O que as mulheres pensam
Hannibal
Treze dias
Fantas 2001

Traffic
Prova de vida

Miss detective
Inimigo às portas
O dom

O exorcista (director's cut)
O tigre e o dragão
Blair Witch II
A mexicana
O regresso da múmia
Valentine
American Psycho
O chuveiro

Frequência
Lara Croft
A conspiração da aranha
Pecado original
Final Fantasy
O diário de Bridget Jones
Inteligência artificial
Coração de cavaleiro

Moulin Rouge!
O beijo do dragão
American Pie 2

Quem és tu
Sobreviventes

The score
Jogo de espiões
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01 O que as Mulheres Pensam — O Protegido — Dancer in the Dark

O filme que estreou no dia 16 [de Fevereiro, 2001] no Alfa 1, "O que as mulheres querem", com Mel Gibson e Helen Hunt, vinha anunciado como uma comédia em que um "homem-muito-homem" dá consigo a ouvir o que as mulheres na sua proximidade pensam. Esta ideia de um homem a entrar sem querer no terreno desconhecido do íntimo feminino é de facto muito divertida e foi tratada com muita classe pela relizadora Nancy Meyers, estando os actores todos em grande nível. Mas, se se começa por ser atraído pela perspectiva de uma sessáo bem-disposta, o filme oferece muito mais, pois como todos facilmente imaginam o tema propicia voos largos.
O que é para um homem ouvir o que as mulheres pensam? Primeiro que tudo, um pesadelo! Depois, uma vantagem no local de trabalho... Mas no final, ficou como uma experiência transformadora. A personagem de Mel Gibson apercebe-se da enorme distância entre a imagem que fazia de si próprio e aquela que as mulheres faziam, e isso passa a condicionar o seu comportamento, fazendo com que elas comecem realmente a gostar dele — a cada progresso, ou de concessão em concessão se se preferir, ele traçou um percurso sem retorno, como se verifica quando ele volta a ficar "surdo". Se o tema parece à rimeira vista andar em torno da revelação de como os homens se enganam acerca das mulheres, vendo melhor este filme convence-nos do poder que que há em saber escutar os outros, algo de tão forte que até permite criar entendimento entre dois mundos que a generalidade crê inconciliáveis, o masculino e o feminino. Um desafio para os homens, claro, mas também para as mulheres, se elas também quiserem perceber que podem ajudar os homens a entendê-las.
No Alfa 2, em 3ª semana, está "O protegido", filme que quase pode considerar-se uma sequela de "O sexto sentido". Artisticamente de grande virtuosismo, é dominado pelo diálogo entre duas personagens que são o inverso uma da outra, dois extremos que se tocam, representados por Bruce Willis e Samuel L. Jackson. Tendo em conta que já não tem o mesmo efeito de surpresa que "O sexto sentido", o sucesso deste filme é uma proeza. O realizador, Shyalaman, trouxe mesmo algo de novo ao cinema de Hollywood.
O Páteo do Cinema, na Sociedade Joaquim António d'Aguiar, começou este ano da melhor maneira, com a exibição de "Dancer in the Dark", título não traduzido do último filme do dinamarquês Lars von Trier. Trata-se de uma obra-prima protagonizada por essa incrível artista que é Björk, e que foi uma das maravilhas que o ano 2000 nos trouxe. Valha-nos este "Páteo" por trazer a Évora "os outros filmes". Possam passar por cá também "Queres ser John Malkovich", "Betty", "O que aconteceu a Cookie", "O chuveiro", "Infidelidades" e outras delícias da 7ª arte feitas recentemente.

02 Hannibal

Agora que já vai na 2ª semana e se arrisca a ser o quarto filme consecutivo a ocupar os écrans dos Alfas de Évora durante 3 semanas, serão tantos os que já viram o filme "Hannibal" quantos os que ainda estão para ir vê-lo. Será que os primeiros ficaram desiludidos, e que os segundos devem reconsiderar?
Quanto aos segundos, digo que não: vão mesmo ver. Mesmo que entre os primeiros haja quem diga o contrário, é um bom filme em todos os aspectos. Trata-se do capítulo final de uma trilogia que começa com "O dragão vermelho" e continua com "O silêncio dos inocentes", centrando-se na personagem de um psiquiatra "serial killer" e gastrónomo de carne humana, Hannibal Lecter. Personagem terrível e repelente, que é provavelmente a mais significativa de todas as que Anthony Hopkins encarnou na sua brilhante carreira, como ele um inglês emigrado nos States. O actor recebeu um óscar por "O silêncio dos inocentes" há 10 anos atrás, e mesmo que não repita a proeza com "Hannibal" o seu desempenho continua ao mesmo nível. Nesta terceira parte encontramos o dr. à solta em Florença, como curador de uma biblioteca prestigiosa e com vontade de ficar quieto. Mas apercebe-se de estarem-lhe à caça e, como fera acossada, regressa ao activo, e aos States. Essa caça é-lhe movida primeiro por um comissário de polícia italiano com pedigree (Giancarlo Giannini), a quem o ordenado não chega, e depois pela agente do FBI que protagonizou com ele o capítulo anterior da trilogia (Julianne Moore desta vez). Mas por detrás dum e doutro está uma das vítimas anteriores, praticamente inválido e completamente desfigurado (Gary Oldman, dizem-nos no genérico), mas cheio de dinheiro e influência e sedento de vingança.
Há duas coisas que surpreendem neste filme: a hábil suavização da violência (mesmo nas cenas mais marcantes nunca chega a ser "de terror") e a demonstração que o dr. não é um psicopata homicida, mas sim um justiceiro que acaba com todos os que são "mal-educados" para com ele. Branqueamento da violência e dos assassinos? Claro que não! A violência em "Hannibal" não "mete medo" porque é retratada sem truques, mostra-se tal como podia ser testemunhada na realidade, neste caso pelo espectador (a cena inicial, cinematograficamente muito movimentada, será talvez a excepção). A violência é crua, objectiva, distante de quem a não sofre, não é nada do que costuma aparecer nos filmes para fazer disparar a adrenalina. E se isto faz de "Hannibal" um filme que o público em geral aguenta bem, talvez seja o que leva alguns a acharem que "soube a pouco" (face às expectativas criadas, sem dúvida). Já a imagem de Lecter como um justiceiro que escolhe as vítimas e não como um cão raivoso que ataca qualquer um que lhe esteja ao alcance é arrepiante: são tantas as pessoas "mal-educadas" neste mundo, ricas ou pobres, que de facto ele é uma ameaça para muita gente. E também se torna incómodo por sabermos da frustração que as forças da lei sentem permanentemente, ou por estarem de mãos atadas ou porque são forçadas a matar indiscriminadamente, e isso a cena inicial do filme não deixa de mostrar com grande eloquência. Muito mais podia dizer-se sobre isto, é ir ver e reflectir. E não se deixe de lembrar que os planos de vingança podem ser um tiro que sai pela culatra, e que quando se julga ver sem ser visto isso pode ser um engano. A realização de Ridley Scott é menos espectacular do que o trailer do filme dá a entender, ou do que foi outro filme sobre um justiceiro, "O gladiador", mas vendo bem é muito corajosa (e competente) na opção de evitar a solução fácil de "meter medo". As imagens em Florença são magníficas, toda a encenação é do melhor, o trabalho dos "computer graphics" (CG) é excelente, e depois há momentos sublimes como aquela lágrima que corre pela face de Julianne Moore no momento em que Anthony Hopkins a beija na cozinha.
Sem Hopkins se calhar nem tinham feito este filme, que mesmo assim perdeu por faltar a contracenar com ele Jodie Foster, a actriz principal de "O silêncio dos inocentes". Julianne Moore prestou-se ao serviço muito ingrato de a substituir e o seu desempenho é muito bom, mas não consegue a mesma dureza de olhar, a pronúncia de província (ou então a província é outra, do lado de cá do atlântico...), aquela misteriosa força interior que Foster lhe tinha incutido. Não se pode ter tudo.
Para quem queira repetir certas gracinhas lá em casa, é verdade que o cérebro não sente dor, mas a membrana que o envolve (as meninges) sente horrivelmente. E a morfina não é algo que se compre nas farmácias!

03 Treze dias — Hannibal (cont.) — Fantas 2001

A Guerra Fria foi uma bomba de efeito retardado que começou a sua contagem decrescente no final da II Guerra Mundial, e só não se sabia quando iria rebentar. Mas na crise dos mísseis em Cuba, de Outubro de 1962, viu-se que era chegada a hora. A destruição à escala mundial parecia inevitável: pergunte-se a qualquer pessoa que hoje tenha 60 anos ou mais como sentiu esse episódio perturbador.
O filme "Treze dias" conta como é que ele foi vivido no círculo restrito do então Presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, seus conselheiros, chefes militares e responsáveis da CIA, diplomatas e membros do executivo. Um ambiente de alta tensão retratado com espantosa minúcia (é um filme comprido) e uma destreza narrativa digna de filmes como "Amistad". Mostra-nos como terá sido fulcral nesses dias o adiamento de uma decisão por parte de Kennedy, com o intuito de evitar a precipitação de uma III Guerra Mundial. A crise acabou por resolver-se por via diplomática, e é por isso que este episódio não fica tristemente recordado, se é que sobraria gente para recordá-lo. Foram dias terríveis que este filme muito oportunamente nos faz reviver.
O adiamento da decisão por parte de Kennedy é-nos revelado como um acto de coragem perante os acontecimentos muitas vezes fora do controlo e perante as pressões da parte dos que lhe queriam fazer crer que não havia alternativa ao conflito declarado. À política competia não desistir de encontrar alternativas mais sensatas do que as que se apresentavam no imediato. Os maus da fita não são os soviéticos, mas sim os militares americanos, perdão, os chefes militares americanos (não há como ignorar o contraste implícito, neste filme), secundados pela CIA, ansiosos por vingarem-se do ultraje que representava o regime de Fidel na "ilha aprisionada", e a humilhação que sofreram na tentativa falhada de invasão conhecida como a "Baía dos porcos". Não se sabe o que teria acontecido se fosse Nixon o presidente, mas é provável que tivesse tido uma atitude semelhante à de Kennedy, pois o compromisso para com o país que se administra não pode ser o de pô-lo em risco (assim seja com o actual ocupante do lugar, apesar das aparências que tem dado!).
No filme mostra-se também o inestimável valor da confiança total nos colaboradores, como foi o irmão, Robert Kennedy, e um conselheiro político, Kenneth O'Donnell. É Kevin Costner que interpreta este último, mas sem ter o protagonismo que era costume desde que filmou "Danças com Lobos", e de facto a multidão de personagens é muito bem gerida. E a ideia de nos colocar a observar os acontecimentos pelo ponto de vista dum conselheiro político permite transportar-nos do que se passava nas cúpulas para os reflexos que teriam na vida dos cidadãos comuns. E esses reflexos eram mundiais — apetece lembrar aquela canção "Russians", do Sting, onde se ouve o verso "espero que os russos também amem os seus filhos". Como é dito lá para o fim, foi uma vitória de todos, e vitórias dessas são as que realmente contam. Derrotados? A Guerra Fria, que nunca chegou a concretizar-se numa III Guerra. A paixão humana por matar o próximo tem-se ficado por confrontos mais ou menos locais, pelo menos por enquanto.
Como previsto, e apesar das más línguas que vão circulando, a afluência justifica a continuação de "Hannibal" para a terceira semana nos Alfas de Évora. Para aqueles que ainda hesitam em ir, aqui se reitera ser um excelente filme, só não vão à espera que seja nos mesmos moldes que o seu predecessor "O silêncio dos inocentes". As sequelas tendem a ser repetições, nesta só se repete a personagem de Hannibal, restituída com fidelidade pelo mesmo actor, Anthony Hopkins. Oxalá possam ver os dois filmes, este e "Treze dias", durante a semana.
Estive alguns dias no Porto a ver o Fantas. Buscava uma reconciliação com este grande festival de cinema e não me decepcionei. O destaque vai para o filme mexicano que recebeu o Grande Prémio, publicitado (e bem) como uma adaptação do estilo de Quentin Tarantino, mais precisamente do tipo de narrativa em "Jackie Browne". Só que no Porto vimos uma tragédia, no sentido teatral do termo, que atinge uma grandiosidade como nunca se viu em Tarantino. O realizador chama-se Iñarruti, e o filme "Amor cão" (Amores perros), e faço figas para que, pelo menos no Páteo do Cinema, possa ser visto em Évora. Outros filmes que vi: "Sex Pistols", um excelente documentário sobre a banda e o que ela representou, "Peppermint", filme grego muito agradável e divertido que traça a evolução de um rapaz e do ambiente que o rodeia, durante os anos 60, "Amor e vacas", uma fantasia bucólica neo-zelandesa extraordinariamente bem feita, e cuja actriz principal é muito expressiva, "O coração do guerreiro", dum realizador espanhol estreante e que deixou tudo de boca aberta, mostrando a confusão entre fantasia e realidade na cabeça dum adolescente e aproveitando para desmascarar certos aspectos da "cultura jovem", e finalmente "A verdade irrefutável sobre os demónios", outro da Nova Zelândia mas uma porcaria de filme que já estou quase a conseguir esquecer.

04 Traffic (ninguém sai ileso) — Prova de vida

"Para uma pessoa da minha idade é mais fácil obter drogas do que álcool". A pessoa em questão é a Carolina, personagem do filme "Traffic", que estreou esta sexta-feira no Alfa 1 de Évora, e a idade dela 16 anos. O filme, já premiado com globos de ouro e candidato a 5 óscares, dá-nos um retrato pessimista sobre o combate às drogas "duras", actualmente tão prioritário nos países que têm dinheiro para consumi-la (incluindo Portugal). Um pessimismo que abrange as famílias, os polícias, os magistrados...
Há dois pólos neste tráfico: o do contrabando, aqui retradado no eixo Tijuana-San Diego, com a fronteira México-Califórnia pelo meio, onde avultam as personagens de um polícia mexicano (Benicio del Toro, numa interpretação magnífica), a mulher de um alegado traficante (Catherine Zeta-Jones) e um agente de combate à droga (Don Cheadle, outra presença portentosa); e o consumo que pode ir até às "melhores famílias", como a do recém-nomeado director da política norte-americana de combate à droga (Michael Douglas), a viver na capital Washington e pai da Carolina (Erika Christensen).
Este filme bilingue é uma obra-prima de Steven Soderbergh, ambicioso nos seus propósitos e grandioso na realização dos mesmos. Mostra como os jovens são um investimento para o tráfico da droga: são muitos, acham-se desamparados, e estão educados para o consumo; convivem muito, trocam muita coisa, alguns até sobrevivem vários anos como consumidores e podem tornar-se colaboradores no tráfico. E como é que eles embarcam nisso? A Carolina, uma aluna exemplar, acha que a vida à sua volta é uma farsa, mas só lhe calhou falar disso uma certa noite à frente dos seus novos e indiferentes colegas, ainda por cima já "pedrados". Ter sucesso na escola não a satisfaz, e isso ou outras coisas realmente importantes para ela não as diz aos pais. Por sinal estes pais amam-na profundamente e até se poderiam considerar autoridades na matéria, cada um à sua maneira — mas pensando bem talvez não, a geração é outra e teriam de aprender com a filha, mas o que recebem dela? Insultos ou o "dá-me dinheiro".
Este filme que não é de moralismos nem recorre a artifícios. Mas tem um lado positivo, mostrando de muitas maneiras como a visão pessimista (que mais valia deixar o negócio andar como anda para não haver tantos polícias a morrerem, que tudo se auto-regula com os drogados a irem morrendo e os traficantes a matarem-se uns aos outros quando é caso disso) também é dum cinismo inaceitável: embora declare a derrota das tentativas políticas para combater o tráfico e o consumo, não nega a esperança. Se calhar o principal erro está no Estado achar que pode substituir a família, neste como noutros aspectos das nossas vidas em comunidade. A esperança está talvez nas famílias voltarem a assumir o protagonismo, não no combate ao consumo mas na prevenção, no diálogo com os filhos. O pai de Carolina diz do alto de um pedestal que não sabe "como fazer guerra à própria família", e na posição em que se encontrava era o que acabaria por fazer. Ficam muitas interrogações, sem dúvida.
No Alfa 2 está um filme ("Prova de vida") comparativamente menor, apesar do estatuto de estrela que o actor principal (o "gladiador" Russel Crowe) detém actualmente. A história trata do resgate de um engenheiro raptado numa república sul-americana, onde foi trabalhar para a construção de uma barragem. A história decorre em vivências paralelas: pelas montanhas dos Andes junto do raptado (David Morse), e na casa dele, junto da sua mulher (Meg Ryan) e do negociador (Crowe). Estas duas facetas, ao contrário de se intensificarem mutuamente, são dispersivas e o filme nunca chega a ganhar intensidade. As cenas de acção não vão além do competente, porém há uma (enfrentamento entre os negociadores em casa do engenheiro) que constitui um momento em grande. Melhores são as cenas de exteriores, onde se admiram as paisagens e se sente o envolvimento pela natureza. Pena é que muitos dos espectadores venham a perder a sequência que serve de fundo aos genéricos finais, beleza mágica guardada para aqueles que não viram costas ao écran mal a história se dá por terminada: nela vêem-se, com música de Van Morrisson a acompanhar, imagens aéreas das montanhas de Equador, desde a capital até um vulcão, passando por florestas tropicais, prados, cumes nevados... um regalo.
Se há "trailer" de promoção que nos ludibriam, sem dúvida que o de "Prova de vida" é um deles, dando a entender que o negociador se apaixona pela mulher do engenheiro a quem vai resgatar, com um beijo fora de contexto e mãos a tocarem-se a sugerirem um romance "proibido". Este truque rasteiro para atrair mais espectadores desvirtua a pista mais reveladora duma certa intenção do filme, que vai sendo veiculada pelas confissões pessoais das várias personagens à medida que são levados a meditar sobre as suas próprias vidas e a confidenciá-las com quem calha estar por perto. É-nos revelado na cena de despedida que o negociador ficou grato àqueles por quem arriscou a vida, mas não se diz porquê e não é de certeza por uma questão de honorários ou outras "compensações" mercantis ou sexuais. Depreeende-se que ele voltou para os ajudar, por sua conta e risco, porque isso representava algo de pessoal também para ele. É que, apesar da autonomia em cada missão que recebia, o negociador sentia que nunca tinha a possibilidade de reger a sua própria vida, com as missões, todas irrecusáveis, a virem umas atrás das outras, sem tempo por exemplo para o filho que se foi criando sozinho num colégio em Inglaterra, quase como um estranho. O beijo do filme não é de paixão, é de cumplicidade. A possibilidade de exercer a sua profissão sem ser em resposta a pressões externas mas sim para corresponder a uma determinação própria é um luxo de poucos, que nem a possibilidade de tornar-se patrão substitui.

05 Miss Detective

Apetecia-me diversão e fui a contar com ela ver o filme "Miss Simpatia" no Alfa 1 de Évora. E saí de lá, como toda a gente que saía comigo, com sorriso de orelha a orelha. As situações caricatas de uma agente do FBI que costumava ser maria-rapaz e se acha de repente "enxertada" no concurso de Miss América são às dúzias, muito bem imaginadas, encenadas e filmadas. Interpretada por Sandra Bullock, todo o filme gira em torno da personagem dessa agente. Que se trata de uma excelente actriz já se sabia, mas neste papel ela é mais-que-perfeita, no constante oscilar entre a aversão por um mundo de ilusão fabricada e a aceitação desse mesmo mundo. Num processo de adaptação permanentemente ameaçado pelo desastre no castelo de cartas das aparências, mostra-se que toda a mulher está preparada para ser feminina e encantadora, é uma questão de necessidade e/ou oportunidade, mas sem ter que ver obrigatoriamente com o atrair os homens. Se virmos bem é algo que acontece todos os dias, a ilusão (da beleza e não só) é um facto normal da vida de qualquer um(a). É um filme anti-fundamentalista, que vai falando da queda de tabus à medida que as cenas se desenrolam, mas é também de partir o coco a rir, de ir às lágrimas, de curtir o pagode, de "tirar do sério" — divertido, às vezes picante, mas nunca alarve (apesar de uns exageros e estereótipos de início, que depressa são esquecidos).

06 Inimigo às portas — O dom

"O inimigo às portas" é o mais recente dos filmes que nos conta histórias da II Guerra Mundial. Como os melhores antecessores, é grandioso e dramático. E não hesita em aproveitar deles boas ideias, enquanto traz qualquer coisa de novo por sua conta. Durante o cerco ao exército alemão que tinha tomado Estalinegrado em 1941 um soldado franco-atirador soviético viu-se transformado em herói pela propaganda política, no símbolo que ajudaria a moralizar as tropas, frustradas pela resistência alemã e encurraladas pelas próprias balas, numa batalha devastadora que por sua vez se tornou num símbolo para o mundo de então. Este filme é a dramatização da história verídica de Vassili Zaitsev (Jude Law), transportando-nos para uma terra-de-ninguém coberta de escombros onde a precisão é diabólica e o instinto de caça a principal bênção. Zaitsev acaba por sentir-se incomodado pelo papel de herói que lhe colaram, mas em tempo de guerra isso não é objecto de escolha: não é herói quem quer, como no fado (com todo o respeito). A cinematografia é toda ela uma maravilha, os actores são extraordinários (para além de Jude Law conta-se Ed Harris no papel do franco-atirador alemão que lhe veio dar caça, Bob Hoskins como Nikita Krushchev, Rachel Weisz e Joseph Fiennes nos dois companheiros mais próximos de Zaitsev), mas o argumento deixa bastante a desejar por causa dos diálogos: são tão ingleses que, nas personagens russas, soam a falso por completo. O que vale é a abundância de cenas sem esses brit-textos a interferir entre o trabalho dos actores e a câmara: a expectativa dos soldados no comboio a caminho de Estalinegrado, seus rostos como os bronzes das estátuas soviéticas; o sexo na "caserna"; a eternidade de estar escondido atrás de um fogão... são cenas para as quais todas as palavras estão a mais porque não são suficientes. Ah!, é verdade, a história do filme não reduz a batalha ao confronto entre dois franco-atiradores. O efeito moralizador-desmoralizador do seu trabalho, de que tivemos recente exemplo na guerra da Bósnia, conta sempre alguma coisa, mas o filme não força a narrativa a esse ponto, quem o faz é (mais uma vez) a publicidade que o antecedeu. Mas todos temos a obrigação de lhe saber dar o desconto, não é?
"O dom" é um filme de investigação criminal com esoterismo à mistura. Passa-se no estado americano da Geórgia, há um assassinato e a única maneira de desvendá-lo é através dos dons de uma medium. Não há dúvida que os métodos de Sherlock Holmes têm pouco a ver com as mensagens do além, mas no fim acaba por ter de aceitar-se o que é a evidência. Afinal nunca temos a certeza sobre tudo, e pensando bem há tanta coisa nas nossas vidas que depende de sentimentos que não conseguimos explicar... Ter o dom de utilizar essa sensibilidade para o bem dos outros pode ser a alma de uma comunidade, diz-se a certa altura neste filme. Mas, para quem tem muito a esconder na sua vida um tal dom é uma ameaça, e daí à caça às bruxas é um passo. Postas assim as cartas sobre a mesa (salvo seja), temos um portentoso thriller que mete medo que se farta, tão convincente que é, sendo servido por um naipe de actores de altíssima categoria, com a protagonista (a "Elizabeth" Cate Blanchett) à cabeça, a que se juntam um rapaz perturbado (Giovanni Ribisi, uma grande revelação), um casal onde reina a violência doméstica (Keanu Reeves e Hilary Swank), a vítima e o noivo (Katie Holmes e Greg Kinnear), um advogado algo comprometido (Gary Cole) e um xerife geralmente distraído e muito incrédulo (J.K. Simmons). Não é um filme próprio para pessoas impressionáveis com fantasmas, rostos desfigurados ou gente a invadir a casa dos outros a meio do dia... ou a meio do sono. Mas para os outros todos (acredito que seja a maioria) é filme a não perder.

07 O Exorcista (Director's Cut)

Aqui há umas semanas, por causa do filme "Possuídos" (com Winona Ryder) ficou-me a vontade que de ver o filme "O Exorcista", quanto mais não fosse para pôr em dia a visão que se tinha deste filme feito há 27-28 anos atrás, numa época em que os efeitos especiais e as montagens tipo vídeo clip não existiam.
Para os mais habituados a estas coisas do chamado cinema fantástico, o lendário filme de William Friedkin pode de facto parecer um pouco ultrapassado. Mas, dito isto, tem de admitir-se que, com a grandeza de concepções, a coragem de forçar os limites e a destreza cinematográfica de "O Exorcista", poucos em qualquer época se lhe comparam.
Este filme pós-Hitchcock mantém-se como uma enciclopédia da linguagem do filme de terror. Podemos ver através dele dezenas de outros filmes que, uns mais artisticamente que outros, se serviram das ideias que ele contém. Os efeitos sonoros em particular (foi um dos óscares que conquistou na altura) contribuem grandemente para o impacto das cenas. Segundo parece, alguns dos sons que se ouvem sair da boca endemoinhada são tirados de gravações feitas de verdadeiros exorcismos, e a música é uma espécie de revista de música clássica de vanguarda, incluindo Webern, Penderecki, Henze e muitos outros que não consegui ler nos genéricos, não esquecendo Mike Oldfield, claro.
Para o que mais se parece com uma sessão de cinemateca, é extraordinário como as salas comerciais de hoje se enchem! É evidente que, apesar de estar (mais ou menos bem) aviado de filmes do género, como "Estigma", "Hannibal", "O dom" ou "Blair Witch 2", o público de hoje não quer perder mais uma ocasião de ter medo com "O Exorcista", sem ligar muito à data de 1973 de sua realização. Não saem defraudados: o ambiente sobe de intensidade à medida que os minutos passam, até às cenas do exorcismo propriamente dito que... são um regalo. Bons sonhos é o que se deseja.
Mas a distância que o tempo hoje nos permite dá para assumirmos uma posição muito respeitosa para com a prática do exorcismo: a tentativa de documentar o ritual com fidelidade serve para revelar-nos aspectos da espiritualidade, que a Medicina desdenha, mas não deixam de ser merecedores de reflexão. E o que é mais significativo é os pretextos para essa reflexão interligarem-se nas figuras dos padres: por um lado vemos a alma humana na corda bamba do sentimento de culpa, ora sentindo perder a Fé ora buscando uma forma de redenção (e não deixa de ser intrigante o tom de confiança e desafio com que o demónio acolhe a ideia de enfrentar um exorcismo, como que esperando-o como uma oportunidade de colher uma vitória); por outro vemos o auto-sacrifício, mais especificamente a manifestação de Fé que é o martírio, não só porque o Final Feliz se obtém com mártires (e por isso mesmo não deixa um clima de tudo-está-bem ou de alívio por aí além), mas também pela expressiva reacção do demónio quando se ouve a invocação "pelo sangue dos mártires".
Não se pode dizer que seja uma estreia, mas o filme como que renasceu pois a versão agora disponível, e que a partir de agora deverá contar como a boa, nasceu da substituição do final do filme pela versão que o realizador inicialmente tinha proposto, e prosseguiu com a reposição de várias cenas que tinham ficado de fora. A contento de todos os que foram responsáveis por ele ao que parece.

08 O tigre e o dragão

Ver um filme falado em chinês é pouco comum, mas no caso de "Tigre servil, dragão oculto" (mais conhecido como "O tigre e o dragão") há uma novidade: a "bênção" dos óscares, tanto pelo número de nomeações que recebeu como para os que conquistou, o de melhor filme estrangeiro mais três.
Não interessa se esta repentina apreciação tem a ver com a recente operação de charme dos States após o ingresso da R. P. China na Organização Mundial de Comércio Livre (WTO); o filme é mesmo bom, mereceu ser premiado e, sem dúvida, merece ser visto. Conta as peripécias em torno de uma espada excepcional, a que chamam "Destino Verde", de que um guerreiro era detentor como testemunho do seu valor em combate (o actor que representa o papel desse guerreiro é Chow Yun-Fat, já conhecido de Hollywood pelo menos do filme "Ana e o Rei"). No momento em que decidiu repousar das batalhas, confiou a espada a um amigo, e logo essa espada é roubada e inicia-se um enredo imprevisível onde drama, artes marciais, acrobacia, frases filosóficas e erotismo nos vão encantando com a mestria artística e técnica com que são servidos.
Gostei sobretudo dos actores, dos cenários (interiores e exteriores) e da realização. Então o duelo na floresta de bambu é de uma beleza mágica como nunca vi. Mas tudo no filme é uma delícia. Como anunciado, desenrola-se como se fosse uma lenda, com personagens sobre-humanas num contexto intemporal, ajudado pelo exotismo da civilização chinesa e os efeitos especiais "à Matrix". Na verdade, há várias referências que permitem situar a história na última dinastia imperial, talvez no século XVIII, mas que importa? O tema de que a espada não faz o guerreiro é de todas as épocas, excepto a actual em que tudo acaba por resolver-se à conta de carros armadilhados e urânio empobrecido.

09 Blair Witch II

No Alfa 1 de Évora está "O livro das trevas — Blair Witch 2", continuação do famoso "Projecto Blair Witch". Ir vê-lo foi duplamente um acto de fé: o primeiro filme da série tinha deixado um travo de decepção, e depois as continuações são "sempre" inferiores ao original. Confesso-me positivamente surpreendido, aliás porque se trata de um filme completamente diferente do primeiro. Mas o sucesso deste é o princípio em que se baseia o segundo: a romagem contínua de visitantes à pequena vila de Burkittsville, para conhecerem os locais da filmagem, gerou um turismo oportunista, onde se inclui Jeff, que vende pela Internet todo o tipo de "souvenirs" e lembra-se de organizar uma "caça à bruxa de Blair Witch". Leva consigo 4 clientes: Stephen, um homem que andou sempre na linha e pretende escrever uma tese racionalista para todos os fenómenos considerados de bruxaria, e a namorada Tyrsen; Erica, que se acha bruxa mas de facto não é; e Kim, que não se achando bruxa tem intuições mágicas. Passam uma noite no bosque no lugar onde o primeiro filme tinha terminado (não sem antes de terem de discutir com outro grupo de turistas que também queriam esse lugar) e acordam "amaldiçoados".
O "Projecto Blair Witch" foi um bluff genial, impossível de repetir: propunha ao público de cinema verem um "documentário" da caminhada para a morte de um grupo de estudantes, filmada por eles mesmos. Por isso se compreende a curiosidade mórbida que alastrou pelo mundo e se traduziu numa receita sem precedentes para um filme que tinha sido extraordinariamente barato de preparar (afinal não era um documentário, pois). Nem sequer nos era dado ver a morte de nenhum deles, desapareciam simplesmente, e junto com os genéricos finais a explicarem como foi feito é que ficou aquele travo de decepção, pois nem era verdade nem se "via" nada. Mas temos de concordar que toda a gente foi bem "levada". Parecia que só dava para permanecer como filme de culto que se diluiria no tempo e noutras novidades, mas esta continuação vem trazer-lhe excelente continuidade (já agora, aproveito para assinalar que Tyrsen é uma excelente actriz), trazendo um documentário do que é esse culto e de novo o tema, já em moldes totalmente diferentes (se bem que mais convencionais), de que com certas coisas não se brinca.
As cinco personagens são gente que se acha esperta e sem medo, mas depressa ficam com vontade de voltar para casa e tentar esquecer, só que isso não irá ser possível (por dois tipos de razões). No meio de um enredo muito bem urdido vemos imagens do passado e do futuro a misturarem-se na narrativa, "flashes" brutais (o filme não é para gente muito suscepível) que incluem assassinatos rituais, um condenado à cadeira eléctrica, interrogatórios de polícia, etc.. Outras vezes vemos cenas que para as personagens são extremamente reais mas não passam de sonhos, pesadelos ou ilusões (mas como são tão reais também para nós!). Tudo isto feito em grande estilo. O terror é não ser possível saber o que é real a partir de certa altura. A realidade revela-se secamente com o video, mas ninguém sai do cinema aliviado.

10 A Mexicana

Trata-se duma pistola. É a "Mexicana" e dá o título ao filme que vai no Alfa 1 de Évora. Uma pistola lendária, à qual gente da mais diversa associa uma lenda que vai sendo contada aos tropeções enquanto o filme avança.
A lenda em questão é como o resto do filme: uma comédia trágica. Os encontros violentos e traições suavizam-se com situações caricatas e a burlesca galeria de anti-heróis, deixando a nota dominante de riso. O argumento de J.H. Wyman (um quase estreante) assume vários riscos, entre fazer pouco das incompreensões culturais entre norte-americanos e mexicanos, dar reviravoltas que não lembram ao diabo, e alongar-se por mais de 2 horas. Servido pela hábil realização de Gore Verbinski (cujo currículo inclui a brilhante comédia "Não acordem o rato adormecido"), o imaginativo argumento acaba por seduzir.
Brad Pitt faz o papel de um bandideco que tem de aviar um recado para o seu chefe (Gene Hackman) junto do neto deste último, refugiado numa aldeia do México. Isso custa-lhe a perda da companheira (Julia Roberts), que o põe na rua e zarpa para Las Vegas. Surge o imprevisto com uma bala perdida no México, e quase de imediato um, aliás dois capangas que dão desigualmente pelo nome de Leroy vão atrás dela para raptá-la. Um deles (James Gandolfini) acaba por ser quem lhe faz companhia uma grande parte do filme, mas não deixa de aproveitar a oportunidade de elogiar as roupas do outro antes de o despachar de vez.
O recado é ir buscar a "Mexicana", aparentemente para dar lucro, o que leva certas personagens pouco recomendáveis a praticarem jogo duplo enquanto põem as culpas no desastrado Brad Pitt. As complicações que isto gera são delirantes (por exemplo as múltiplas idas e vindas através de um cruzamento num ermo mexicano onde paira um semáforo disléxico...), mas para o mau da fita está reservada uma bala artesanal e um sinal da cruz colectivo. Já agora, o final feliz tem Pitt e Roberts a discutirem como sempre. Para um filme como este, nada de especialmente invulgar (afinal eles não têm emenda)...
O filme aborda também, no contexto mais incrível é certo, mas de maneira inteligente e muito sensível, a questão das relações afectivas não chegarem a ser duradouras, e a personagem de Julia Roberts centraliza tudo nesse tema paralelo, até pela maneira como se vê testemunha de separações brutais, pela morte. Mas no que toca aos actos de violência, todo o pudor é pouco, daí que se justifique ter sido classificado para maiores de 12 anos. Não haja dúvidas que além de divertido é muito bem urdido — nada de profundo, mas o tempo é bem gasto a vê-lo.

11 O Regresso da Múmia — filmes portugueses

A múmia regressou, e com sucesso ainda maior do que da primeira vez. Isso deve-se não só à maior publicidade mas também ao maior investimento feito nesta continuação, «O regresso da Múmia», que está pela primeira semana (promete ficar mais algumas) no Alfa 1 de Évora. Se na primeira versão foram buscar actores pouco ou nada conhecidos em Hollywood, com uma dose de efeitos especiais apenas razoável, agora a aposta subiu de nível, com esses mesmos actores a terem subido na tabela de preços enquanto a sofisticação, variedade e omnipresença dos truques é muito superior. A história é essencialmente irrelevante, serve de conduto a uma orgia de sensações visuais e sonoras que impressionam e divertem. Mete reincarnações e ressurreições (não só do mumificado Imhotep), um Zeppelin de bolso, muita acção e já agora, a revelação que uma pirâmide tem 3 lados! Brendan Fraser e Rachel Weisz, que formam o entretanto casal-com-filho O'Connell (passámos de 1923 para 1933), são de facto uma boa dupla de actores neste filme que mais parece uma história aos quadradinhos realizada em cinema. Mas nem eles chegam para fazer do filme uma obra de arte. Aliás, a verdadeira estrela principal do filme são os efeitos produzidos em computador, que nos dão imagens que seriam ainda há poucos anos inconcebíveis para o écran. Por isso e pela diversão, vale a pena ver o filme. Mas para quem goste de ver cinema-arte e prefira guardar-se para filmes mais substanciais, então não é de ir, nem a este nem ao do Alfa 2 (com Steven Seagal), nem aliás a muitos dos filmes que se aproximam, típicos da época de Verão que agora abriu.
Esta semana ainda vai haver duas fitas portuguesas em Évora. A primeira é apresentada no auditório da residência universitária Soror Mariana, Rua Diogo Cão nº 8, dia 22 às 18 e 30. Trata-se da exibição de um documentário sobre o 25 de Abril e os anos que se seguiram, montado pelo realizador António Pedro Vasconcelos, que deverá estar presente para conversar com a audiência após a projecção. A segunda é a «Branca de Neve» de João César Monteiro, a fechar um ciclo de 4 semanas dedicado a este autor pelo Pátio do Cinema (SOIR Joaquim António d'Aguiar, dia 24 às 21 e 30). «Branca de Neve» foi a tal que por falta de verba quase não tem imagens, causadora de escândalo apesar de alguns a terem achado interessante e profunda. Em comparação com aqueles que confessaram ter precisado de ir várias vezes para entender esta fita, aqui em Évora estamos em "desvantagem", com um única sessão, mas com a possível (tudo é possível...) edição em video talvez se compense esta desigualdade de oportunidades. Sinceramente, dá-me a ideia que ir ver este filme tem interesse mais por ser um reflexo do país surrealista que somos do que pelas qualidades (mal apreciadas) de César Monteiro.

12 Valentine — Regresso da Múmia — cinema chinês — cinema português

Uma boa surpresa, foi o que senti depois de ter visto o filme "Valentine" no Alfa 2 de Évora. É um exemplo típico de filme de suspense, mas não de terror. Embora as personagens não sejam teenagers é em tudo um filme dessa categoria, não propriamente inovador como "Scream" e "Final Destination" mas bastante bem feito e envolvente. A história começa num "Valentine" (o Dia dos Namorados), quando as personagens da história teriam uns 10 a 12 anos, e mostra a patética deambulação de um rapaz a pedir às colegas para dançarem com ele e a levar recusas nada gentis. Uma delas ainda lhe mente prometendo a dança para mais tarde (e esse "mais tarde" será lembrado no fim do filme), mas a maior crueldade para o rapaz vem duma outra (que por ser gorda nenhum rapaz a abordava): aceita-o mas em seguida atraiçoa-o, deixando-o entregue aos outros rapazes e ao "sistema", cada um à sua maneira encarregando-se de escorraçá-lo.
O filme vai-nos depois conduzir através de várias mortes, até culminar num outro "Valentine" em casa da tal que aceitou e depois atraiçoou, convencendo-nos da possibilidade de vingança pelo tal rapaz entretanto homem, que não seria dirigida aos outros colegas homens ou ao "sistema" mas sim às raparigas que o rejeitaram. Mas seria demasiado banal, e o facto de conseguir surpreender até ao fim é um dos pontos mais a favor deste filme. Outro é a criação de suspense bem à Hitchcock, se bem que as mortes sejam algo obliteradas, evidentemente por opção de ganhar audiências à custa de perder o impacto mórbido. Já a personalidade de quase todos as personagens deixa muito a desejar, mas este é um filme bem actual e nessa actualidade dá até para preocupar. Na vestimenta usada por quem mata destaca-se uma máscara de carnaval, que também parece banal até ao momento que ela é retirada e se revela quem estava por detrás dela. Sem essa máscara, o terror das principais vítimas não teria existido. Hitchcock 100%!
O considerar-se a comédia de aventuras "O Regresso da Múmia" um filme do género de terror faz sorrir. Como se adivinhava, ele aí está pela 3ª semana no Alfa 1 de Évora, como filme de entretenimento levezinho que é.
Esta semana vai testemunhar o início de mais um ciclo do Pátio do Cinema, estando anunciados 3 filmes que são 3 facetas da produção chinesa: "Yi Yi" vem de Taiwan, "O chuveiro" vem de Pequim e "Disponível para amar" vem de Hong Kong. O primeiro vai ser exibido na SOIR Joaquim António d'Aguiar no dia 7 de Junho às 21 e 30 e tem sido muitíssimo gabado pela crítica. Pelo que pude ler, retrata certa fase da vida de uma família qualquer na capital (Taipé), onde todos os seus elementos, cada um segundo a sua própria situação, atravessam uma crise emocional profunda. Um filme intimista onde a mestria narrativa tem especial relevo, dizem-nos.
O cinema em Évora também passa, se bem que na forma de vídeo, pelo auditório da Residência Soror Mariana, Rua Diogo Cão 8, sede do Cineclube da Universidade de Évora. Vem obviamente na esteira das iniciativas cinéfilas da Associação de Estudantes, de grande aceitação nem faz muito tempo ainda, e oferece bastante conforto. Corre actualmente um ciclo de 8 documentários dedicado à história do cinema português, que se iniciou com a produção dos primeiros anos após o 25 de Abril e vai no dia 5 de Junho às 18 e 30 prosseguir com "A terra vista das nuvens", de Margarida Cardoso. O bilhete de 500 escudos é válido para todo o ciclo.

13 American Psycho — O Chuveiro

"American Psycho" (o psicopata americano) é o filme que esta semana ocupa o écran da sala 2 do Alfa Lusomundo de Évora. Um filme que já iniciou a sua carreira em Portugal há várias semanas e teima em permanecer em cartaz. Visualmente está muito bem conseguido, o actor principal (Christian Bale) é portentoso com esta personagem, há ainda muita sensibilidade no tratamento das personagens femininas (duvido que alguém considere a prostituição "vida fácil", mas se houver dúvidas este filme ajuda a tirá-las), mas àparte o estudo de um caso patológico (muito patológico mesmo, e ainda por cima consciente disso), esta fita oferece pouco mais que uma duvidosa nostalgia pela era "yuppie" no seu auge (as músicas são todas de 1987). Quanto à violência, ao sangue, aos cadáveres em decomposição e às cenas de sexo, há-as em quantidades razoáveis; talvez justifiquem o relativo sucesso de bilheteira, mas não me parece que seja por aí que se veja algum interesse genuíno neste filme. Bem desejava que os Alfas não continuassem a ocupar os pouco numerosos écrans disponíveis em Évora com filmes menores como este, enquanto outros mais interessantes acabam por ser retirados dos cartazes, como foi o caso do oscarizado "Quase famosos". Dá cá uma raiva...
E continuando a fazer fitas... depois da "falsa partida" da semana passada, esperemos que desta vez não nos falhe o filme "O chuveiro", previsto para 5ª feira dia 14 no Pátio do Cinema (SOIR Joaquim António d'Aguiar). Passa-se a maior parte do tempo em Pequim, e dentro de um estabelecimento de banhos públicos, num bairro antigo em vias de ser demolido, que funciona como um ponto de encontro para homens de diferentes idades e feitios conversarem, jogarem e relaxarem. A familiaridade que sentimos com as personagens mostra-nos que mesmo os chineses podem ser compreendidos cá pelos ocidentais (mas com legendas!). Vários temas correm em paralelo neste filme, destacando-se o dilema de um homem ainda jovem entre a vida moderna e instalada numa das capitais financeiras deste recente país capitalista e os laços sentimentais com o pai e o irmão no velho bairro. Também são muito belas as cenas numa região remota do oeste da China onde a água para cumprimento de um ritual é trocada, volume por volume, por grãos de cereal. Filme muito sensível e agradável de ver-se, mais um dos sinais da extraordinária vitalidade do cinema chinês, que teve em "O tigre e o dragão" a ponta do icebergue.

14 Frequência

O fenómeno das auroras boreais afinal ainda não está completamente explicado, e em "Frequência" (a fita do Alfa 1 de Évora esta semana) sugerem que o problema está em conceber-se o universo a 3 dimensões, pois isso limita a compreensão que nós poderíamos fazer delas; mesmo a noção que temos do tempo, reduzido à 4ª dimensão, também não seria apropriada para estes fenómenos. Esta especulação científica é explorada pelo filme, pondo pai e filho a conversarem um com o outro vivendo em épocas diferentes. O título "Frequência" refere-se ao velho entretenimento de comunicar via rádio em ondas curtas, que é sujeito a interferências quando há auroras boreais. Imagine-se que duas auroras boreais ocorreram em Nova Iorque com 30 anos de intervalo e teriam permitido esta comunicação à distância, não já do espaço mas sim do tempo? Como se trata de um fenómeno sem explicação científica cabal, então aceita-se a fantasia, e entra-se no jogo deitando uma piscadela de olho à astrofísica, desculpem lá qualquer coisinha.
A ideia que está na origem desta fita é muito gira e foi bem explorada, a credibilidade daquilo que se passa é na verdade o menos. Mal começam a falar um com o outro, tanto pelo microfone como deixando marcas na mobília que se manteve na casa onde vivem, pai e filho resolvem-se a emendar o que é futuro para um e passado para o outro. Os reflexos dessas emendas sobre o futuro, tal como são testemunhados pelo filho, são imprevisíveis, exigindo das personagens uma grande dose de adaptação, e dos espectadores que abdiquem do sentido crítico, porque as regras do jogo são levadas ao extremo — mas em nome de um entretenimento inteligente e com muito sentido de humor, diga-se: é assim que, por exemplo, vemos o filho a ser salvo pelo pai porque conseguiu convencê-lo a deixar de fumar... e ao menos aqui o ser-se fanático do clube local de baseball ajuda muito a acreditar no inacreditável. Para além de contar com uma das mais originais promoções anti-tabagismo de que há memória, é de pôr em relevo a emocionante valorização dos laços de família e do pertencer toda a vida a um só lugar, a uma mesma casa, bem ao contrário do modo de vida de mudanças constantes e desenraizamento nos Estados Unidos. Se calhar vai passar a ser moda...

15 Lara Croft — Evolução

Se já na semana passada já havia pouco a dizer sobre "O Alfaiate do Panamá", um deserto em que meteram o (apesar de tudo, magnífico) actor Geoffrey Rush, esta semana não há muito mais a dizer com a permanência da Lara Croft e com "Evolução", que mal chegam para justificar a tinta que está a ser gasta. Mesmo assim, e apesar da persistência do calor, mas já com a Feira de São João para trás, haverá quem gostasse de saber o que esperar destes dois filmes. Serei breve.
"Lara Croft" (Alfa 1), em segunda semana, quase não tem argumento, pois é a encarnação de um jogo vídeo muito famoso, o "tumbe reider". Aventuras em cenários espantosos (incluindo a casa da heroína), muita tecnologia e acção, alguns efeitos visuais magníficos, um ou outro sorriso com as réplicas das personagens, o mundo salvo mais uma vez e está a andar. Em abono da verdade, as imagens (não os diálogos) no abandonado templo budista no Cambodja valem o sacrifício de ver o resto do filme.
"Evolução" (Alfa 2) não tem ponta por onde pegar-lhe. Disparates é o que não falta nesta fita, desde o auto-treino de um candidato a bombeiro até à "brilhante" utilização da Tabela Periódica dos Elementos — até as criaturas animadas são um disparate. O argumento trata só de despertar gargalhadas avulsas para consumo doméstico. Só para ter-se uma ideia, põem Julianne Moore a dizer que, quando os extra-terrestres alastrassem para o resto dos Estados Unidos, "iríamos extinguir-nos". Sim, porque nós cá na Europa e no resto do mundo é tudo de outra espécie...

16 A Conspiração da Aranha

No Alfa 2 de Évora temos "A conspiração da aranha", filme do tipo policial que vem repovoar o deserto fílmico em que nos encontrávamos há umas semanas. Um raptor perfeccionista e implacável (Michael Wincott) planeia um golpe de mestre com extrema minúcia e paciência, e após ter concluído a primeira parte da sua obra-prima coloca em campo um polícia (na inimitável personifcação de Morgan Freeman) que é perito em psicologia criminal. Para quê? Para ter alguém à altura de apreciá-lo e à sua mente preversa. Este narcisismo depara com duas dificuldades, vindas, significativamente digo eu, de personagens do sexo feminino: o engenho e instinto de sobrevivência da miúda que ele raptou (Mika Boorem), e o jogo escondido de uma bela agente dos Serviços Secretos (Monica Potter), que faz de vítima durante quase todo o filme. No final da história encontramo-nos numa situação absolutamente imprevisível face ao que se esperava do filme, e dá para gostar muito da ideia. Artisticamente soberbo, muito bem articulado e convincente a 95%, mesmo que algo chocante na crueza com que são retratados os diversos assassinatos, é uma fita que vale a pena o eventual sacrifício de não a deixar ir embora sem ver (especialmente face à miséria das que a antecederam). Já agora, a cena inicial retrata de uma maneira espectacular um acidente de automóvel, como nunca me foi dado ver — e que talvez faça algumas pessoas pensar duas vezes antes de se meterem a assapar.

17 Pecado Original

Tenho que me confessar surpreendido pelo facto de, no meio de todo o "entretenimento de Verão" que está programado para as duas únicas salas de cinema regulares em Évora, lá vão aparecendo fitas que nos oferecem espectáculos mais próprios de outras épocas do ano e com grande valor. É o caso de "Pecado original" (Alfa 2), que à primeira vista não passava de um pretexto para juntar no écran o macho latino António Banderas com a talentosa Angelina Jolie, mas que mostra ir bem além disso.
Diga-se de passagem que estes dois actores vão muitíssimo bem. Ela desempenha o papel de uma mulher que, por causa da sua relação com um homem que não pertence ao mesmo mundo que ela, passa a viver mais do que uma, mais do que duas vidas até, produzindo-se um conflito interior que se vai intensificando à medida que essas vidas paralelas vão ganhando dimensão dentro dela. Quanto a Banderas, tem simplesmente a mais profunda e madura actuação da sua carreira até agora, mesmo contando com os filmes de Almodovar. Ao pé disso, tanto "Tomb Raider" como "Spy Kids" (mesmo "A marca do Zorro") são lixo.
Depois, há a realização a cargo de Michael Cristofer, muito cuidada e com toques de inovação. Trata-se de um quase estreante nestas lides, mas com muito a provar. O filme passa-se quase inteiramente em interiores onde o aconchego da decoração colonial espanhola do final do século XIX, os grandes planos, as cores quentes, tudo se conjuga para um clima de intimidade importante para o desenrolar do argumento. Além disso, há pelo menos duas ocasiões em que a acção é mostrada não em câmara lenta mas "aos saltos", através do simples expediente de efectuar cortes a meio do movimento, e devo dizer que, depois de surpreender, deu para gostar. Só tenho a criticar a mal preparada aparição da que devia ser a cunhada do señor Vargas, vinda de escantilhão do Delaware para dizer a ele que tinha casado com uma impostora.
Mas o que mais me entusiasmou no filme foi o próprio argumento, adaptado por Cristofer (cuja carreira em Hollywood tem sido principalmente a de autor) a partir do romance "Waltz into the darkness", do já falecido Cornell Woolrich (com o pseudónimo William Irish). Logo no encontro entre as duas personagens principais, já aí marcado por mentiras fatais e mentiras inocentes, se nota a subtileza poética do texto, que pelo menos até à muito badalada cena da primeira noite sexual é o elemento dominante do espectáculo. O filme perde um pouco o ritmo até ao intervalo, mas depois expande-se para um drama fortíssimo, em que o que devia ser um casamento por encomenda, sem grande história, se embrenha num feixe de paixões; é de facto uma "valsa para a escuridão" que transforma as personagens irreversivelmente. Há uma frase, trocada pelos dois quase no início, que diz muita coisa não só sobre o filme mas sobre as nossas vidas, e que cito mais coisa menos coisa: "quando estou contigo sou como outra pessoa... mas sinto-me mais próximo daquilo que sou na realidade".
O filme diz-nos que não é uma história de amor mas uma história sobre o amor, mas faz tudo para demonstrar que não poderia nunca ser sobre o amor sem tê-lo dentro de si.

18 Final Fantasy

"Final Fantasy", assim, sem tradução, não porque esta não fosse fácil mas porque o nome original, como já aconteceu com o "Lara Croft — Tomb Raider", era aquele que toda a gente previamente conhecia: mais uma vez, um jogo de computador extremamente famoso. Mas desta vez são os próprios criadores do jogo que, sem sairem da programação de gráficos em computador, que se metem a fazer uma versão de cinema, acrescentando-lhe o subtítulo "os espíritos por dentro". O resultado é, no dizer de muitos, revolucionário. Mas, apesar de eu concordar, e recomendar vivamente que não percam esta fita, ela tem os seus quês.
Ir ver "Final Fantasy" é, antes do mais, dar um enorme valor à perfeição técnica e artística da imensa equipa de animadores gráficos liderada por Hironobu Sakaguchi (autor do jogo) e Motonori Sakakibara (cinematografia), que criaram em computador figuras de aspecto humano com um realismo que me chegaram a pôr na dúvida se seriam actores de carne osso cujas peles foram estilizadas para dar um aspecto de bonecos, ou apenas bonecos. Não há comparação possível deste resultado fabuloso com o quer que seja que alguma vez tenha sido feito (e ainda não é muito) nesta especialidade cinematográfica. Mas vendo o filme também se dá bastante valor aos argumentistas doutros filmes, e aí tem de pedir-se ao espectador uma grande dose de tolerância porque a história é assim-assim, e por vezes os diálogos roçam o ridículo. As vozes incluem nomes conhecidos, como Alec Baldwin, Donald Sutherland e James Woods, havendo ainda o destaque para a americana nascida em Macau Ming-Na, nas falas da figura protagonista.
Entre dar a história do filme, que se passa num futuro apocalíptico com referências insistentes à teoria de Gaia, e realçar o espectáculo audio-visual que se desenrola, a escolha não podia ser mais fácil. Cada personagem teve pelo menos um técnico inteiramente dedicado à sua animação, produzindo formas, texturas e (que me desculpem na Walt Disney Pictures) movimentos incomparavelmente realistas nos dias que correm; abstraindo os tais quês, a sensação anda a roçar o maravilhamento para o espectador que tenta imaginar como é que eles conseguiram com o cursor do rato fazer coisas daquelas. No fundo, conseguiram-no com um misto de engenho e criação. A figura humana tem-se demonstrado especialmente difícil de animar, mesmo ao longo das décadas em que só se fazia com desenhos, e mais ainda nas tímidas tentativas que já foram feitas por computador. De repente, aparece-nos um filme que mostra tudo como se já há muitos anos se tivesse evoluído para um apuramento quase perfeito! Num extremo da sofisticação temos os lisos cabelos da heroína Aki Ross, que segundo nos contam são em número de 60000 e vemos mexerem-se ao vento ou agitando-se com os movimentos da cabeça, ou a pele do capitão Gray Edwards, onde não faltam os sinais no pescoço ou os detalhes mais ínfimos de textura, ou ainda o louco percurso do jeep futurista em que o esquadrão do capitão a certa altura se mete; no extremo oposto temos a reduzida expressão facial e da garganta em todas as personagens, que para além dos movimentos da boca, muito comedidos, dos olhos (mesmo assim expressivos) e dos sobrolhos, pouco mais têm — talvez isto fosse de considerar deliberado, à conta de ser realizado por pessoas cujos códigos de conduta (orientais) recomendam esse mesmo comedimento que nós os bárbaros ocidentais não empregamos, mas de facto dá um ar falso àquelas personagens obviamente norte-americanas.
Uma coisa me fica como a mais interessante desta fita: que o cinema vai dar um salto em frente com ela, isso vai. E mesmo para quem não se interesse pela inovação que tecnicamente constitui, há a beleza do espectáculo, o festival de cores em certas cenas, a sonorização, e porque não, um despertar do interesse pela teoria de Gaia.

19 O Diário de Bridget Jones

Temos esta semana em continuação, no Alfa 2 de Évora, "O diário de Bridget Jones", uma comédia que acompanha de Dezembro a Dezembro a vida de uma rapariga, já nos seus trintas, que parece condenada a ficar solteirona e agora resolve escrever um diário. Produção internacional (como ficamos logo a ver de princípio com a irritante série de logotipos) mas centrada em Londres e com actores a falarem muito british, é dirigida por Shaun O'Brien, realizadora estreante mas bastante capaz, e conta com um algo envelhecido Hugh Grant, com Colin Firth, uma excelente colecção de actores secundários e, no papel principal, com a brilhante mas engordada Renée Zellweger.
A fita é de início algo confusa narrativamente, e o excesso de texto não ajuda muito a evitar uma certa frustração no espectador em encaixar-se no enredo, mas não deixará de se tornar para todos numa comédia hilariante, com as situações patéticas mas muito naturais que aparecem, tais como a primeira reportagem (nos bombeiros) que Bridget faz no seu novo emprego na televisão, ou o jantar do dia de anos que ela fez para os amigos e até para ingleses era mau. É uma comédia para levar a sério ao mesmo tempo, pois tem como fundo a psicose da mulher que vive independente apenas porque não dá com marido que lhe sirva (Bridget nem sequer tem a desculpa de "ter uma carreira"), enquanto desenha personagens extremamente convincentes na sua normalidade diversificada, todos cheios de pequenas fraquezas até na expressão dos seus sentimentos, e que no entanto encontram sem saber como as forças para se manifestarem, sem estilo mas com convicção, nos momentos cruciais. A melhor cena neste aspecto tem lugar no momento solene duma espécie de compromisso de noivado que tem tudo para ser um preâmbulo do casamento que se espera, mas onde alguém — quem havia de ser? — levanta a voz e estraga o arranjinho para não ter de "calar-se para sempre". Não que ela dissesse alguma coisa de articulado nesse momento de máximo drama, mas apesar das aparências em contrário fez-se compreender perfeitamente para uma pessoa em particular, e bastava. Mostrar o supérfluo das palavras, como mal necessário, é aliás uma das belezas mais genuínas desta fita.
A actriz principal enche este filme com a sua arte. Texana de origem, muito americana como se pôde ver no filme "Nurse Betty" que lhe valeu uma Globo de Ouro em 2000, vêmo-la aqui a falar inglês da Inglaterra como todos os outros (pelo menos é-o para os meus ouvidos), e isso é apenas uma das incríveis proezas que lhe vemos na composição da personagem Bridget Jones. Sem dúvida que haveria muitas actrizes inglesas para essa personagem, mas se foram buscar esta americana, mesmo que por opção da produção, é-se levado a perguntar se haveria outra à altura do talento instintivo de Renée Zellweger. Não é exagero. Valeria a pena ver esta fita, se não fosse por mais nada, só pela presença mágica desta actriz.

20 Inteligência artificial — Coração de cavaleiro

"Inteligência artificial", no Alfa 1 de Évora já pela segunda semana, é o mais recente filme de Steven Spielberg, baseado num projecto que outro mestre do cinema, Stanley Kubrick, andou a alinhavar durante anos. O título refere-se a uma das fantasias favoritas da ficção científica — robôs. Num futuro talvez não muito distante marcado pela subida do nível do oceanos (derretidos os gelos polares pelo aquecimento global) e pela limitação drástica dos nascimentos (como já hoje se vê acontecer na China), um especialista na concepção de robôs propõe o desafio de fabricar um que seja capaz de emoções e instintos, reunindo as qualidades que permitam a uma família que o adopte amá-lo em troca, mesmo sabendo que é uma máquina: um filho (representado pelo talentoso Haley Joe Osment) que ame infinitamente, sem outras exigências para além do afecto por parte dos pais, a perfeita substituição dos filhos para casais que os não têm. Embora com fito comercial (um "novo mercado" nessa sociedade futura) desde logo declarado, a concepção deste protótipo de filho-robô é para o especialista (William Hurt) uma projecção do filho que ele próprio tivera e perdera, dando-lhe até a aparência física desse filho. Mas é um produto que, se sabe amar totalmente a pessoa a quem chama "mamã" (Frances O'Connor) e aos que a rodeiam, não foi concebido para conter os seus afectos, acabando por ser considerado perigoso e por fim rejeitado (não há engenhos perfeitos). Uma vez fora do meio para que foi concebido, o seu destino provável é o de todos os robôs excluídos — destruição — porém com a enorme agravante de sentir entretanto a solidão, que procura compensar com a fantasia de tornar-se humano, ficando na companhia de outros dois robôs, o urso de peluche e o gigolô (Jude Law).
A fita desenrola-se em duas partes muito diferentes uma da outra: a primeira centra-se no processo de adopção, na convivência em família e nas tensões que se criam, concluindo-se pela resolução de mandar o filho adoptivo para o lixo; na segunda, é o vaguear em busca duma quimera redentora que permita o regresso ao seio familiar. Há ainda um epílogo, 2000 anos ainda mais adiante, num futuro em reverso apenas povoado por robôs que são aquilo que ficou da extinta presença humana, onde esse regresso é fugazmente realizado. Se a primeira parte é um fascinante exercício sobre as relações entre mãe e filho, a odisseia da segunda parte é bastante desarticulada, parecendo mais longa do que é, chegando mesmo a tornar-se chata. Esta sensação pode ser fruto do ambiente demasiado "à Kubrick" que percorre o filme — quem tiver visto "De olhos bem fechados reconhecerá isso facilmente. Spielberg parece estar fora do seu elemento ao procurar a emulação de Kubrick, e isso há-de fazer com que, apesar do grande sucesso de bilheteira, esta fique como uma das suas fitas menos conseguidas.
Não que isso signifique deixar de valer a pena ir vê-la. A primeira parte é uma magistral peça de cinema e suscita reflexões sobre temas muito importantes e de grande actualidade: a produção de clones humanos, a maldade em diferentes idades, os laços emocionais e a responsabilidade afectiva que se desenvolvem numa filiação adoptiva, a inevitabilidade de crescer assim como a de morrer, a exclusão social, o controlo demográfico...
Aos autores de "2001: Odisseia no espaço" (Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke) ainda tiveram a oportunidade de pelo menos entrever (Kubrick faleceu há 2 anos) a situação à chegada a 2001, bem diferente do que terão imaginado na altura. Spielberg também nos mostra uma imagem de Manhattan submersa pelos oceanos, donde emergem as torres do World Trade Center como se se mantivessem intactas por tanto tempo, pelo que se prova mais uma vez que fazer futurologia é ainda mais arriscado do que fazer meteorologia. Ao mesmo tempo, porque não dar-se largas à imaginação, como se faz por exemplo no epílogo ao filme: quem sabe se não será possível ressuscitar uma pessoa, por um dia, a partir duma madeixa de cabelo? É melhor não dizer que é impossível: se alguém dissesse ao Lidador, no século XII, que um dia seria fácil ir-se Évora a Beja em três quartos de hora, ele diria o quê, que acreditava? O futuro a Deus pertence, mas o sonho comanda a vida....
No Alfa 2 está "Coração de cavaleiro", paródia às gestas medievais que não perde tempo a dizer-nos que não é para levar a sério, pois logo de início se vê a multidão assistindo a um torneio fazer o "sing along" à música "We Will Rock You" dos Queen. Dito isto, é uma comédia divertida feita com profissionalismo técnico e artístico, onde o impressionante guarda roupa (passem os penteados e chapelaria à século XX que a donzela alardeia) tem especial relevo.

21 Moulin Rouge!

O Alfa 1 de Évora recebeu esta semana "Moulin Rouge!", produção australiana muito badalada na sua estreia há meses, por causa da estrela Nicole Kidman estar divorciada de fresco. É uma fita extravagante. Em lugar de nos fazer uma reconstituição histórica do ainda existente teatro com esse nome em Paris (Montmartre) há um século atrás, fica-se por lhe ser fiel visualmente para virar tudo de pernas para o ar no resto, aliás bem à maneira do seu invulgar realizador, Baz Luhrmann. Tal como o antecessor "Romeu and Juliet", é uma fita musical, mas em lugar de trazer um repertório novo faz uma miscelânea de canções anglo-americanas do século XX (sobretudo dos anos 60 até 80) — sobre o tal tema que primeiro é desejo, depois paixão, em seguida desconfiança... já deu para perceber! A própria encenação é outra miscelânea que tal, indo buscar de tudo um pouco a outros filmes, colando as ideias sem grandes preocupações de plágio. E isto, porque tais miscelâneas são geniais, constitui para o espectador uma das tais ocasiões de experimentar algo que arrebata não só pelo esplendor técnico e sensitivo, mas também pelo imprevisto.
A história até podia ser tida como trivial: veio um jovem escritor inglês (representado por Ewan McGregor), com fracos recursos financeiros, viver defronte do Moulin Rouge (moinho vermelho), atraído pela fama deste lugar e esperando não só inspirar-se nesse "mundo clandestino" (underworld) do espectáculo, onde também se desenvolve um negócio de prostituição para consumidores mais ou menos brasonados — e na mó de cima, claro — mas também para saber, veja-se bem, o que é o Amor. Dá-lhe para encontrá-Lo logo na mais cobiçada das artistas-cortesãs (Kidman), e conquista-a, depois perde-a, mas fica-lhe a memória do que viveu para contar numa obra que acaba por escrever. A inspiração também a encontrou, mas é provável que não da maneira que teria esperado (nunca é).
"A Beleza, a Verdade, a Liberdade e o Amor" — os 4 motivos inspiradores da boémia na Belle Époque parisiense (mas que se desviavam em inevitável curto-circuito para a mais rasteira miséria), são também os motivos deste filme que surpreende (positiva ou negativamente) quem o vai ver. O público que melhor desfrutaria dele parece primar pela ausência, pois vêem-se principalmente jovens a quem é impossível a memória dos anos em que as músicas que se ouvem apareceram (permito-me duvidar que a magnífica versão em tango de "Roxanne", dos Police, seja apreciada por quem anda agora nos seus teens, e é só um exemplo). O emergir de palavras cantadas originalmente pelos Communards, Elton John, os Wings (e tantos outros), na boca de personagens de há 1 século, escolhidas para preencherem as deixas de inúmeras cenas, são antecipações provocadoras de reflexões sobre como os artistas não inventam nada nas suas obras, apenas encontram maneiras de expressar sentimentos da alma humana que não têm tempo nem lugar. E, para os motivos acima referidos, nunca faltarão novas expressões que irão inspirar as respectivas gerações, que as cultivarão no seu íntimo, passados anos. Trintões, quarentões, cinquentões, vá lá, larguem a novela e o futebol e não percam esta peça rara!
Os cenários, os actores, os efeitos visuais, os jogos de câmara, as entrelinhas (mesmo quando se trata de letras de canções, só que em novo contexto), são preciosos. Neste festim de sensações, é claro que ressalta a beleza e a elegância de Nicole Kidman, de quem ainda se pode esperar muito, não só desses atributos mas do seu talento de actriz, e em muito maior frequência que nos últimos anos, por motivos que são conhecidos. Amadureceu em grande estilo, e o cinema e o público podem contar que a carreira dela ganhe um novo balanço.
É muito curiosa a presença da gaiola com pássaros, nos bastidores, metáfora da situação dos artistas do palco, apesar do brilho da ribalta e da admiração de que são alvo momentânea e quotidianamente, aprisionados no underworld. Como diz o dono do Moulin Rouge (o magnífico actor Jim Broadbent), os do underworld não se podem dar ao luxo de se apaixonarem. Compete-lhes serem ilusão para os seus clientes, não lhes cabe terem ilusões para si mesmos. E não se trata apenas dos que pisam o palco, no fundo corresponde a todos os que, através do que vivem interiormente, acabam por ser capazes de dar aos outros algo mais que dinheiro, honras ou coisas. E esses chamamos de artistas.

22 O Beijo do dragão — American Pie 2

Estreou esta semana no Alfa 1 de Évora "O beijo do dragão", tendo por pano de fundo "American Pie 2" em prolongada continuação na sala 2 (mas de casa ainda bem cheia). A fita em estreia passa-se em Paris e começa praticamente pelo assassínio de um gangster chinês que na altura pensava chegar ao céu mas por outras vias. O bode expiatório de tal acto é um polícia chinês (representado por Jet Li) em missão oficial junto de polícias franceses, os verdadeiros perpetradores. A história mete uma prostituta americana (Bridget Fonda) e violência a rodos, mas o que merece real destaque são as excelentes coreografias de artes marciais, como não se vê talvez desde os filmes de Bruce Lee. Comparando com os Seagals, Ranger Walkers e outros que nem merece a pena lembrar, Jet Li mostra que o produto original (leia-se os executantes chineses) é inimitável. Os duelos entre este homem de pouca figura, mas olhar felino, e batatudos representantes de outras raças são muito convincentes, e ilustram a essência do Kung-Fu, elevar o indivíduo a desempenhos insuspeitados através da disciplina física e do estado de alerta espiritual — e da exploração dos pontos fracos do adversário. A acupunctura é outra das estrelas desta fita, muito usada em alguns desses pontos fracos, como o que dá o título ao filme, onde a discreta agulha (reutilizável!) provoca um devastador curto-circuito na circulação sanguínea (não tentem isso com ninguém lá em casa). Um filme movimentadíssimo, onde é tão boa a empatia do realizador (Chris Nahon) pelas imagens de luta, tiroteio e perseguição como má é a sua encenação de quadros mais parados (chego a pensar que as cenas do hospital foram preparadas à pressa, de tão mal feitas que são). Já aquela ideia de transmitir-nos a tensão do herói quando, após escapar de um cerco mortal que lhe fizeram, entra inconspícuo numa plataforma de Metro e todos os inocentes gestos do público onde ele se misturou lhe parecem ameaças físicas, é mesmo brilhante, um efeito espectacular onde Jet Li se mostra um actor a valer.
Em suma, para quem aprecie o género, e apesar da banalidade do enredo, é um filme muito giro. Mas há ainda mais coisas que vale a pena realçar: tendo por cenário a democrática França, mostram-nos várias vezes os polícias (mesmo que sendo maus, isso é só cá para a gente e se calhar não são todos) a disparar sobre gente inocente, facto tão verosímil nos tempos que correm como a apatia com que o mesmo é aceite na vida real e pelo público de cinema; e um dos maus da fita a certa altura usa uma metralhadora sofisticada a pretexto de apanhar uns que ele nem sabe ao certo quem são que se escondem dentro duma lojeca dum chinês velhote, matando o dono e destruindo tudo, mas sem conseguir mais nada — apenas ser morto com uma arma improvisada. Sem fazer muito esforço de imaginação, são reflexos do nosso deplorável quotidiano.
As subtilezas de "American Pie 2" são bem de outro teor, mas por estranho que pareça até as há. É claro que a base é a repetição da receita desta inteligente paródia à obcessão pelo sexo, com novas situações delirantes. Apesar do predominante meia-bola-e-força, reconheça-se que o filme é muito bem feito e até tem um desfecho muito curioso dentro do género. Para tirar o máximo gozo dele e não dar por mal empregado o dinheiro e o tempo nem é preciso muito, basta ir vê-lo com um espírito aberto para a paródia. Não que se perca muito por não vê-lo...

23 Quem és tu — Sobreviventes — I Festival Internacional de Curtas-Metragens de Évora

A estreia de mais um filme português não deixa de ser um motivo de celebração em si mesmo, a par da apreensão com que se vai para a sala de cinema, entre apreciações laudatórias nos festivais internacionais e a incontornável tendência do (já de si pouco) público nacional para ir-se embora no intervalo ou até antes. "Quem és tu?" de João Botelho é a estreia do momento (Alfa 2 de Évora), com amplos apoios de produção, distribuição e promoção, um bom casting (destaque para o casal Susana Borges-Rui Morrison), e a nobre motivação de adaptar "Frei Luís de Sousa" Almeida Garrett, colocando a tónica no Sebastianismo — em prosseguimento da saga interrogativa do realizador de "Um adeus português".
Acho que não precisava dos 2 cafés que tomei para aguentar este filme. Apesar da má dicção de alguns actores, da desastrada banda sonora, e da protocolar inacção das cenas (agravada pelo atabalhoamento de muitas mudanças de cena), tem de admirar-se a perfeita composição das imagens, a sábia introdução "pedagógica" enquadrando o mito sebastianista (dando voz a alguns pontos de vista que não nos dão na escola), a impecável e variada técnica cinematográfica, e a intensidade dramática das cenas mais importantes (na sala de retratos e na cave). Podia preferir-se comparar a beleza pictórica deste cinema à das "naturezas mortas", ou acentuar a contradição com a partícula "cine", ou mesmo dizer que a peça de Garrett nem para teatro serve (ou que perderam uma oportunidade para reinventá-la), mas a realidade é que estamos perante uma fita muito respeitável que ajuda a reflectir sobre as raízes da nossa fatalidade colectiva, de forma amadurecida e quase sem facciosismo (já de si uma proeza). Ir vê-la é aproveitar a oportunidade de uma distribuição subsidiada e — já agora — para ver o Rogério Samora com penteado à santantoninho, decerto um tema fértil para o jet-set feminino nos útimos tempos...
"Sobreviventes" está na sala ao lado e contrasta em tudo: é mexido, virado para a frente, tem uma banda sonora de 20 valores, e lotações esgotadas. Aproveitando o mesmo truque de "O sexto sentido", leva-nos ao engano, a pensar que é uma fita de teenagers mais ou menos trivial, com terror e erotismo q.b., um argumento um bocado confuso até, apenas se notando para melhor a grande mestria da realização (de Stephen Carpenter, que segundo pude apurar não dirigia um filme há 15 anos).
Pois é. Quando lá para o fim nos deram a perceber o que é que se andava a passar, eu cá fiquei abananado: esta fita é uma espantosa incursão no mundo dos sonhos, ou do inconsciente se se preferir, onde nada parece fazer sentido porque "baralha e volta a dar" tudo aquilo que, quando acordados, temos como real. Apesar de afinal não ser um argumento confuso, ficou-me uma enorme vontade de ir vê-la outra vez para apreciar melhor o meticuloso jogo de ilusionismo que fazem com o espectador, mas como isto é cartaz para mais de uma semana (oxalá não me engane!), posso dizer que "tenho tempo". Já agora, a direcção de actores é simplesmente extraordinária, muito centrada na protagonista (Melissa Sagemiller) mas sem descurar nenhum das outras personagens. Uau, gostei!
P.S. — Esta quarta-feira vão ser projectados no Auditório Soror Mariana (Rua Diogo Cão, 8) os filmes premiados no Festival Internacional de Curtas-Metragens de Évora que decorreu há duas semanas, organizado em conjunto pela Sociedade Joaquim António d'Aguiar e o Cineclube Universitário. Interessante este juntar de esforços entre duas instituições tão diferentes, espero que isso faça escola em Évora, não só para o cinema mas também para os mais variados campos da actividade cultural. Bem falta faz.

24 The score

Esta semana chegou a Évora (Alfa 2) "The score — sem saída", uma fita que me suscitava à partida bastante curiosidade. Não tanto pelo tema já um bocado gasto do assalto considerado impossível (de que tivemos um exemplo recente de duvidosa qualidade, onde apesar de tudo se podia apreciar um Travolta em bom nível), mas pela oportunidade de rever o já reformado Marlon Brando na companhia de excelentes actores muito activos actualmente, como são Robert de Niro e Edward Norton. O filme é bom, aliás é o melhor que já vi no género desde "O chacal", com muito suspense em toda a sua duração (mas sobretudo nas cenas da realização do furto), e com a tensão permanente entre as personagens de Norton e Niro, cujo modo de vida as leva a viverem em insuportável desconfiança. Ser-se bandido (também) não é pera doce, e por isso eles aspiram todos, mais tarde ou mais cedo, a livrarem-se disso e viverem uma vida normal (de preferência à custa do produto dos roubos). Entre estas duas personagens há uma separação de 25 anos de experiência (que acaba por fazer a diferença no final), e o contraste entre elas é muito bem explorado como tema paralelo. A meticulosa preparação do furto mostra-nos os imprevistos e a maneira como são solucionados, o receio de que as coisas corram mal (o pormenor da tampa inferior à escada de acesso é muito revelador), o que a par da relativa bondade destes bandidos nos faz quase admirá-los. No entanto, duvido que os que já tiveram património histórico de grande valor artístico e o viram ser furtado (das igrejas, de cofres, de museus, de casas particulares) se conformem com o desfecho do filme. O crime compensa?...
A realização de Frank Oz mostra muito bom-gosto, com requinte e sobriedade (gostei muito do facto de não haver mortes, violentas ou não); presenteia-nos com umas vistas da que é considerada uma das mais belas cidades da América do Norte (Montreal) e mantém o filme em excelente ritmo, ajudado por um argumento bem urdido e que evita o previsível. Brando dá um "ar da sua graça" como actor na cena da piscina (ou sauna?), Angela Basset continua com aquele brilho que lhe é tão peculiar, mas os dois actores principais são o grande expoente deste estupendo pedaço de cinema. Mesmo a miudagem que não consegue bilhete para o Potter e decide ir à sala ao lado fica a ganhar, tenho a certeza.

25 Jogo de espiões — Sociedade Harmonia Eborense

Na semana natalícia estreia-se em Évora o filme "Jogo de espiões", uma viagem não-autorizada aos interiores da CIA. Contrastando com o tipo de cinema considerado próprio para a estação, não nos fala de coisas bonitas, de generosidade, de confiança entre os homens, de um futuro melhor... Mostra-nos antes personagens cujos comportamentos são condicionados por um permanente estado de guerra, o mais anti-natalício de todos os temas.
O ponto fulcral desta intrigante fita situa-se em Beirute (capital do Líbano), que nos anos 80 foi palco de uma guerra civil altamente mediatizada. Um agente da CIA (Brad Pitt), sob ordens de outro operacional (Robert Redford) que foi o seu mentor desde os tempos em que se encontraram na guerra do Vietname, encontra-se lá porque é lá que "há acção". Os objectivos são atingidos (um terrorista é morto), mas os danos colaterais são para ele, desta vez, para além do suportável. Se o seu estado de espírito já não era muito conciliador, agora é de vez que ele se farta do "bem maior" que o leva a participar em actos execráveis (ainda por cima porque, tendo ele talento para isso, os leva mesmo até ao fim), e despede-se do seu mentor. Cherchez la femme (Catherine McCormack), e o mentor transacciona com os serviços secretos chineses a mulher que passara a ser o "bem maior" do seu pupilo, em troca de um agente qualquer que estes tinham como refém. Seis anos mais tarde, este está à beira de ser executado pelos chineses, que o apanharam a tentar resgatá-la, e o mentor faz sua a missão impossível de lhe salvar a vida, contra tudo e contra todos... na Agência.
É um filme que deixa muito para pensar — a quem queira fazê-lo. A relação tensa entre os dois agentes, e entre eles e o que envolvem as missões que eles levam a cabo, todo o contexto (Vietname, Berlim, Beirute, a China pré-capitalista) em que se desenrolam os seus actos, é habilmente exposto, sem pressas mas com muitos subentendidos, ao longo de 2 horas de excelente arte cinematográfica (a realização esteve a cargo do britânico Tony Scott), ao qual só tenho a reprovar o uso sistemático do flashback, mas admito que isto é embirração minha. A presença de Redford é especialmente forte em todo o filme.
A Sociedade Harmonia Eborense oferece-nos a quinta sala de cinema em Évora, a terceira não-diária e a segunda à borla; passam vídeos em televisor (mas em ambiente aconchegado) às quintas-feiras, ordenados por ciclos temáticos com bastante interesse. Corre actualmente o ciclo que se inicia com um dos melhores filmes europeus dos últimos anos, "Dancer in the Dark" (o tal com a Björk). A seguir atentamente.

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