinam entre os fenômenos nenhuma relação precisa de coexistência ou de sucessão, mas os isolam arbitrariamente e os apresentam fora do tempo e do espaço, separados de todo meio definido. Mesmo que se considerasse como uma exphcaçao da mono-gamia a afirmação de que este regime matrimonial satisfaz melhor que outro os instintos humanos ou concilia melhor que outro a liberdade e a dignidade dos dois esposos, seria ainda necessário investigar por que este regime aparece em determinadas sociedades e não em outras, em um certo mo­mento e não em outro do desenvolvimento de uma sociedade. Em terceiro lugar, as propriedades essenciais da natureza humana são as mesmas em toda parte, com matizes e graus quase idênticos. Como poderiam explicar as formas tão variadas que cada instituição assumiu sucessivamente? O amor paternal e maternal, os sentimentos de afeição filial são sensivelmente idênticos entre os primitivos e entre os civilizados; entretanto, que diferença entre a organização primitiva da família e seu estado atual, e, entre estes ex­tremos, que mudanças se produziram! Enfim, as tendências

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indeterminadas do homem não poderiam explicar formas tão precisas e tão completas sob as quais se apresentam sempre as realidades históricas. O egoísmo que pode impelir o homem a apropriar-se das coisas úteis não é a fonte destas regras tão complicadas que, em cada época da história, constituem o direito de propriedade, regras relativas à posse e ao usufruto, aos móveis e aos imóveis, às servidões, etc. E no entanto o direito de propriedade in abstracto não existe. O que existe é o direito de propriedade tal como é ou foi organizado, na França contemporânea ou em Roma antiga, com a multidão dos princípios que o determinam. A so­ciologia assim entendida só pode, pois, desta maneira, alcan­çar os lineamentos inteiramente gerais, quase inapreensíveis por força da indeterminação das instituições. Se adotarmos tais princípios, deveremos confessar que a maior parte da realidade social, todo o pormenor das instituições, perma­nece inexplicado e inexplicável. Unicamente os fenômenos que a natureza humana em geral determina, sempre idên­ticos em seu fundo, seriam naturais e inteligíveis; todos os traços particulares que dão às instituições, de acordo com os tempos e os lugares, seus caracteres próprios, tudo aquilo que distingue as individualidades sociais, é considerado co­mo artificial e acidental; vê-se, nisto, quer os resultados de invenções fortuitas, quer os produtos da atividade indi­vidual dos legisladores, dos homens poderosos que dirigem voluntariamente as sociedades para objetivos entrevistos por eles. E somos assim levados a pôr fora da ciência, como ininteligíveis, todas as instituições muito determinadas, isto é, os próprios fatos sociais, os objetos próprios da ciência sociológica. Isto significa aniquilar, com o objeto definido de uma ciência social, a própria ciência social, e contentar-se em pedir à filosofia e à psicologia algumas indicações muito gerais sobre os destinos do homem que vive em sociedade.

 

A estas explicações que se caracterizam por sua extrema generalidade opõem-se aquelas que poderiam ser chamadas as explicações propriamente históricas: isto não significa que a história não tenha conhecido outras, mas aquelas de que vamos falar aparecem exclusivamente nos historiadores. Obrigado pelas próprias condições de seu trabalho a apegar-se exclusivamente a uma sociedade e a uma época determi­nadas, familiar ao espírito, à língua, aos traços de caracteres particulares desta sociedade e desta época, o historiador tem naturalmente a tendência a ver nos fatos somente aquilo que bs distingue entre si, aquilo que lhes dá uma fisionomia própria em cada caso isolado, numa palavra, aquilo que os torna incomparáveis. Procurando descobrir a mentali­dade dos povos cuja história estuda, é propenso a acusar de incompreensão, de incompetência, todos aqueles que não viveram, como ele, na intimidade destes povos. Por conse­guinte, é levado a desconfiar de toda comparação, de toda

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generalização. Quando estuda uma instituição, são seus ca­racteres mais individuais que lhe despertam a atenção, aque­les devidos às circunstâncias particulares nas quais ela se constituiu ou modificou, e ela parece-lhe como que inseparável destas circunstâncias. Por exemplo, a família patriarcal se­rá uma coisa essencialmente romana, o feudalismo, uma ~stituiçãO própria de nossas sociedades medievais, etc. Deste ponto de vista, as instituições só podem ser consideradas combinações acidentais e locais que dependem de condições igualmente acidentais e locais. Ao passo que os filósofos e os psicólogos nos propunham teorias pretensamente válidas para toda a ~humanidade, as únicas exphcaçoes que os his toriadores julgam possíveis só se aplicariam a uma sociedade determinada, considerada em certo momento preciso de sua evolução. Não admitem que haja causas gerais atuantes em toda parte e cuja pesquisa pode ser utilmente empreendi­da; assumem a tarefa de concatenar acontecimentos particu­lares com acontecimentos particulares. Na realidade, su­põem nos fatos uma infinita diversidade assim como uma infinita contingência.

 

A este método estritamente histórico de explicação dos fatos sociais, é mister primeiramente opor os ensinamentos devidos ao método comparativo: desde logo a história com­parada das religiões, dos direitos e dos costumes revelou a existência de instituições incontestavelmente idênticas entre os mais diferentes povos; é inconcebível que se possa assi­nalar como causa destas concordâncias a imitação de uma sociedade pelas outras, e no entanto é impossível consi­derá-las como fortuitas: instituições semelhantes não podem evidentemente ter em determinado agrupamentO selvagem causas locais e acidentais, e em determinada sociedade civi­lizada outras causas igualmente locais e acidentais. De outro lado, as instituições de que se trata não são apenas práticas muito gerais que teriam sido, como se poderia pretender, inventadas naturalmente por homens em circunstâncias idên­ficas; não se trata apenas de mitos importantes como aquele do dilúvio, de ritos como aquele do sacrifício, de organi­zações domésticas como a família maternal, de práticas ju­rídicas como a vingança do sangue; existem também lendas muito complexas, superstições, usos totalmente particulares1 práticas tão estranhas como as da incubação ou do levirato. Desde que se constataram estas semelhanças, tornou-se inad­missível explicar os fenômenos comparáveis por causas parti­culares de uma sociedade e de uma época; ô espírito se recusa a considerar como fortuitas a regularidade e a seme­lhança.

 

E verdade que a história, se não mostra por que razoes existem instituições análogas nestas civilizações aparentes, pretende às vezes explicar os fatos concatenando-os crono­logicamente entre si, descrevendo detalhadamente as eircuns­

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tâncias nas quais se produziu um acontecimento histórico. Mas estas relações de pura sucessão nada têm de necessário nem de inteligível. Pois é de forma totalmente arbitrária, de modo algum metódica, e por conseguinte completamente irracional, que os historiadores atribuem um acontecimento a outro acontecimento que denominam sua causa. Com efeito, os processos indutivos só são aplicáveis lá onde uma com­paração é fácil. A partir do momento em que pretendem explicar um fato único por outro fato único, a partir do momento em que não admitem que haja entre os fatos vín­culos necessários e constantes, os historiadores só podem perceber as causas por uma intuição imediata, operação que escapa a toda regulamentação assim como a todo o controle. Segue-se daí que a explicação histórica, incapaz de fazer compreender as semelhanças observadas, é também incapaz de explicar um acontecimento particular; só oferece à inteli­gência fenômenos ininteligíveis porque são concebidos como singulares, acidentais e arbitrariamente concatenados.

 

Totalmente outra é a explicação propriamente socio­lógica, tal como deve ser concebida se aceitarmos a defi­nição que propusemos do fenômeno social. Primeiramente não dá apenas como tarefa alcançar os fenômenos mais gerais da vida social. Entre os fatos sociais não há lugar para distinções entre aqueles que são mais ou menos gerais. O mais geral é tão natural quanto o mais particular, ambos são igualmente explicáveis. Por isso, todos os fatos que apresentam os caracteres indicados como sendo os do fato social podem e devem ser objetos de pesquisas. Existem fatos que o sociólogo não pode atualmente integrar num sistema, mas não há fatos que ele tenha o direito de pôr, a priori, fora da ciência e da explicação. A sociologia assim entendida não é, pois, uma visão geral e longínqua da realidade coletiva, mas é uma análise mais profunda desta realidade e quanto possível completa. Obriga-se ao estudo do pormenor com uma preocupação de exatidão tão grande como aquela do historiador. Não há fato, por mais insig­nificante que seja, que ela possa negligenciar como despido de interesse científico. E desde já podem-se citar fatos que pareciam de mínima importância e que são no entanto sintomáticos de estados sociais essenciais que podem ajudar a compreender. Por exemplo, a ordem sucessorial está em íntima relação com a constituição da família; e, não somente não é um fato acidental que a partilha seja feita por estirpes ou por cabeças, mas ainda estas duas formas de partilha correspondem a tipos de família muito diferentes. Do mesmo modo, o regime penitenciário de uma sociedade é extremamente interessante para quem quer estudar o estado da opinião referente à pena nesta sociedade.

 

De outro lado, enquanto os historiadores descrevem os fatos sem explicá-los, a bem dizer a sociologia assume

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a tarefa de dar-lhes uma explicação satisfatória para a razão. Procura encontrar entre os fatos não relações de simples sucessão, mas relações inteligíveis. Quer mostrar como os fatos sociais se produziram e quais as forças de que resul­tam. Deve, pois, explicar fatos definidos por suas causas determinantes, próximas e imediatas, capazes de produzidos. Por conseguinte1 não se contenta, como fazem certos soeió­logos, com indicar causas muito gerais e muito remotas, em todo caso insuficientes e sem relação direta com os fatos. Visto que os fatos sociais são específicos, só podem ser explicados por causas da mesma natureza que eles. Por­tanto, a explicação sociológica procede partindo de um fenômeno social para outro. Só estabelece relação entre fenômenos sociais. Assim mostrar-nos-á como as instituições se geram umas às outras; por exemplo, como o culto dos antepassados se desenvolveu sobie o fundo dos ritos fune­rários. Outras vezes, perceberá verdadeiras coalescências de fenômenos sociais: por exemplo, a noção tão difundida do sacrifício do Deus é explicada por uma espécie de fusão que se operou entre certos ritos sacrificais e certas noções míticas. Às vezes são fatos de estrutura social que se con­catenam entre si; por exemplo, pode-se relacionar a for­mação das cidades aos movimentos migratórios mais ou menos vastos de aldeias a cidades, de distritos rurais a dis­tritos industriais, aos movimentos de colonização, ao estado das comunicações, etc. Ou então é pela estrutura das so­ciedades de um tipo determinado que se explicam certas instituições determinadas, por exemplo a disposição em cidades produz certas formas da propriedade do culto, etc.

 

Mas como os fatos sociais se produzem assim uns aos outros? Quando dizemos que instrtuiçoes produzem instituições por via de desenvolvimento, de coalescência, etc., não significa que as concebemos como tipos de realidades autônomas capazes de ter por si mesmas uma eficácia misteriosa de um gênero particular. Da mes­ma forma, quando referimos à forma dos grupos tal ou tal prática social, não significa que consideramos como possí­vel que a repartição geográfíca dos indivíduos afete a vida social diretamente e sem intermediário. As instituições só existem nas representações que a sociedade faz delas. Toda sua força viva lhes vem dos sentimentos de que são objeto; se são fortes e respeitadas, é porque estes sentimentos são vivazes; se cedem, é porque perderam toda a autoridade junto às consciências. Do mesmo modo, se as mudanças da estrutura social agem sobre as ~nstituiçoe5, e porque elas modificam o estado das idéias e das tendências de que são objeto; por exemplo, se a formação da cidade acentua for­temente o regime da família patriarca1, é porque este com­plexo de idéias e de sentimentos que constitui a vida da família muda necessariamente à medida que a cidade

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se fecha. Para empregar a linguagem corrente, poder-se-ia dizer que toda a força dos fatos sociais lhes advém da opinião. E a opinião que dita as regras morais e que, direta ou indiretamente, as sanciona. E pode-se mesmo dizer que toda mudança nas instituições é, no fundo, uma mudança na opinião: é porque os sentimentos coletivos de compaixão para com o criminoso entram em luta com os sentimentos coletivos que reclamam a pena que o regime penal se ame­niza progressivamente~ Tudo se passa na esfera da opinião pública; mas esta é propriamente aquilo que chamamos o sistema das representações coletivas. Os fatos sociais são, pois, causas porque são representações ou atuam sobre as representações. O fundo íntimo da vida social é um con­junto de representações.

Neste sentido, portanto, poder-se-ia dizer que a socio­logia é uma psicologia. Aceitaríamos esta fórmula, mas com a condição expressa de acrescentar que esta psicologia éespeeificamente distinta da psicologia individual. Efetiva­mente, as representações de que trata a primeira são de natureza totalmente diversa daquelas de que trata a segunda. E o que se deduz daquilo que dissemos a propósito dos caracteres do fenômeno social, porque é evidente que fatos que possuem propriedades tão diferentes não podem ser da mesma espécie. 1-Já, nas consciências, representações cole­tivas que são distintas das representações individuais. Sem dúvida, as sociedades só são constituídas de indivíduos e, por conseguinte, as representações coletivas só são devidas à maneira pela qual as consciências individuais podem agir e reagir umas sobre as outras no seio de um grupo cons­tituido. Mas estas açoes e estas reações produzem fenô­menos psíquicos de um gênero novo que são capazes de evoluir por si mesmos, de se modificar mutuamente e cujo conjunto forma um sistema definido. Não somente as re­presentações coletivas são feitas de outros elementos que não as representações individuais, mas ainda têm na reali­dade outro objeto. Aquilo que exprimem, efetivamente, éo próprio estado da sociedade. Enquanto os fatos de cons­ciência do indivíduo exprimem sempre de maneira mais ou menos remota um estado do organismo, as representações coletivas exprimem sempre, em certo grau, um estado de grupo social: traduzem (ou, para empregar a língua filo­sófica, “simbolizam”) sua estrutura atual, a maneira pela qual reage diante de tal ou tal acontecimento, o senti­mento que tem de si mesmo ou de seus próprios interesses. A vida psíquica da sociedade é, pois, feita de matéria total­mente diversa daquela do indivíduo.

 

Isto não significa, todavia, que haja entre elas uma solução de continuidade. Sem dúvida, as consciências de que é formada a sociedade estão aí combinadas sob formas novas de onde resultam as realidades novas. Não é menos

verdade que se pode passar dos fatos de consciência indi­vidual às representações coletivas por uma série contínua de transições. Percebe-se facilmente alguns dos intermediá­rios: do individual passa-se insensivelmente à sociedade, por exemplo quando seriamos os fatos de imitação epidêmica, de movimentos de multidões, de alucinação coletiva, etc. In­versamente, o social torna-se individual. Só existe nas cons­ciências individuais, mas cada consciência não tem mais do que uma parcela deste social. E mesmo esta impressão das coisas sociais é alterada pelo estado particular da cons­ciência que as recebe. Cada qual fala a seu modo sua língua materna, cada autor acaba por constituir sua pró­pria sintaxe, seu léxico preferido. Da mesma forma, cada indivíduo faz sua moral, tem sua moralidade individual. De igual modo, cada um reza e adora de acordo com seus pendores. Mas estes fatos não são explicáveis se apelarmos, para compreendê-los, exclusivamente para os fenômenos in­dividuais; ao contrário, são explicáveis se partirmos dos fatos sociais. Tomemos, para nossa demonstração, um caso preciso de religião individual, o do totemismo individual. Em primeiro lugar, de certo ponto de vista, estes fatos permanecem ainda sociais e constituem instituições: é um artigo de fé em certas tribos que cada indivíduo tem seu próprio totem; da mesma forma, em Roma, cada cidadão tem seu genius, no catolicismo cada fiel tem um santo como patrono. Mas há mais: estes fenômenos provêm simples­mente do fato de que uma instituição socialista * se refratou e desfigurou nas consciências particulares. Se, além de seu totem de clã, cada guerreiro possui seu totem individual, se um se julga parente dos lagartos, ao passo que outro se sente associado aos corvos, é porque cada indivíduo cons­tituiu seu próprio totem à imagem do totem do clã.

 

Vê-se agora o que entendemos com a expressão repre­sentações coletivas e em que sentido podemos dizer que os fenômenos sociais podem ser fenômenos de consciência, sem ser por isso fenômenos da consciência individual. Vi­mos também que gêneros de relações existem entre os fenô­menos sociais. Estamos agora em condições de precisar mais a fórmula que demos acima da explicação socíológica, quando dissemos que ela ia de um fenômeno social a outro fenômeno social. Pudemos entrever, pelo que precede, que existem duas grandes ordens de fenômenos sociais: os fatos de estrutura social, isto é, as formas do grupo, a maneira pela qual os elementos são aí dispostos; e as representações coletivas nas quais são dadas as instituições. Isto posto. pode-se dizer que toda explicação sociológica entra num dos três quadros seguintes: 1.0 ou ela une uma representação coletiva a uma representação coletiva, por exemplo a com

 

* Socialiste, em francês, mas o adjetivo é aqui empregado sem qualquer conotação ideológica. (N. da E.)

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posição penal à vingança privada; 2.0 ou une uma repre­sentação coletiva a um fato de estrutura social como àsua causa; assim, vê-se na formação das cidades a causa da formação de um direito urbano, origem de boa parte de nosso sistema da propriedade; 3? ou une fatos de estrutura social a representações coletivas que as determinaram: assim, certas noções míticas dominaram os movimentos migratórios dos hebreus, dos árabes do Islã; o fascínio que exercem as grandes cidades é uma causa da emigração dos campônios.

Pode parecer, é verdade, que tais explicações giram num círculo, visto que as formas do grupo são aí representadas, ora como efeitos, ora como causas das representações cole­tivas. Mas este círculo, que é real, não implica nenhuma petição de princípios: é o das próprias coisas. Nada é tão inútil como perguntar se foram as idéias que suscitaram as sociedades ou se foram as sociedades que, uma vez for­madas, deram origem às idéias coletivas. Trata-se de fenô­menos inseparáveis, entre os quais não cabe se estabelecer uma primazia lógica ou cronológiea.

 

Portanto, a explicação sociológica assim entendida não merece, em grau algum, a censura de materialista que às vezes lhe foi assacada. Em primeiro lugar, ela independe de toda metafísica, materialista ou não. Ademais, na rea­lidade, atribui uma função preponderante ao elemento psí­quico da vida social, crenças e sentimentos coletivos. Mas, de outro lado, escapa aos defeitos da ideologia. Pois as representações coletivas não devem ser concebidas como se se desenvolvessem por si mesmas, em virtude de uma espécie de dialética interna que as obrigaria a depurarem-se sempre mais, a se aproximarem de um ideal de razão. Se a família, o direito penal mudaram, não foi em conseqüência dos processos racionais de um pensamento que, aos poucos, reti­ficaria espontaneamente seus erros primitivos. As opiniões, os sentimentos da coletividade só mudam se os estados so­ciais de que dependem também mudaram. Assim, não éexplicar uma transformação social qualquer, por exemplo a passagem do politeísmo ao monoteísmo, fazer ver que ela constitui um progresso, que é mais verdadeira ou mais moral, porque a questão é precisamente saber o que deter­minou a religião a tornar-se assim mais verdadeira ou mais moral, isto é, na realidade, a tornar-se aquilo que se tornou. Os fenômenos sociais não são mais automotores do que os outros fenômenos da natureza. A causa de um fato social deve sempre ser procurada fora deste fato. Isto sig­nifica que o sociólogo não tem como objeto encontrar não sabemos que lei de progresso, de evolução geral que domi­naria o passado e predeterminaria o futuro. Não há uma lei única, universal, dos fenômenos sociais. Há uma mul­tidão de leis de inegável generalidade. Explicar, em socio­logia, como em toda ciência, é, pois, descobrir leis mais

ou menos fragmentária5~ isto é, ligar fatos definidos segundo ~elaçõe5 definidas.

 

 

2. MIITODO DA SOCIOLOGIA

 

Os ensaios sobre o método da sociologia abundam na literatura sociológica. Em geral, encontram-se mesclados com todos os tipos de considerações filosóficas sobre a so­ciedade, o Estado, etc. As primeiras obras onde o método da sociologia foi estudado de maneira apropriada são as de Comte e de Stuart Mill. Mas, qualquer que seja sua importância~ as observações metodologicas destes dois filó­sofos ainda conservavam, como a ciência que pretendiam fundar, uma extrema generalidade. Recentemente, Durkheim procurou definir mais exatamente a maneira pela qual a sociologia deve proceder no estudo dos fatos particulares.

Sem dúvida, não se trata de formular completa e defi­nitivamente as regras do método sociológico. Porque um método só se distingue abstratamente da própria ciência. Ele não se articula e não se organiza a nao ser a medida dos progressos desta ciência. Propomo-n05 somente anali­sar um certo número de processos científicos já sancionados pelo uso.

 

 

Definição

 

Como toda ciência, a sociologia deve começar o estudo de cada problema por uma definição. Antes de tudo, émister indicar e delimitar o campo da pesquisa a fim de saber de que se fala. Estas definições são prévias, e, por isso, provisórias. Não podem nem devem exprimir a essên­cia dos fenômenos a estudar, mas simplesmente designá-los clara e distintamente. Todavia, por mais exteriores que elas sejam, nem por isso são menos mdtspensaveis. Na falta de definições, toda ciência se expõe a confusões e a erros. Sem elas, no transcurso de um mesmo trabalho, um sociólogo dará diferentes sentidos a um mesmo termo. Agin­do desta forma cometerá graves equívocos: assim, no que se refere à teoria da família, muitos autores empregam indi­ferentemente os termos tribo, aldeia, clã, para designar uma só e mesma coisa. Além disso, sem definiçoes e impossivel haver entendimento entre cientistas que discutem sem falar todos do mesmo assunto. Boa parte dos debates levantados pela teoria da família e do casamento provêm da ausência de definições: assim, uns chamam monogamia aquilo que outros não designam com o mesmo nome; uns confundem o regime jurídico que a monogamia exige com a simples mono­gamia de fato; outros, ao contrário, distinguem estas duas ordens de fatos, na realidade muito diferentes.

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Naturalmente, definições deste gênero são construídas. Reúne-se e designa-se nelas um conjunto de fatos cuja similaridade fundamental se prevê. Mas não são construídas a priori; são o resumo de um primeiro trabalho, de uma primeira visão rápida dos fatos, cujas qualidades comuns se distinguem. Elas têm sobretudo como objeto substituir as noções do senso comum por uma primeira noção cien­tífica. E que, na verdade, é preciso, antes de tudo, desem­baraçar-se dos preconceitos correntes, mais perigosos em so­ciologia do que em qualquer outra ciência. Não se deve estabelecer sem exame, como definição científica, uma classi­ficação usual. Muitas idéias ainda em uso em muitas ciências sociais não parecem baseadas nem na razão nem nos fatos e devem ser banidas de uma terminologia racional; por exem­plo, a noção de paganismo e mesmo aquela de feitieismo não correspondem a nada de real. Outras vezes, uma pes­quisa séria leva a reunir aquilo que o vulgo separa, ou a distinguir aquilo que o vulgo confunde. Por exemplo, a ciência das religiões reuniu num mesmo gênero os tabus de impureza e os de pureza, porque todos são tabus; ao con­trário, distinguiu cuidadosamente os ritos funerários e o culto dos antepassados.

Estas definições serão tanto mais exatas e mais posi­tivas se nos esforçarmos mais por distinguir as coisas por seus caracteres objetivos. Chamam-se caracteres objetivos os caracteres que tal ou tal fenômeno social tem em si mesmo, isto é, aqueles que não dependem de nossos sentimentos e de nossas opiniões pessoais. Assim, não é por nossa idéia mais ou menos lógica do sacrifício que devemos definir este rito, mas pelos caracteres exteriores que apresenta, como fato social e religioso, exterior a nós, independente de nós. Concebida deste modo, a definição torna-se um momento importante da pesquisa. Estes caracteres pelos quais se define o fenômeno social a estudar, ainda que exteriores, nao correspondem menos aos caracteres essenciais que a análise discernirá. Por isso, definições felizes podem nos pôr no caminho de importantes descobertas. Quando se define o crime como um ato atentatório aos direitos dos indivíduos, os únicos crimes são os atos atualmente tidos como tais: o homicídio, o roubo, etc. Quando o crime édefinido como um ato que provoca uma reação organizada da coletividade, é-se levado a compreender na definição todas as formas verdadeiramente primitivas do crime, em particular a violação das regras religiosas, do tabu, por exemplo.

 

Enfim, estas definições prévias constituem uma garantia científica de primeira ordem. Urna vez estabelecidas, obri­gam e ligam o sociólogo. Elas iluminam todos os seus passos, permitem a crítica e a discussão eficaz. Porque, graças a elas, todo um conjunto de fatos bem designados se impõe

ao estudo, e a explicação deve levar em consideração todos eles. Afastam-se assim todas estas argumentações capri­chosas em que o autor passa, a seu bel-prazer, de um assunto a outro, toma suas provas às mais heterogêneas categorias. Ademais, evita-se uma falha que cometem ainda os melhores trabalhos de sociologia, por exemplo o de Frazer sobre o totemismo. Esta falha é a de haver reunido unicamente os fatos favoráveis à tese e em não ter pesquisado suficiente­mente os fatos contrários. Em geral, não há suficiente preo­cupação com a integração de todos os fatos numa teoria; só são reunidos aqueles que se sobrepõem exatamente. Ora, com boas definições iniciais, todos os fatos sociais de uma mesma ordem se apresentam e se impõem ao observador, e fica-se na obrigação de explicar não apenas as concor­dâncias, mas também as diferenças.

 

 

Observação dos Jatos

 

Como vimos, a definição supõe uma primeira visão geral dos fatos, uma espécie de observação provisória. E preciso falar agora da observação metódica, isto é, daquela que estabelece cada um dos fatos enunciados. A observação dos fatos sociais não é, como se poderia crer à primeira vista, um puro processo narrativo. A sociologia deve fazer mais do que descrever os fatos, deve, na realidade, cons­tituí-los. Em primeiro lugar, como em qualquer outra ciência, em sociologia não existem fatos brutos passíveis, por assim dizer, de serem fotografados. Toda observação científica refere-se a fenômenos metodicamente escolhidos e isolados dos outros, isto é, abstraídos. Os fenômenos sociais, mais do que todos os outros, não podem ser estudados de uma vez em todos os seus detalhes, em todas as suas relações. São demasiado complexos para que não se proceda por abs­trações e por divisões sucessivas das dificuldades. Mas a observação sociológica, se abstrai os fatos, não é menos escrupulosa e cuidadosa em estabelecê-los exatamente. Ora, os fatos sociais são muito difíceis de serem captados e desen­vedados através dos documentos. E ainda mais delicado analisá-los, e, em alguns casos, de dar-lhes mensuraçoes aproximativas. São, pois, necessários processos especiais e rigorosos de observação; são necessários, para usar a lin­guagem habitual, métodos críticos. O emprego destes mé­todos varia naturalmente com os fatos variados que a soem­logia observa. Assim é que existem meios diferentes para analisar um rito religioso e para descrever a formação de uma cidade. Mas o espírito, o método do trabalho perma­necem idênticos, e só é possível classificar os métodos crí­ticos de acordo com a natureza dos documentos aos quais se aplicam: existem os documentos estatísticos, quase todos modernos, recentes, e os documentos históricos. Os nume­

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rosos problemas levantados pela utilização destes documentos são bastante diferentes, ao mesmo tempo que bastante análogos.

 

Em todo trabalho que se apóia em documentos esta­tísticos é importante, indispensável, expor cuidadosamente a maneira pela qual se chegou aos dados de que se lança mão. Porque, no estado atual das diversas estatísticas judi­ciárias, econômicas, demográficas, etc., cada documento exige a mais severa crítica. Consideremos, com efeito, os docu­mentos oficiais, que, em geral, oferecem mais garantias. Estes mesmos documentos devem ser examinados em todos os seus detalhes, e é mister conhecer bem os princípios que presidiram sua confecção. Sem minuciosas precauções, corre-se o risco de chegar a dados falsos: assim, é impossível usar as informações estatísticas sobre o suicídio da Inglaterra, porque, neste país, para evitar os rigores da lei, a maior parte dos suicídios são declarados sob o nome de morte em conseqüência de loucura; a estatística é, assim, viciada em seu fundamento. Ademais, é mister ter o cuidado de reduzir a fatos comparáveis os dados de origens diversas de que se dispõe. Por não haverem procedido desta maneira, muitos tra­balhos de sociologia moral, por exemplo, contêm graves erros. Compararam-se números que não têm de modo algum a mesma significação nas diversas estatísticas européias. Com efeito, as estatísticas são baseadas nos códigos, e os diversos códigos não têm nem a mesma classificação nem a mesma nomenclatura; por exemplo, a lei inglesa não distingue o homicídio por imprudência do homicídio voluntário. Além disso, como toda observação científica, a observação esta­tística deve procurar ser a mais exata e a mais detalhada possível. Efetivamente, com freqüência o caráter dos fatos muda quando uma observação geral é substituída por uma análise cada vez mais precisa; assim um mapa, por distritos, do suicídio em França, leva a observar fenômenos diferentes daqueles que aparecem num mapa por departamentos.

 

No que se refere aos documentos históricos ou etno­lógicos, a sociologia deve adotar, grosso modo, os processos da “crítica histórica”. Não pode servir-se de fatos inven­tados e, por conseguinte, deve estabelecer a verdade das in­formações de que se serve. Estes processos de crítica são de um emprego tanto mais necessário quanto os sociólogos foram censurados com freqüência, e não sem razão, por sua negligência em empregá-los; utilizaram-se, por exemplo, sem muito discernimento, as informações dos viajantes e dos etnógrafos. O conhecimento das fontes, uma crítica severa teriam permitido aos sociólogos dar uma base incontestável às suas teorias referentes às formas elementares da vida social. Aliás, pode-se esperar que os progressos da história e da etnografia facilitarão sempre mais o trabalho, forne­cendo informações incontestáveis. A sociologia só pode espe­

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rar vantagens dos processos destas duas disciplinas. Mas, ainda que o sociólogo tenha as mesmas exigências críticas do historiador, deve conduzir sua crítica segundo princípios diferentes, visto que estuda os fatos num outro espírito, em vista de outro objetivo. Primeiramente, só observa, na medida do possível, os fatos sociais, os fatos profundos; e sabe-se quão recentes são preocupações deste gênero nas ciências históricas, onde há falta, por exemplo, de nu­merosas e boas histórias da organização econômica mesmo em nossos países. Depois, a sociologia não faz aos fatos perguntas insolúveis e cuja solução só ofereça, além disso, escasso valor explicativo. Assim, na ausência de monumen­tos certos, não é indispensável datar com exatidão o Ríg-Ve­da: a coisa é impossível e, no fundo, indiferente. Não há necessidade de conhecer a data de um fato social, de um ritual de orações para servir-se dele em sociologia, con­tanto que se conheçam seus antecedentes, seus concomi­tantes e seus conseqüentes, numa palavra, todo o quadro social que o cerca. Enfim, o sociólogo não pesquisa ex­elusivamente o detalhe singular de cada fato. Depois de terem feito sobretudo a biografia de grandes homens e de tiranos, os historiadores tentam, agora, sobretudo fazer bio­grafia coletiva. Detêm-se nos matizes particulares dos cos­tumes, das erenças de cada grupo, pequeno ou grande. Pro­curam aquilo que separa, aquilo que singulariza, e tendem a descrever aquilo que há, de certo modo, de inefável em cada civilização; por exemplo, crê-se geralmente que o estu­do da religião védica é reservado unicamente aos sanscri­tistas. O sociólogo, ao contrário, procura encontrar nos fatos sociais aquilo que é geral e, ao mesmo tempo, aquilo que é característico. Para ele, uma observação bem conduzida deve dar um resíduo definido, uma expressão suficientemente adequada do fato observado. Para servir-se de um fato social determinado não é necessário o conhecimento integral de uma história, de uma língua, de uma civilização. O conhecimento relativo, mas exato, deste fato é suficiente para que possa e deva entrar no sistema que a sociologia quer edificar. Porque, se em numerosos casos é ainda in­dispensável para o sociólogo remontar às últimas fontes, a falha não é devida aos fatos, mas aos historiadores que não souberam fazer sua verdadeira análise. A sociologia exige observações seguras, impessoais, utilizáveis para quem quer que venha a estudar fatos da mesma ordem. O por­menor e o âmbito de todos os fatos são infinitos, e ninguém nunca poderá esgotá-los; a história pura jamais deixará de descrever, de matizar, de circunstanciar. Ao contrário, uma observação sociológica feita com cuidado, um fato bem estudado, analisado em sua integridade, perde quase toda data, exatamente como uma observação de médico, uma experiência extraordinária de laboratório. O fato social,

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cientificamente descrito, torna-se um elemento de ciência, e deixa de pertencer a tal ou tal país, a tal ou tal época. Está por assim dizer colocado, por força da observação científica, fora do tempo e fora do espaço.

 

 

Sistematização dos Jatos

 

A sociologia não especula, como não o faz qualquer outra ciência, sobre puras idéias e não se limita a registrar os fatos. Tende a dar-lhes um sistema racional. Procura determinar suas relações de modo a torná-los inteligíveis. Resta-nos falar dos processos pelos quais estas relações po­dem ser determinadas. Algumas vezes, aliás mui raramente, encontramo-los por assim dizer inteiramente estabelecidos. Com efeito, existem em sociologia, como em toda ciência, fatos tão típicos que basta analisá-los devidamente para descobrir logo certas relações insuspeitadas. Foi um fato deste gênero que Fison e Howitt encontraram, quando lan­çaram nova claridade sobre as formas primitivas da família, explicando o sistema do parentesco e das classes exogâmicas em certas tribos australianas. Mas, em geral, não atingimos diretamente, pela simples observação, fatos cruciais. IS ne­cessário, pois, empregar todo um conjunto de processos metó­dicos especiais para estabelecer as relações que existem entre os fatos. Aqui a sociologia se encontra num estado de inferioridade com relação a outras ciências. A experimen­tação não é possível; não se pode suscitar, voluntariamente, fatos sociais típicos para, em seguida, estudá-los. IS mister, pois, recorrer à comparação dos diversos fatos sociais de uma mesma categoria em diversas sociedades, a fim de pro­curar depreender sua essência. No fundo, uma comparação bem conduzida pode dar, em sociologia, resultados equiva­lentes aos de uma experimentação. Procede-se mais ou menos como os zoólogos, como procedeu particularmente Darwin. Este não pôde, salvo para uma única exceção, realizar ver­dadeiras experiências e criar espécies variadas; teve de fazer um quadro geral dos fatos que conhecia referentes à origem das espécies; e foi da comparação metódica destes fatos que deduziu suas hipóteses. Da mesma forma, em socio­logia, Morgan, tendo constatado a identidade do sistema familial iroquês, havaiano, fidji, etc., pôde formular a hi­pótese do clã por descendência materna. Aliás, em geral, quando a comparação foi manejada por verdadeiros cientistas, sempre deu bons resultados em matéria de fatos sociais. Mesmo quando não deixou resíduo teórico, como nos tra­balhos da escola inglesa antropológica, ao menos conseguiu levantar uma classificação geral de grande número de fatos.

 

Quanto ao mais, a gente se esforça e é preciso esfor­çar-se por tornar a comparação sempre mais exata. Certos

autores, entre outros Tylor e Steinmetz, chegaram mesmo

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a propor e a empregar, o primeiro a propósito de casamento, o segundo a propósito da pena e do endocanibalismo, um método estatístico. As concordâncias e as diferenças entre os fatos constatados são aí expressas em números. Mas os resultados deste método estão longe de serem satisfatórios, pois se nomeiam fatos colhidos das sociedades mais diversas e mais heterogêneas, e registrados em documentos de valor totalmente desigual. Atribui-se assim excessiva importância ao número das experiências, dos fatos acumulados. De­monstra-se pouco interesse pela qualidade destas experiên­cias, por sua certeza, pelo valor demonstrativo e pela com­parabilidade dos fatos. Provavelmente é preferível renunciar a tais pretensões de exatidão, e é melhor ater-se a com­parações elementares, mas severas. Em primeiro lugar, éimportante só aproximar fatos da mesma ordem, isto é, fatos que entram na definição estabelecida no começo do tra­balho. Assim, será conveniente, na teoria da família, a propósito do clã, reunir apenas fatos de clã e não reunir com eles informações etnográficas que na realidade se refe­rem à tribo e ao grupo local, com freqüência confundidos com o clã. Em segundo lugar, é preciso alinhar os fatos assim reunidos em séries cuidadosamente constituídas. Em outras palavras, dispõem-se as diferentes formas que apre­sentam segundo uma ordem determinada, seja uma ordem de complexidade crescente ou decrescente, seja uma ordem qualquer de variação. Por exemplo, numa teoria da família patriarcal, colocar-se-á a família hebraica debaixo da família grega, esta debaixo da família romana. Em terceiro lugar, diante desta série, dispõem-se outras séries, constituídas da mesma maneira, compostas de outros fatos sociais. E é das relações que se percebem entre estas diversas espécies que se vêem desprenderem-se as hipóteses. Por exemplo, é possível ligar a evolução da família patriarcal à evolução da cidade:

dos hebreus aos gregos, destes aos romanos; no próprio direito romano, vê-se o poder paterno crescer à medida que a cidade se fecha.

 

 

Caráter científico das hipóteses sociológicas

 

Chega-se assim a inventar hipóteses e a verificá-las, com a ajuda de fatos bem observados, para um problema bem definido. Naturalmente estas hipóteses não são forçosa-mente justas; bom número daquelas que hoje nos parecem evidentes serão abandonadas um dia. Mas se não trazem este caráter de verdade absoluta, trazem todas os caracteres de hipóteses científicas. Em primeiro lugar, são verdadeira­mente explicativas; dizem o porquê e o como das coisas. Aí não se explica uma regra jurídica como aquela da res­ponsabilidade civil pela clássica “vontade do legislador ou pelas “virtudes” gerais da natureza humana que teriam

 

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racionalmente criado esta instituição. IS explicada por toda a evolução do sistema da responsabilidade. Em segundo lugar, elas têm este caráter de necessidade e, por conse­guinte, de generalidade que é o da indução metódica e que talvez permita até, em alguns casos, a previsão. Por exemplo, pode-se quase estabelecer como lei que as práticas rituais tendem a rarefazer-se e a espiritualizar-se no decurso do desenvolvimento das religiões universais. Em terceiro lugar, e aí está, em nossa opinião, o ponto mais importante, tais hipóteses são eminentemente criticáveis e veríficaveis. Pode-se, num verdadeiro trabalho de sociologia, criticar ca­da um dos pontos tratados. Estamos longe desta poeira im­palpável dos fatos ou destas fantasmagorias de idéias e de palavras que o público com freqüência aceita por sociologia, mas onde não há idéias precisas nem sistema racional nem estudo cerrado dos fatos. A hipótese torna-se um elemento de discussão precisa; pode-se contestar, retificar o método, a definição inicial, os fatos invocados, as comparações esta­belecidas; de tal sorte que há aí, para a ciência, progressos possíveis.

 

Aqui, é preciso prever uma objeção. Ter-se-ia a ten­tação de dizer que a sociologia, antes de se edificar, deve fazer um inventário total de todos os fatos sociais. Assim, pedir-se-ia ao teórico da família que tivesse feito o exame completo de todos os documentos etnográficos, históricos, estatísticos, relativos a esta questão. Devem-se temer ten­dências deste gênero em nossa ciência. A timidez diante dos fatos é tão perigosa como a excessiva audácia, as abdi­cações do empirismo tão funestas como as generalizações apressadas. Primeiramente, se a ciência requer exames dos fatos sempre mais completos, em parte alguma exige um inventário total, aliás impossível. O biólogo não esperou observar todos os fatos de digestão, em todas as séries de animais, para tentar as teorias da digestão. O sociólogo deve fazer o mesmo; também ele não tem necessidade de conhe­cer a fundo todos os fatos sociais de uma determinada categoria para elaborar a teoria. Deve passar imediatamente à obra. A conhecimentos provisórios, mas cuidadosamente enumerados e precisados, correspondem hipóteses provisó­rIas. As generalizações feitas, os sistemas propostos, valem momentaneamente para todos os fatos conhecidos e des­conhecidos da mesma ordem que os fatos explicados. Tem-se a liberdade de modificar as teorias à medida em que novos fatos chegam a ser conhecidos ou à medida em que a ciência, todos os dias mais exata, descobre novos aspectos nos fatos conhecidos. Fora destas aproximações sempre mais cerradas dos fenômenos, só há lugar para discussões dialéticas ou enciclopédias eruditas, ambas sem verdadeira utilidade, visto que não propõem explicação alguma. E, além disso, se o trabalho de indução foi feito com método,

não é possível que os resultados aos quais o sociólogo chega sejam despidos de toda realidade. As hipóteses exprimem fatos, e, por conseguinte, possuem sempre ao menos uma parcela de verdade: a ciência pode completá-las, retificá-las, transformá-las, mas nunca deixa de utilizá-las.

 

3. DIVISÃO DA SOCIOLOGIA

 

A sociologia pretende ser uma ciência e ligar-se à tra­dição científica estabelecida. Mas não é menos livre face às classificações existentes. Pode repartir o trabalho de maneira diversa daquela posta em prática até aqui.

 

Em primeiro lugar, a sociologia considera como seu um certo número de problemas que, até aqui, dependiam de ciências que não são “ciencias sociais”. Decompõe estas ciências, abandonando-lhes aquilo que é seu objeto próprio e retém todos os fatos de ordem exclusivamente social. Assim é que a geografia tratava até hoje das questões de fronteira, de vias de comunicação, de densidade social, etc. Ora, estas não são questões de geografia, mas questões de sociologia, visto que não se trata de fenômenos cósmicos, mas de fenômenos referentes à natureza das sociedades. Da mesma forma, a sociologia apropria-se dos resultados já adquiridos pela antropologia criminal referentes a um certo número de fenômenos que são, não fenômenos somáticos, mas fenômenos sociais.

Em segundo lugar, entre as ciências às quais ordinaria­mel]te se dá o nome de “ciências sociais”, algumas há que, para falar com propriedade, não são ciências. Não têm mais do que uma unidade fictícia, e a sociologia deve disso­ciá-las. IS o caso da estatística e da etnografia, ambas consideradas como formando ciências à parte, quando não fazem mais do que estudar, de acordo com seus respectivos processos, os fenômenos mais diversos, na realidade depen­dentes de diferentes partes da sociologia. A estatística, como vimos, não é senão um método para observar fenômenos variados da vida social moderna. Hoje, a estatística estuda, indiferentemente, fenômenos sociais, morais e econômicos Em nossa opinião, não deve haver aí estatísticos, mas so­eiólogos que, para estudar os fenômenos morais, econô­micos, para estudar os grupos, fazem estatística moral, eco­nômica, demográfica, etc. O mesmo acontece com a etno­grafia. Esta tem, como única razão de sua existência, a tarefa de consagrar-se ao estudo dos fenômenos que se passam em nações ditas selvagens. Estuda indiferentemente os fenômenos morais, jurídicos, religiosos, as técnicas, as artes, etc. A sociologia, ao contrário, não distingue natu­ralmente entre as instituições das populações “selvagens” e aquelas das naeões “bárbaras” ou “civilizadas”. Faz entrar em suas definições os fatos mais elementares e os fatos

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mais evoluídos. E, por exemplo, num estudo da família ou da pena, ver-se-á obrigada a considerar tanto os fatos “etnográficos” como os fatos “históricos”, que são todos da mesma maneira fatos sociais e que só diferem pelo modo como são observados.

Em contrapartida, a sociologia adota e faz suas as grandes divisões, já percebidas pelas diversas ciências com­paradas das instituições de que pretende ser herdeira: ciências do direito, das religiões, economia política, etc. Deste pon­to de vista, divide-se com muita facilidade em soeiologias especiais. Mas adotando esta repartição, não segue servil-mente as classificações usuais que, em sua maioria, são de origem empírica ou prática, como por exemplo as da ciência do direito. Sobretudo não estabelece entre os fatos estes compartimentos estanques que ordinaríamente existem entre as diversas ciências especiais. O sociólogo que estuda os fatos jurídicos e morais deve, com freqüência, para com­preendê-los, pesquisar os fenômenos religiosos. Aquele que estuda a propriedade deve considerar este fenômeno sob seu duplo aspecto jurídico e econômico, ao passo que estes dois aspectos de um mesmo fato são ordinariamente estu­dados por diferentes cientistas.

Assim, mesmo ligando-se estreitamente às ciências que a precederam, mesmo apropriando-se de seus resultados, a sociologia transforma suas classificações. IS de notar, aliás, que todas as ciências sociais tenderam, nos últimos anos, a aproximar-se progressivamente da sociologia; tornam-se cada vez mais partes especiais de uma única ciência. A única dife­rença é que, quando esta chega ao estado de verdadeira ciên­cia, com um método consciente, muda profundamente o pró­prio espírito da pesquisa e pode conduzir a resultados novos. Por isso, ainda que numerosos resultados possam ser con­servados, cada parte da sociologia não pode coincidir exata­mente com as diversas ciências sociais existentes. Por si mesmas, elas se transformam, e a introdução do método sociológico já mudou e mudará a maneira de estudar os fenômenos soclals.

Os fenômenos sociais dividem-se em duas grandes ordens. De uma parte, existem os grupos e suas estruturas. 1-lá, pois, uma parte especial da soeio!ogia que pode estudar os grupos, o número dos indivíduos que os compõem e as diversas maneiras pelas quais são dispostos no espaço: e a morfologia social. De outra parte, existem os fatos sociais que se passam nestes grupos: as instituições ou as represen­tações coletivas. Estas constituem, para falar com verdade, as grandes funções da vida social. Cada urna destas fim­çoes, religiosa, jurídica, econômica, estética, etc., deve ser primeiro estudada à parte e constituir o objeto de urna sevie de pesquisas relativamente independentes. Deste ponto de vista, há portanto uma sociologia religiosa, unia sociologia

moral e jurídica, uma sociologia tecnológica, etc. Depois, feitos todos estes estudos especiais, seria possível constituir uma última parte da sociologia, a sociologia geral, que teria como finalidade pesquisar aquilo que constitui a unidade de todos os fenômenos sociais.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

19 Sobre a história da sociologia: Espinas, Sociétés animales (prefácio), 1867. Lévy-Brühl, La philosophie d’Auguste Comte, 1900. Fouitlée, La science sociale contem poraine, 1855. Durkheim, “Les sciences morale.s en Allemagne”, em Rente phí­losophique, ano 1887; “La sociologie en France au XIXe siêcle”, em Revue bleue, maio de 1900. Bouglé, Les sciences sociales en Allemagne, 1896. Groppali, “La sociologie en Amerique”, em A nnales de l’Inst. internat. de sociologie, 1900.

 

29 Sobre a sociologia em geral: Comte, Cours de philosophie po­sitive (vol. 1V-VI). Spencer, Social Statics; Descriptive Sociology, 1874 e seguintes; Principles of Sociology, 1876 e seguintes, trad. franc., 1887; The Study oÍ Sociology, 1873, trad. franc., 1880, etc. Schàffle, Bau und Leben des sozialen Kórpers, 1875-8 1. Espinas, op. cit., De Greef, Introduction á la sociologie, 1886-89; Transformisme social, 1894. Gumplowicz, Grundiss der Sociologie, 1885 Tõnnies, Gemeinschaft and Gesellschaft, 1887. Tarde, Les bis de l’imi­tation, 1890-95; Logique sociale, 1895, etc. Lester Ward, Dynamic Sociobogy, 1897; Outlines of Sociobogy, 1898. Small, An Jntroducaion mic Sociobogy, 1897; Outlines oJ Sociobogy, 1898. Small, An Intra­duction to 0w Study of Society, 1894. Giddings, Principies of Socio­bogy, 1896. Entre as principais obras da escola organicista estão: No­vicow, La lutte entre les sociétés humaines, 1893; Conscience et vo­lonté soda/es, 1896, etc. Worms, Organisme et société, 1896. Massart et Vandervelde, Parasitisme organique et parasitismc social,

Demoor, Massart et Vandervelde, Evolution régressive en bio~ bogie et en sociobogie, 1897.

 

39 Os principais periódicos consagrados à sociologia propria­mente dita são os seguintes: Rente internationale de sociobogie; Annales de l’lnstitut international de sociobogie; Année sociobogique; Zeitschrijt fiir Sozialwissenschaít; Rivista Italiana di Sociologia; Ame­rican Journal of Sociobogy.

 

49 Sobre o método da sociologia: Comte, op. cit., Stuart Mill, Logique, I.V1. Durkheim, Règles de la méthode sociobo­gique, 1898. Langlois et Seignobos, Introduction aux étudcs historiques, 1898. Tylor, “On a Method of Investigating the Development of Institutions etc.”, em Journal of the Anthropoborical Institute, XVIII, 1889. Steinmetz, Studien zur crsten Entwicklung der Strafe, 1893-95 (Introdução). “Classification des types so­ciaux”, em Année sociobogiquc, 1900.